PARA PROFESSOR DE HARVARD, GOVERNO E
MÍDIA DOS EUA FOGEM DE ABORDAR A NECESSIDADE DE CRIAR UM CÓDIGO DE CONDUTA
SOBRE INFORMAÇÕES ELETRÔNICAS.
Raul Juste
A caçada ao ex-analista da CIA Edward Snowden está
ofuscando o debate sobre um necessário e urgente "código de conduta"
para grandes corporações e governos ao lidar com a informação digital.
"Governos sempre se espionaram, mas é
diferente quando milhões de indivíduos têm a privacidade violada", afirma
o professor de relações internacionais da Universidade Harvard Stephen Walt,
58.
Ex-diretor acadêmico da Escola de Governo Kennedy
de Harvard, ele é um dos maiores críticos a como a mídia e o governo dos EUA
tratam a revelação do vasto sistema secreto de espionagem.
Em artigo no jornal britânico "Financial
Times", sugeriu a Barack Obama conceder o perdão presidencial ao delator.
Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha:
Folha – O Brasil e alguns países europeus já
reclamaram da espionagem de seus e-mails. O que esperar?
Stephen Walt – Todo governo faz espionagem de outros governos. Os EUA devem fazer do brasileiro, assim como o do Brasil deve espionar o americano. A novidade aqui é a espionagem de cidadãos comuns, do comportamento individual. O cidadão brasileiro deve protestar e pedir aos políticos brasileiros que exijam que os EUA parem com essa espionagem.
Stephen Walt – Todo governo faz espionagem de outros governos. Os EUA devem fazer do brasileiro, assim como o do Brasil deve espionar o americano. A novidade aqui é a espionagem de cidadãos comuns, do comportamento individual. O cidadão brasileiro deve protestar e pedir aos políticos brasileiros que exijam que os EUA parem com essa espionagem.
Folha – Isso teria resultado?
Stephen Walt – O que ficou claro é que não há um código de conduta para grandes corporações, governos e indivíduos a respeito do que fazer com suas bases de dados. Não há consenso nem leis. Os países precisam aproveitar a oportunidade e começar essa discussão. Não é a ONU que vai discutir isso.
Stephen Walt – O que ficou claro é que não há um código de conduta para grandes corporações, governos e indivíduos a respeito do que fazer com suas bases de dados. Não há consenso nem leis. Os países precisam aproveitar a oportunidade e começar essa discussão. Não é a ONU que vai discutir isso.
Folha – Nos EUA, o debate se concentra na caçada
humana a Edward Snowden e quase ignora a espionagem do governo. Não houve
surpresa?
Stephen Walt – A maioria dos americanos não sente que é alvo da espionagem, pensa que só "gente perigosa" tem o que temer, o que é um tanto ingênuo.
Um grande problema de um banco de dados assim é o de ser violado por alguém no futuro, algo inevitável.
Para 55% dos americanos, Snowden é alguém que alertou para um problema, enquanto 36% o veem como traidor. A maioria acha que ele colocou luz em coisas erradas que estavam escondidas. Mas não causou escândalo. Muita gente acha que somos espionados o tempo todo pelas empresas de internet.
Stephen Walt – A maioria dos americanos não sente que é alvo da espionagem, pensa que só "gente perigosa" tem o que temer, o que é um tanto ingênuo.
Um grande problema de um banco de dados assim é o de ser violado por alguém no futuro, algo inevitável.
Para 55% dos americanos, Snowden é alguém que alertou para um problema, enquanto 36% o veem como traidor. A maioria acha que ele colocou luz em coisas erradas que estavam escondidas. Mas não causou escândalo. Muita gente acha que somos espionados o tempo todo pelas empresas de internet.
Folha – Snowden virou o assunto único aqui nos EUA.
Stephen Walt – Parte do debate de Snowden é sobre seus porquês, quem o estaria ajudando, se os inimigos do país, e menos sobre o que ele denunciou.
