quinta-feira, 23 de maio de 2013

Onde está o investimento privado?


O governo tem usado de incentivos, convencimento e pressão para incentivar o investimento privado e reduzir os efeitos internos da crise internacional. Apesar das privatizações dos anos 1990, grande parte do dinheiro alocado em serviços e infraestrutura foi feito pelo Estado. A necessidade de planejar e atender à população com qualidade e preços competitivos colocam em pauta também a necessidade de uma fiscalização mais eficiente por parte das agências reguladoras

Marcel Gomes
O governo federal “inaugurou” em 2012 a temporada de caça aos investimentos privados. Com o diagnóstico de que o empresariado pode fazer muito mais pelos setores de infraestrutura, sobretudo aqueles em que participa da gestão, a presidenta Dilma Rousseff tem empregado diversos mecanismos de incentivo, pressão e convencimento.
Para os transportes, como rodovias e aeroportos, a estratégia é fazer novas concessões. No caso das telecomunicações, a solução foi pressionar as companhias através de mecanismos regulatórios. E, para o ramo da energia, em que o novo marco regulatório mantém o setor atrativo para empresas privadas, a moeda de troca é a revisão dos contratos, que começam a vencer em 2015. O objetivo imediato é reduzir o custo da conta de luz.

Essencial para o crescimento
A elevação da taxa de investimento do Brasil, hoje abaixo de 20%, é vista como fundamental para fazer o país crescer de modo sustentável. A meta é evitar o chamado “voo de galinha”, imagem marcante de vários momentos da história econômica brasileira, em que períodos curtos de expansão são sucedidos por fases de estagnação – nem tão curtas assim. Sinal de que a preocupação é atual, os últimos dados disponíveis do Produto Interno Bruto (PIB), referentes ao segundo trimestre, desanimaram. A economia cresceu apenas 1,2% nos doze meses anteriores a junho, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O problema é que havia poucos sinais de recuperação no horizonte. Isso é revelado por um outro indicador divulgado pelo IBGE junto com o PIB: a Formação Bruta de Capital Fixo. Esse índice, que mede quanto as empresas gastaram com bens de capital, como máquinas e equipamentos, caiu 0,7% no trimestre, acumulando recuo de 0,3% em doze meses. São justamente os investimentos das empresas, tão necessários para aquecer a economia, que não dão sinais de avanço. Sem isso, torna-se mais difícil que o crescimento do PIB em 2012 supere sequer os 2%, um índice pequeno se comparado aos demais países em desenvolvimento.
Não há dúvida que os investimentos privados podem ajudar a mudar esse cenário. Mas não de qualquer maneira. A experiência brasileira, sobretudo na era das privatizações da década de 1990, revela que o empresariado, por si só, não possui a solução para todos os nossos males econômicos. Basta lembrar a crise do apagão, entre 2001 e 2002, poucos anos após a venda de distribuidoras de eletricidade; o alto custo e a baixa qualidade dos serviços de telefonia, apesar de sua evidente expansão; e o elevado preço dos pedágios em parte das rodovias sob concessão.
Como, então, atrair o investidor privado sem tirar do Estado seu poder regulador? Como permitir que o empresário se interesse pelas concessões e ganhe dinheiro, sem prejudicar o interesse público? Essas questões têm sido enfrentadas por técnicos do governo e pela presidenta Dilma, em particular. Enquanto críticos afirmaram que o governo faz privatizações mesmo após denunciá-las durante a campanha eleitoral, a presidenta responde com a alegação de que as novas concessões são “parcerias”, nas quais o arranjo normativo garantiria o “fortalecimento das estruturas de planejamento e de regulação”.

