O governo tem usado de incentivos,
convencimento e pressão para incentivar o investimento privado e reduzir os
efeitos internos da crise internacional. Apesar das privatizações dos anos
1990, grande parte do dinheiro alocado em serviços e infraestrutura foi feito
pelo Estado. A necessidade de planejar e atender à população com qualidade e
preços competitivos colocam em pauta também a necessidade de uma fiscalização
mais eficiente por parte das agências reguladoras
Marcel Gomes
O governo federal “inaugurou” em 2012 a temporada de caça aos
investimentos privados. Com o diagnóstico de que o empresariado pode fazer
muito mais pelos setores de infraestrutura, sobretudo aqueles em que participa
da gestão, a presidenta Dilma Rousseff tem empregado diversos mecanismos de
incentivo, pressão e convencimento.
Para os transportes, como rodovias e aeroportos, a estratégia é fazer
novas concessões. No caso das telecomunicações, a solução foi pressionar as
companhias através de mecanismos regulatórios. E, para o ramo da energia, em
que o novo marco regulatório mantém o setor atrativo para empresas privadas, a
moeda de troca é a revisão dos contratos, que começam a vencer em 2015. O
objetivo imediato é reduzir o custo da conta de luz.
Essencial para o crescimento
A elevação da taxa de investimento do Brasil, hoje abaixo de 20%, é
vista como fundamental para fazer o país crescer de modo sustentável. A meta é
evitar o chamado “voo de galinha”, imagem marcante de vários momentos da
história econômica brasileira, em que períodos curtos de expansão são sucedidos
por fases de estagnação – nem tão curtas assim. Sinal de que a preocupação é
atual, os últimos dados disponíveis do Produto Interno Bruto (PIB), referentes
ao segundo trimestre, desanimaram. A economia cresceu apenas 1,2% nos doze
meses anteriores a junho, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
O problema é que havia poucos sinais de recuperação no horizonte. Isso é
revelado por um outro indicador divulgado pelo IBGE junto com o PIB: a Formação
Bruta de Capital Fixo. Esse índice, que mede quanto as empresas gastaram com
bens de capital, como máquinas e equipamentos, caiu 0,7% no trimestre,
acumulando recuo de 0,3% em doze meses. São justamente os investimentos das empresas,
tão necessários para aquecer a economia, que não dão sinais de avanço. Sem
isso, torna-se mais difícil que o crescimento do PIB em 2012 supere sequer os
2%, um índice pequeno se comparado aos demais países em desenvolvimento.
Não há dúvida que os investimentos privados podem ajudar a mudar esse
cenário. Mas não de qualquer maneira. A experiência brasileira, sobretudo na
era das privatizações da década de 1990, revela que o empresariado, por si só,
não possui a solução para todos os nossos males econômicos. Basta lembrar a
crise do apagão, entre 2001 e 2002, poucos anos após a venda de distribuidoras
de eletricidade; o alto custo e a baixa qualidade dos serviços de telefonia,
apesar de sua evidente expansão; e o elevado preço dos pedágios em parte das
rodovias sob concessão.
Como, então, atrair o investidor privado sem tirar do Estado seu poder
regulador? Como permitir que o empresário se interesse pelas concessões e ganhe
dinheiro, sem prejudicar o interesse público? Essas questões têm sido enfrentadas
por técnicos do governo e pela presidenta Dilma, em particular. Enquanto
críticos afirmaram que o governo faz privatizações mesmo após denunciá-las
durante a campanha eleitoral, a presidenta responde com a alegação de que as
novas concessões são “parcerias”, nas quais o arranjo normativo garantiria o
“fortalecimento das estruturas de planejamento e de regulação”.
Transporte e logística
Entre as carências de infraestrutura do país, uma das mais notáveis está
no setor de transportes e logística. A matriz rodoviária, a mais cara e
poluente, predomina no deslocamento das mercadorias. Em um país continental,
caminhões transitam por milhares de quilômetros em estradas esburacadas e mal
sinalizadas. Para atacar o problema, o governo lançou em agosto o Programa de
Investimentos em Logística, que prevê a aplicação de R$ 133 bilhões em obras de
rodovias federais e ferrovias, ao longo de 25 anos.