A mídia em Washington tem uma relação simbiótica com o poder, com o governo. Há cooperação e cooptação, independentemente de qual partido esteja no poder. Não querem falar da espionagem.
Stephen Walt – Parte do debate de Snowden é sobre seus porquês, quem o estaria ajudando, se os inimigos do país, e menos sobre o que ele denunciou.
A mídia em Washington tem uma relação simbiótica com o poder, com o governo. Há cooperação e cooptação, independentemente de qual partido esteja no poder. Não querem falar da espionagem.
Folha – O sr. defende que Barack Obama dê o perdão
presidencial a Snowden. Mas o governo não quer uma punição exemplar para evitar
novos delatores?
Stephen Walt – Obama deveria dar o perdão presidencial. Snowden fez o que fez por motivos louváveis, coerentes com a retórica de Obama, de defender a liberdade individual e a transparência do governo.
Ele não vendeu as informações a um governo estrangeiro, como espião tradicional. Um vasto sistema secreto de vigilância pode ser usado com fins mesquinhos em pouco tempo. [O ex-presidente Richard] Nixon foi perdoado, assim como envolvidos no Irã-Contras [escândalo dos anos 80 em que os EUA venderam armas ao Irã por um esquema escuso, que envolvia rebeldes na Nicarágua].
Stephen Walt – Obama deveria dar o perdão presidencial. Snowden fez o que fez por motivos louváveis, coerentes com a retórica de Obama, de defender a liberdade individual e a transparência do governo.
Ele não vendeu as informações a um governo estrangeiro, como espião tradicional. Um vasto sistema secreto de vigilância pode ser usado com fins mesquinhos em pouco tempo. [O ex-presidente Richard] Nixon foi perdoado, assim como envolvidos no Irã-Contras [escândalo dos anos 80 em que os EUA venderam armas ao Irã por um esquema escuso, que envolvia rebeldes na Nicarágua].
Folha – Mas Obama quer punição exemplar para evitar
novos delatores, não?
Stephen Walt – Se Snowden for exilado, vai continuar a ser uma figura polarizadora ou até um mártir no mundo por muitos anos. Perdoado, ele atrairia menos atenção. E não seria melhor deixar isso para trás e debater o que foi vazado? Não foi por isso que Obama se negou a processar as autoridades dos anos de George W. Bush [2001-09] que autorizaram a tortura?
Tiranos e revolucionários fracassados costumavam pedir asilo. Hoje, são idealistas que acreditam na transparência da democracia. Se Snowden fosse chinês ou iraniano e tivesse vazado informações sobre espionagem, daríamos asilo ao herói.
A punição duríssima contra Snowden ou [Bradley] Manning [soldado dos EUA preso desde 2010 por repassar informações ao site WikiLeaks] tenta conter os vazamentos de informação, mas isso já é uma raridade. É um passo arriscado, raro, alguém dentro dessas organizações ter coragem para isso.
Stephen Walt – Se Snowden for exilado, vai continuar a ser uma figura polarizadora ou até um mártir no mundo por muitos anos. Perdoado, ele atrairia menos atenção. E não seria melhor deixar isso para trás e debater o que foi vazado? Não foi por isso que Obama se negou a processar as autoridades dos anos de George W. Bush [2001-09] que autorizaram a tortura?
Tiranos e revolucionários fracassados costumavam pedir asilo. Hoje, são idealistas que acreditam na transparência da democracia. Se Snowden fosse chinês ou iraniano e tivesse vazado informações sobre espionagem, daríamos asilo ao herói.
A punição duríssima contra Snowden ou [Bradley] Manning [soldado dos EUA preso desde 2010 por repassar informações ao site WikiLeaks] tenta conter os vazamentos de informação, mas isso já é uma raridade. É um passo arriscado, raro, alguém dentro dessas organizações ter coragem para isso.
Folha – Como o sr. compara Snowden a Bradley
Manning?