Transporte e logística
Entre as carências de infraestrutura do país, uma das mais notáveis está no setor de transportes e logística. A matriz rodoviária, a mais cara e poluente, predomina no deslocamento das mercadorias. Em um país continental, caminhões transitam por milhares de quilômetros em estradas esburacadas e mal sinalizadas. Para atacar o problema, o governo lançou em agosto o Programa de Investimentos em Logística, que prevê a aplicação de R$ 133 bilhões em obras de rodovias federais e ferrovias, ao longo de 25 anos.
O programa prevê a concessão de 7,5 mil quilômetros de estradas e a duplicação de 5,7 mil. O modelo de disputa selecionará a concessionária pelo menor valor de tarifa de pedágio a ser cobrada dos usuários, o que já foi testado em outras concessões de rodovias, como a Fernão Dias, entre São Paulo e Belo Horizonte. Por exigência contratual, o concessionário só poderá exigir pedágio após a conclusão de 10% das obras previstas. Cobrança em área urbana é proibida.
A expectativa do governo é elevar o investimento privado. Em 2011, o empresariado alocou R$ 3,8 bilhões nas rodovias, alta de 40% sobre 2002. É pouco, porém, se comparado ao que o setor público vem investindo. Em 2011, os governos federal, estaduais e municipais colocaram R$ 10,5 bilhões nas estradas, com expansão de 238% sobre 2002. Esses montantes, compilados pelo coordenador de Infraestrutura Econômica do Ipea, Carlos Alvares da Silva Campos Neto, foram atualizados em valores de dezembro de 2011.
No caso das ferrovias, o Programa de Investimentos em Logística também aposta no apoio do capital privado para a reforma e construção de 10 mil quilômetros de trilhos. Há trechos considerados estratégicos em termos de logística, como o ferroanel de São Paulo e as ligações ao porto de Santos e entre Rio de Janeiro e Vitória. O modelo escolhido pelo governo mais uma vez se foca na menor tarifa: o leilão de concessão será vencido pela companhia que oferecer o mais baixo preço para o trânsito dos trens. Além disso, os trilhos terão de ser compartilhados por várias empresas.

Incentivo estatal
Entretanto, para aguçar o interesse do setor privado, o governo comprará, através da estatal Valec e após a finalização das obras, toda a capacidade de transporte de cargas, e a revenderá depois aos interessados, por meio de ofertas públicas. Os trilhos, assim, poderão ser usados por operadores ferroviários ou mesmo pelas próprias concessionárias. A vantagem para essas últimas é que o prejuízo será do governo, se a demanda for menor do que a capacidade construída.
Com isso, também no setor ferroviário a expectativa é de aumento da participação privada. Em 2011, o investimento dos empresários em ferrovias alcançou R$ 1,5 bilhão, alta de 110% sobre 2002. Mas, assim como no caso das estradas, a expansão foi bem menor do que a registrada pelos investimentos públicos, que atingiram R$ 4,5 bilhões no ano passado, 290% a mais do que em 2002.

Dúvidas e desafios
Apesar da expectativa do governo em atrair o empresariado, o coordenador do IpeaCampos Neto alerta que há um teto não muito alto para eles. “Depois da concessão desses 5,7 mil km de rodovias, não haverá muitos outros trechos interessantes para o setor privado”, diz ele. Isso significa que o poder público jamais poderá abandonar seu papel de investidor em estradas, sobretudo na abertura de novas rotas. “Há pouca disposição das empresas para construir novas rodovias. A opção é sempre receber a estrutura já pronta”, explica Campos Neto.
O coordenador do Ipea diz que a mesma lógica vale para os aeroportos. Em fevereiro, o governo leiloou os terminais de Guarulhos, Brasília e Campinas, e planeja fazer o mesmo com as estruturas de outras cidades. Os leilões arrecadaram R$ 24,5 bilhões, e os concessionários terão de investir mais R$ 16 bilhões durante o período do contrato. Campos Neto alerta, porém, que a iniciativa privada tem interesse em apenas “10 ou 12 dos 66 aeroportos administrados pela Infraero”. Nesse caso, também, o poder público terá de se manter como um grande investidor aeroportuário. Em 2011, o investimento nesse setor no país era praticamente 100% público, seja via orçamento fiscal ou Infraero. No total, foram aplicados R$ 1,9 bilhão no ano passado, alta de 267% sobre 2002.

