As
decisões emanadas do Poder Judiciário têm sido tão ou mais
"casuísticas" do que as do Congresso Nacional; todas, sem exceção,
prenhes de efeitos imediatos para a disputa político- partidária. Não há
isenção possível neste tipo de questão.
Fernando
Limongi
A confusão está armada. Supremo e Congresso
entraram em rota de colisão. Gilmar Mendes, em curta declaração, apontou o
culpado: o Poder Executivo. O Supremo se exime de culpa e responsabiliza os
demais Poderes. Suas repetidas intervenções teriam um único motivo: pôr ordem
no coreto. A omissão do Congresso, sua incapacidade de promover reformas
institucionais teria forçado as repetidas investidas do Judiciário na seara
alheia.
Rápida
revisão das decisões recentes permite concluir o contrário. Da imposição da
verticalização das coligações à intervenção do ministro Gilmar Mendes na semana
passada, o Supremo tem contribuído mais para confundir do que para esclarecer,
para lembrar o refrão do saudoso Chacrinha. As decisões emanadas do Poder
Judiciário têm sido tão ou mais "casuísticas" do que as do Congresso
Nacional; todas, sem exceção, prenhes de efeitos imediatos para a disputa
político- partidária. Não há isenção possível neste tipo de questão. Tampouco é
possível argumentar em nome do fortalecimento da democracia ou coisa do gênero.
Qualquer decisão tomada favorecerá alguns partidos e prejudicará outros.
Segundo
o noticiário da imprensa, o ministro Gilmar Mendes teria identificado vícios
formais na tramitação da proposta apresentada pelo deputado Edinho Araújo. O
Congresso teria agido de forma rápida demais. Não deixa de ser irônico. O
Congresso é sempre atacado por sua omissão ou morosidade. Quando é ágil,
levanta suspeição. Tamanha celeridade só se justificaria por razões escusas.
O
fato é que o Congresso pode agir rapidamente e o faz com frequência. O ritmo da
tramitação das matérias é ditado pela maioria, respeitada as normas
regimentais. A intervenção do ministro se justificaria se estas normas e ritos
tivessem sido violados. Foram? Se sim, quais? A opinião pública não foi
informada dos vícios formais identificados pelo ministro Gilmar Mendes. Pelo
que se depreende do que publicado na imprensa, a celeridade em si foi
questionada. A suspeição motivou a intervenção.
Muitos
analistas comungam da desconfiança que motivou a medida cautelar. O Congresso
só se moveria com esta presteza para defender interesses particulares e
imediatos. Por isto, mesmo, a medida foi comparada ao Pacote de Abril. O
governo estaria alterando a legislação em causa própria. No entanto, é preciso
ter claro que o Congresso estava apenas restaurando o status quo vigente antes
da surpreendente intervenção do Supremo, concedendo tempo de TV ao partido criado
por Kassab. Note-se: a emenda mais polêmica foi proposta pelo DEM e não por um
partido da coalizão que apoia a presidente Dilma.
O
tempo no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral conferido a cada partido é
proporcional à sua bancada na Câmara dos Deputados. Partidos ganhavam tempo na
TV na medida em que conseguiam aumentar suas bancadas. O Congresso Nacional,
tempos atrás, barrou esse incentivo à migração partidária, impondo como
referência a bancada eleita, isto é, a vontade do eleitor expressa nas urnas
nas últimas eleições. Com esta decisão, um dos principais estímulos à migração
partidária foi neutralizado. Foi esta decisão do Congresso Nacional - e não a
imposição da fidelidade partidária pelo STF - a maior responsável pela
diminuição das danças das cadeiras. Aliciar parlamentares para ganhar tempo na
TV deixou de figurar entre as estratégias dos pré-candidatos à Presidência.
O
STF, ao decidir que o PSD tinha direito a tempo na TV proporcional à sua
bancada, reintroduziu, pela porta dos fundos, a motivação para a migração
partidária. A estratégia teve que ser devidamente adaptada. Em lugar de atrair
deputados, cria-se um novo partido. As restrições impostas pelo CN podem,
agora, ser contornadas. A oportunidade foi prontamente percebida e alguns
partidos, não necessariamente os mais fisiológicos, logo viram como tirar
proveito das novas oportunidades.
Repentinamente, após anos de convivência, PPS
e PMN descobriram suas afinidades ideológicas. Note-se o que está em jogo. Não se trata apenas de somar os tempos de TV que
PPS e PMN têm direito em função da bancada que elegeram em 2010. Se fosse isto,
a fusão teria o mesmo efeito que uma coligação. A fusão soma tempo de TV desde
que seja capaz de atrair novos parlamentares, por exemplo, do DEM e do PMDB.
Estes, ao se juntarem ao novo partido, carregam consigo seu tempo de TV. E é
assim por força da decisão tomada pelo Supremo quando da criação do PDS.
A
contradição entre esta decisão do Supremo e a que impôs a fidelidade partidária
é patente. Afinal, a quem pertence o mandato parlamentar? Na realidade, ao
assegurar tempo na TV ao PSD, o Supremo contradisse decisão tomada pouco antes,
quando a bancada do PSD teve negada sua participação na distribuição de cargos
no interior do Poder Legislativo. Depois desta decisão, ninguém mais, nem mesmo
o PSD e seus aliados esperavam que o partido ganhasse tempo na TV.
Nestes
termos, a proposta do deputado Edinho Araújo e a emenda do DEM são reações a um
"casuísmo". O Supremo alterou as regras do jogo. Difícil sustentar
que a intervenção do Judiciário tenha contribuído para fortalecer os partidos e
aperfeiçoar a democracia. Basicamente, a proposta, que o ministro Gilmar barrou
antes que sua tramitação chegasse a termo, simplesmente restaurava o status quo.
As
intervenções do Supremo no terreno da legislação eleitoral e partidária - é
tempo de afirmá-lo com todas as letras - carecem de coerência. O Supremo, por
paradoxal que possa parecer, tem sido fonte de instabilidade. Ao pretender
legislar no campo eleitoral, não tem como evitar atrelar suas decisões à
disputa político-partidária. Perde assim a isenção para reclamar a capacidade
de arbitrar uma luta em que se envolve.
Fernando Limongi – Professor-titular de ciência política da USP –
30.04.2013