Stephen Walt – Há uma grande diferença entre Snowden e Bradley Manning/WikiLeaks. Ao trabalhar com [o jornal britânico] "The Guardian", os jornalistas e editores responsáveis selecionaram o que deveria ser divulgado ou não, checaram informações, exerceram a seleção crítica, responsável.
Uma organização de mídia que soube tratar dos papéis confidenciais. Não despejaram a informação sem filtro ou sem pensar nas consequências, como o WikiLeaks.
Stephen Walt – Há uma grande diferença entre Snowden e Bradley Manning/WikiLeaks. Ao trabalhar com [o jornal britânico] "The Guardian", os jornalistas e editores responsáveis selecionaram o que deveria ser divulgado ou não, checaram informações, exerceram a seleção crítica, responsável.
Uma organização de mídia que soube tratar dos papéis confidenciais. Não despejaram a informação sem filtro ou sem pensar nas consequências, como o WikiLeaks.
Folha – E Obama o perdoaria?
Stephen Walt – É cedo para dizer, mas é improvável. Obama não parece corajoso a esse ponto, ainda que presidentes tomem decisões polêmicas no final de seus governos, quando já não precisam mais ser reeleitos.
Não estou surpreso que Obama não tenha desmontado os sistemas de vigilância do governo Bush. Nunca pensei que ele seria muito progressista. É um centrista. Em alguns sentidos, até aumentou a escala de espionagem e a perseguição a jornalistas.
Stephen Walt – É cedo para dizer, mas é improvável. Obama não parece corajoso a esse ponto, ainda que presidentes tomem decisões polêmicas no final de seus governos, quando já não precisam mais ser reeleitos.
Não estou surpreso que Obama não tenha desmontado os sistemas de vigilância do governo Bush. Nunca pensei que ele seria muito progressista. É um centrista. Em alguns sentidos, até aumentou a escala de espionagem e a perseguição a jornalistas.
Folha – Delações como a dos Papéis do Pentágono
[documentos secretos sobre a dificuldade da Guerra do Vietnã, vazados em 1971
pelo analista militar Daniel Ellsberg] seriam impensáveis hoje?
Stephen Walt – O governo Obama tem se mostrado muito mais agressivo em processar delatores e correr atrás de jornalistas que deram furos de reportagem, sempre em nome da segurança nacional. Isso não é saudável. Delações sobre abuso de poder de autoridades são necessárias à democracia.
Stephen Walt – O governo Obama tem se mostrado muito mais agressivo em processar delatores e correr atrás de jornalistas que deram furos de reportagem, sempre em nome da segurança nacional. Isso não é saudável. Delações sobre abuso de poder de autoridades são necessárias à democracia.
Folha – Ícones da esquerda americana, como a senadora
Dianne Feinstein, chamam Snowden de traidor. Por quê?
Stephen Walt – As linhas políticas de quem defende ou ataca Snowden estão embaralhadas, não é democrata versus republicano. Quem acha que os EUA sofrem ameaças graves de terrorismo aceita a perda de liberdades. Quem acha que essas ameaças são um exagero, como eu, defende as liberdades individuais.
O que aprendemos com essa polêmica é que é otimista pensar que o Congresso faça uma supervisão séria desse sistema [de espionagem].
Stephen Walt – As linhas políticas de quem defende ou ataca Snowden estão embaralhadas, não é democrata versus republicano. Quem acha que os EUA sofrem ameaças graves de terrorismo aceita a perda de liberdades. Quem acha que essas ameaças são um exagero, como eu, defende as liberdades individuais.
O que aprendemos com essa polêmica é que é otimista pensar que o Congresso faça uma supervisão séria desse sistema [de espionagem].
Folha – A América Latina deve esperar sanções dos
EUA se asilar Snowden?