Área atraente
Se há uma área que, na opinião de Campos Neto, poderá conquistar mais o interesse do empresariado, é a de portos. Não é à toa que o governo federal prepara um novo pacote para o setor, em que se prevê a construção de terminais pela iniciativa privada e a aplicação de novos investimentos em unidades arrendadas antes da Lei 8.630 (Lei dos Portos), o que seria possível a partir do lançamento de um novo marco regulatório. Espera-se que três novos terminais devam ser construídos e administrados pela iniciativa privada: um em Ilhéus (BA), outro em Manaus (AM), e um porto de águas profundas em Vitória (ES).
“Há muitos atrativos para os portos, como um investimento menor para a construção, se comparado a outras obras, e a carência que temos no setor, que viu o comércio internacional crescer 125% entre 2003 e 2011, em termos de valor”, diz o coordenador o Ipea. Ele espera que esses novos aportes ajudem a elevar a taxa de investimento total em infraestrutura no Brasil – que cresceu para R$ 23,1 bilhões em 2011, um montante 141% superior ao de 2002, mas que ainda se mantém bem abaixo do aplicado por outros países emergentes. O Brasil investe cerca de 0,7% de seu PIB em infraestrutura, enquanto China, Rússia e Coreia superam os 3%.

Telecomunicações na berlinda
Se no setor de transporte a estratégia do governo federal para atrair investimento privado é o convencimento, no caso das telecomunicações predomina a pressão. Segundo Rodrigo Abdalla de Sousa, pesquisador do Ipea e especialista no tema, entre as privatizações da década de 1990 e o ano de 2009 predominou o “modelo neoliberal”. “Tudo estava entregue às empresas. Elas fariam o investimento e a operação, e estiveram submetidas a uma regulação atrasada e fraca”, afirma. Sem uma coordenação central, os investimentos se concentraram “no setor comercial de Brasília, na avenida Paulista, em São Paulo, e na avenida Rio Branco, no Rio”, deixando grandes clarões pelo país. Mesmo nas regiões mais endinheiradas, porém, o serviço tornou-se caro e de baixa qualidade Essa história começou a mudar, explica Sousa, com o lançamento do Programa Nacional de Banda Larga, em 2010. Seu objetivo é proporcionar o acesso ao serviço a 40 milhões de domicílios brasileiros até 2014, a um preço mais barato que o oferecido, à época, pelas operadoras privadas. A Telebrás foi reativada para executar o programa e prestar suporte a políticas de conexão à internet direcionadas a universidades, centros de pesquisa, escolas, hospitais e outras localidades de interesse público. Por sua vez, as operadoras privadas oferecem os planos de acesso mais baratos ao consumidor final – o que, muitas vezes, não acontece, segundo recorrente denúncia da organização não governamental Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
Na época de anúncio do programa, os investimentos foram estimados em R$ 12,8 bilhões, entre desonerações, capitalização da Telebrás, investimentos em pesquisa e financiamentos. Ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) caberia a metade da origem desses recursos, majoritariamente do Estado. Mas, se o setor público fazia sua parte corrigindo erros da privatização, qual seria a contribuição do setor privado?
A resposta a essa questão começou a se materializar com a insatisfação pública manifestada através das listas de reclamações de usuários mantidas pelos Procons. Em julho deste ano, diante da baixa qualidade dos serviços, o Procon de Porto Alegre decidiu proibir as quatro grandes operadoras de telefonia móvel – Vivo, Tim, Claro e Oi – de venderem novos planos. Mais tarde, a proibição foi levada a todo o estado. O exemplo gaúcho exigiu que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tomasse providências.
Como o problema não atingia apenas o Rio Grande do Sul, a Anatel decidiu proibir a venda de novos chips em todo o país. A penalização foi aplicada por estado e atingiu a operadora com maiores problemas em cada um deles. Claro, Tim e Oi foram penalizadas, e apenas a Vivo escapou. Todas, porém, tiveram de apresentar um plano de investimentos para superar as carências. As operadoras foram ao governo e prometeram injetar de cerca de R$ 20 bilhões até 2014, sendo que R$ 4 bilhões teriam sido garantidos pela suspensão da venda de novos chips. Os recursos devem ser aplicados, sobretudo, no aumento do número de antenas de telefonia celular, em equipamentos para aumentar a taxa de transmissão de dados e na melhoria do atendimento aos clientes.