O programa prevê a concessão de 7,5 mil quilômetros de estradas e a
duplicação de 5,7 mil. O modelo de disputa selecionará a concessionária pelo
menor valor de tarifa de pedágio a ser cobrada dos usuários, o que já foi
testado em outras concessões de rodovias, como a Fernão Dias, entre São Paulo e
Belo Horizonte. Por exigência contratual, o concessionário só poderá exigir
pedágio após a conclusão de 10% das obras previstas. Cobrança em área urbana é
proibida.
A expectativa do governo é elevar o investimento privado. Em 2011, o
empresariado alocou R$ 3,8 bilhões nas rodovias, alta de 40% sobre 2002. É
pouco, porém, se comparado ao que o setor público vem investindo. Em 2011, os
governos federal, estaduais e municipais colocaram R$ 10,5 bilhões nas
estradas, com expansão de 238% sobre 2002. Esses montantes, compilados pelo
coordenador de Infraestrutura Econômica do Ipea, Carlos Alvares da
Silva Campos Neto, foram atualizados em valores de dezembro de 2011.
No caso das ferrovias, o Programa de Investimentos em Logística também
aposta no apoio do capital privado para a reforma e construção de 10 mil quilômetros
de trilhos. Há trechos considerados estratégicos em termos de logística, como o
ferroanel de São Paulo e as ligações ao porto de Santos e entre Rio de Janeiro
e Vitória. O modelo escolhido pelo governo mais uma vez se foca na menor
tarifa: o leilão de concessão será vencido pela companhia que oferecer o mais
baixo preço para o trânsito dos trens. Além disso, os trilhos terão de ser
compartilhados por várias empresas.
Incentivo estatal
Entretanto, para aguçar o interesse do setor privado, o governo
comprará, através da estatal Valec e após a finalização das obras, toda a
capacidade de transporte de cargas, e a revenderá depois aos interessados, por
meio de ofertas públicas. Os trilhos, assim, poderão ser usados por operadores
ferroviários ou mesmo pelas próprias concessionárias. A vantagem para essas
últimas é que o prejuízo será do governo, se a demanda for menor do que a
capacidade construída.
Com isso, também no setor ferroviário a expectativa é de aumento da
participação privada. Em 2011, o investimento dos empresários em ferrovias
alcançou R$ 1,5 bilhão, alta de 110% sobre 2002. Mas, assim como no caso das
estradas, a expansão foi bem menor do que a registrada pelos investimentos
públicos, que atingiram R$ 4,5 bilhões no ano passado, 290% a mais do que em
2002.
Dúvidas e desafios
Apesar da expectativa do governo em atrair o empresariado, o coordenador
do IpeaCampos Neto alerta que há um teto não muito alto para eles.
“Depois da concessão desses 5,7 mil km de rodovias, não haverá muitos outros
trechos interessantes para o setor privado”, diz ele. Isso significa que o
poder público jamais poderá abandonar seu papel de investidor em estradas,
sobretudo na abertura de novas rotas. “Há pouca disposição das empresas para
construir novas rodovias. A opção é sempre receber a estrutura já pronta”,
explica Campos Neto.
O coordenador do Ipea diz que a mesma lógica vale para
os aeroportos. Em fevereiro, o governo leiloou os terminais de Guarulhos,
Brasília e Campinas, e planeja fazer o mesmo com as estruturas de outras
cidades. Os leilões arrecadaram R$ 24,5 bilhões, e os concessionários terão de
investir mais R$ 16 bilhões durante o período do contrato. Campos Neto alerta,
porém, que a iniciativa privada tem interesse em apenas “10 ou 12 dos 66
aeroportos administrados pela Infraero”. Nesse caso, também, o poder público
terá de se manter como um grande investidor aeroportuário. Em 2011, o
investimento nesse setor no país era praticamente 100% público, seja via
orçamento fiscal ou Infraero. No total, foram aplicados R$ 1,9 bilhão no ano
passado, alta de 267% sobre 2002.
Área atraente
Se há uma área que, na opinião de Campos Neto, poderá conquistar mais o
interesse do empresariado, é a de portos. Não é à toa que o governo federal
prepara um novo pacote para o setor, em que se prevê a construção de terminais
pela iniciativa privada e a aplicação de novos investimentos em unidades
arrendadas antes da Lei 8.630 (Lei dos Portos), o que seria possível a partir
do lançamento de um novo marco regulatório. Espera-se que três novos terminais
devam ser construídos e administrados pela iniciativa privada: um em Ilhéus
(BA), outro em Manaus (AM), e um porto de águas profundas em Vitória (ES).
“Há muitos atrativos para os portos, como um investimento menor para a
construção, se comparado a outras obras, e a carência que temos no setor, que
viu o comércio internacional crescer 125% entre 2003 e 2011, em termos de
valor”, diz o coordenador o Ipea. Ele espera que esses novos
aportes ajudem a elevar a taxa de investimento total em infraestrutura no
Brasil – que cresceu para R$ 23,1 bilhões em 2011, um montante 141% superior ao
de 2002, mas que ainda se mantém bem abaixo do aplicado por outros países
emergentes. O Brasil investe cerca de 0,7% de seu PIB em infraestrutura,
enquanto China, Rússia e Coreia superam os 3%.
Telecomunicações na berlinda
Se no setor de transporte a estratégia do governo federal para atrair
investimento privado é o convencimento, no caso das telecomunicações predomina
a pressão. Segundo Rodrigo Abdalla de Sousa, pesquisador do Ipea e
especialista no tema, entre as privatizações da década de 1990 e o ano de 2009
predominou o “modelo neoliberal”. “Tudo estava entregue às empresas. Elas
fariam o investimento e a operação, e estiveram submetidas a uma regulação
atrasada e fraca”, afirma. Sem uma coordenação central, os investimentos se
concentraram “no setor comercial de Brasília, na avenida Paulista, em São
Paulo, e na avenida Rio Branco, no Rio”, deixando grandes clarões pelo país.
Mesmo nas regiões mais endinheiradas, porém, o serviço tornou-se caro e de
baixa qualidade Essa história começou a mudar, explica Sousa, com o lançamento
do Programa Nacional de Banda Larga, em 2010. Seu objetivo é proporcionar o
acesso ao serviço a 40 milhões de domicílios brasileiros até 2014, a um preço
mais barato que o oferecido, à época, pelas operadoras privadas. A Telebrás foi
reativada para executar o programa e prestar suporte a políticas de conexão à
internet direcionadas a universidades, centros de pesquisa, escolas, hospitais
e outras localidades de interesse público. Por sua vez, as operadoras privadas
oferecem os planos de acesso mais baratos ao consumidor final – o que, muitas
vezes, não acontece, segundo recorrente denúncia da organização não
governamental Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
Na época de anúncio do programa, os investimentos foram estimados em R$
12,8 bilhões, entre desonerações, capitalização da Telebrás, investimentos em
pesquisa e financiamentos. Ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) caberia a metade da origem desses recursos, majoritariamente do
Estado. Mas, se o setor público fazia sua parte corrigindo erros da
privatização, qual seria a contribuição do setor privado?
A resposta a essa questão começou a se materializar com a insatisfação
pública manifestada através das listas de reclamações de usuários mantidas
pelos Procons. Em julho deste ano, diante da baixa qualidade dos serviços, o
Procon de Porto Alegre decidiu proibir as quatro grandes operadoras de
telefonia móvel – Vivo, Tim, Claro e Oi – de venderem novos planos. Mais tarde,
a proibição foi levada a todo o estado. O exemplo gaúcho exigiu que a Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel) tomasse providências.
Como o problema não atingia apenas o Rio Grande do Sul, a Anatel decidiu
proibir a venda de novos chips em todo o país. A penalização foi aplicada por
estado e atingiu a operadora com maiores problemas em cada um deles. Claro, Tim
e Oi foram penalizadas, e apenas a Vivo escapou. Todas, porém, tiveram de
apresentar um plano de investimentos para superar as carências. As operadoras
foram ao governo e prometeram injetar de cerca de R$ 20 bilhões até 2014, sendo
que R$ 4 bilhões teriam sido garantidos pela suspensão da venda de novos chips.