Energia mais barata 
A crise do apagão e a necessidade de racionamento de energia, entre 2001 e 2002, revelaram que o modelo energético brasileiro, desverticalizado pelas privatizações dos anos 1990 e deixado ao sabor do mercado, não funcionava mais. Entre 2003 e 2004, uma nova legislação para o setor lançou as bases de um modelo que, sem abrir mão do setor privado, fortaleceu o papel coordenador do Estado. Foi criada uma entidade responsável pelo planejamento de longo prazo, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), justamente com a função de avaliar permanentemente a segurança do suprimento de eletricidade.

Em termos de financiamento de novos projetos, a aposta foi em um mecanismo chamado “project finance”, feito com o objetivo de atrair tanto recursos privados quanto públicos. Esse mecanismo ajuda a diluir os riscos de implantação e operação de um novo projeto entre todos os atores envolvidos no setor energético. Isso ocorre porque o fluxo de caixa do projeto é a principal fonte de pagamento do serviço e da amortização do capital de terceiros, enquanto no financiamento corporativo tradicional as garantias são calcadas principalmente nos ativos dos investidores.
Novas hidroelétricas em construção utilizam o mecanismo. Entre elas, o projeto de Belo Monte, tocado pelo consórcio Norte Energia, que tem entre seus membros empresas estatais e privadas como Chesf, Queiroz Galvão e Vale. “O ‘project finance’ trouxe segurança aos investidores”, explica o consultor em energia e diretor do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo Carlos Augusto Kirchner. O mesmo valeria para o BNDES, que também financia a maior parte das grandes e bilionárias obras, inclusive Belo Monte. “Se é mais seguro para o investidor privado, também é para o BNDES”, defende Kirchner.
Para Campos Neto, do Ipea, realmente o “investimento privado deixou de ser um problema para o setor elétrico”. Isso não significa, porém, que o governo tenha deixado as empresas do setor, estatais ou privadas, livres de pressão. A bola da vez é o custo da eletricidade no Brasil, visto como um dos fatores que tiram a competitividade da indústria nacional e comprometem o orçamento das famílias.

Como explica o coordenador doIpea, o custo da energia é relativamente alto – apesar de a produção majoritariamente hidroelétrica ser pouco onerosa – por causa dos encargos tributários e da forma como foram feitos os reajustes após a privatização, baseados no IGPM. “Esse índice variou sempre 20% acima do que o IPCA [o índice oficial de inflação] entre 1996 e 2011”, afirma. “Por isso, desde 2007 os novos contratos passaram a ser feitos com base no IPCA, o que deve evitar aumento real do preço da energia”, diz.
Agora, com a proximidade do vencimento das concessões feitas nos anos 1990, o que acontecerá a partir de 2015, o governo apostará na redução das tarifas. Isso será feito através de corte de encargos e dos preços pagos às usinas hidroelétricas. A justificativa é que os investimentos utilizados na construção das obras no passado já foram quitados, o que reduz custo de operação e manutenção das turbinas.

Recursos privados
Em linhas gerais, o governo concluiu que não pode abrir mão dos recursos privados em obras de infraestrutura. O orçamento fiscal, do qual são dependentes setores como o de transportes, foi capaz de erguer grandes obras pelo território, um patrimônio que é de todos. Entretanto, os desafios trazidos pela inclusão de milhões de brasileiros nos últimos anos pedem a diversificação das fontes de financiamento e de gestão.
É preciso considerar, ainda, que setores como o de aeroportos jamais poderão abrir mão dos investimentos públicos, porque o mercado não tem interesse por alguns equipamentos. Diante disso, fica o Estado com a obrigação de se manter como investidor em grandes obras que, apesar de menos rentáveis do ponto de vista econômico, são fundamentais para a população.


Marcel Gomes – novembro de 2012
IN “Desafios do Desenvolvimento”, ano IX, No 74, IPEA – http://desafios.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2829:catid=28&Itemid=23