Os recursos devem ser aplicados, sobretudo, no aumento do número de antenas de
telefonia celular, em equipamentos para aumentar a taxa de transmissão de dados
e na melhoria do atendimento aos clientes.
Energia mais barata
A crise do apagão e a necessidade de racionamento de energia, entre 2001
e 2002, revelaram que o modelo energético brasileiro, desverticalizado pelas
privatizações dos anos 1990 e deixado ao sabor do mercado, não funcionava mais.
Entre 2003 e 2004, uma nova legislação para o setor lançou as bases de um
modelo que, sem abrir mão do setor privado, fortaleceu o papel coordenador do
Estado. Foi criada uma entidade responsável pelo planejamento de longo prazo, a
Empresa de Pesquisa Energética (EPE), justamente com a função de avaliar
permanentemente a segurança do suprimento de eletricidade.
Em termos de financiamento de novos projetos, a aposta foi em um mecanismo
chamado “project finance”, feito com o objetivo de atrair tanto recursos
privados quanto públicos. Esse mecanismo ajuda a diluir os riscos de
implantação e operação de um novo projeto entre todos os atores envolvidos no
setor energético. Isso ocorre porque o fluxo de caixa do projeto é a principal
fonte de pagamento do serviço e da amortização do capital de terceiros,
enquanto no financiamento corporativo tradicional as garantias são calcadas
principalmente nos ativos dos investidores.
Novas hidroelétricas em construção utilizam o mecanismo. Entre elas, o
projeto de Belo Monte, tocado pelo consórcio Norte Energia, que tem entre seus
membros empresas estatais e privadas como Chesf, Queiroz Galvão e Vale. “O
‘project finance’ trouxe segurança aos investidores”, explica o consultor em
energia e diretor do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo Carlos
Augusto Kirchner. O mesmo valeria para o BNDES, que também financia a maior
parte das grandes e bilionárias obras, inclusive Belo Monte. “Se é mais seguro
para o investidor privado, também é para o BNDES”, defende Kirchner.
Para Campos Neto, do Ipea, realmente o “investimento privado
deixou de ser um problema para o setor elétrico”. Isso não significa, porém,
que o governo tenha deixado as empresas do setor, estatais ou privadas, livres
de pressão. A bola da vez é o custo da eletricidade no Brasil, visto como um
dos fatores que tiram a competitividade da indústria nacional e comprometem o
orçamento das famílias.
Como explica o coordenador doIpea, o custo da energia é relativamente
alto – apesar de a produção majoritariamente hidroelétrica ser pouco onerosa –
por causa dos encargos tributários e da forma como foram feitos os reajustes
após a privatização, baseados no IGPM. “Esse índice variou sempre 20% acima do
que o IPCA [o índice oficial de inflação] entre 1996 e 2011”, afirma. “Por
isso, desde 2007 os novos contratos passaram a ser feitos com base no IPCA, o
que deve evitar aumento real do preço da energia”, diz.
Agora, com a proximidade do vencimento das concessões feitas nos anos
1990, o que acontecerá a partir de 2015, o governo apostará na redução das
tarifas. Isso será feito através de corte de encargos e dos preços pagos às
usinas hidroelétricas. A justificativa é que os investimentos utilizados na
construção das obras no passado já foram quitados, o que reduz custo de
operação e manutenção das turbinas.
Recursos privados
Em linhas gerais, o governo concluiu que não pode abrir mão dos recursos
privados em obras de infraestrutura. O orçamento fiscal, do qual são
dependentes setores como o de transportes, foi capaz de erguer grandes obras pelo
território, um patrimônio que é de todos. Entretanto, os desafios trazidos pela
inclusão de milhões de brasileiros nos últimos anos pedem a diversificação das
fontes de financiamento e de gestão.
É preciso considerar, ainda, que setores como o de aeroportos jamais
poderão abrir mão dos investimentos públicos, porque o mercado não tem
interesse por alguns equipamentos. Diante disso, fica o Estado com a obrigação
de se manter como investidor em grandes obras que, apesar de menos rentáveis do
ponto de vista econômico, são fundamentais para a população.
Marcel Gomes – novembro de 2012
IN
“Desafios do Desenvolvimento”, ano IX, No 74, IPEA – http://desafios.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2829:catid=28&Itemid=23