Stephen Walt – No último século, os EUA tiveram papel dominante no hemisfério, e países que tentaram desafiá-los sofreram pressões adicionais. Pode ocorrer isso com quem oferecer asilo a Snowden, mas seria algo infeliz piorar nossas relações com a região, contra nossos próprios interesses, por causa de um indivíduo.
Stephen Walt – No último século, os EUA tiveram papel dominante no hemisfério, e países que tentaram desafiá-los sofreram pressões adicionais. Pode ocorrer isso com quem oferecer asilo a Snowden, mas seria algo infeliz piorar nossas relações com a região, contra nossos próprios interesses, por causa de um indivíduo.
Folha – O que o sr. acha da negativa do governo
Obama de chamar o golpe militar no Egito de "golpe"?
Stephen Walt – Obviamente houve golpe militar no Egito, mas o melhor que Obama tem a fazer lá é uma "negligência benevolente". Ele não pode chamar de golpe, porque nossas leis o obrigariam a cortar a ajuda militar. Mandamos dinheiro para lá para reter influência, ainda que ela seja limitada.
Se fosse para ajudar mesmo o Egito, os EUA enviariam comida, não ajuda militar.
Stephen Walt – Obviamente houve golpe militar no Egito, mas o melhor que Obama tem a fazer lá é uma "negligência benevolente". Ele não pode chamar de golpe, porque nossas leis o obrigariam a cortar a ajuda militar. Mandamos dinheiro para lá para reter influência, ainda que ela seja limitada.
Se fosse para ajudar mesmo o Egito, os EUA enviariam comida, não ajuda militar.
Folha – Como seria?
Stephen Walt – Os US$ 2 bilhões [R$ 4,47 bilhões] em brinquedos militares para o Exército egípcio poderiam ajudar o povo egípcio, que hoje precisa mais de comida, turismo, luz e água.
Revoluções têm reviravoltas, antes de qualquer estabilidade, da Francesa à Russa. Mesmo a americana --nossa Constituição levaria uma década para ficar pronta depois da independência, com focos de oposição. Certamente os britânicos na época disseram que não estávamos preparados para nos autogovernar.
Stephen Walt – Os US$ 2 bilhões [R$ 4,47 bilhões] em brinquedos militares para o Exército egípcio poderiam ajudar o povo egípcio, que hoje precisa mais de comida, turismo, luz e água.
Revoluções têm reviravoltas, antes de qualquer estabilidade, da Francesa à Russa. Mesmo a americana --nossa Constituição levaria uma década para ficar pronta depois da independência, com focos de oposição. Certamente os britânicos na época disseram que não estávamos preparados para nos autogovernar.
Raul Juste Lores – 22.07.2013
Stephen Walt – professor de Relações Internacionais e
Ex-Diretor acadêmico na Escola de Governo Kennedy da Universidade Harvard
IN Folha de São
Paulo – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/120125-cacar-delator-tira-foco-do-debate-sobre-os-limites-de-espionagem.shtml
Snowden deserves an immediate presidential pardon
History will probably be kinder to the American than to his pursuers.
Stephen Walt
In his second inaugural
address, President Barack Obama called upon “We, the People” to preserve
America’s ideals of individual freedom and equality. WhenEdward Snowden disclosed the
National Security Agency’s secret surveillance programmes, he was rising to
this challenge. Like the nation’s “founding fathers”, he was also defying the
usurpations of an increasingly intrusive government. Mr Obama should therefore
call off the campaign to apprehend him and offer Mr Snowden a pardon instead.
Mr Snowden stands accused
of stealing government property and unauthorised dissemination of classified
information. But he did not pass valuable secrets to a foreign government or
sell them for personal gain – as convicted spies such as Aldrich Ames or
Jonathan Pollard did. On the contrary, he gave up a well-paid job and put his
own freedom in jeopardy for a principle.
Mr Snowden’s motives were
laudable: he believed fellow citizens should know their government was
conducting a secret surveillance programme enormous in scope, poorly supervised
and possibly unconstitutional. He was right.
Thanks to Mr Snowden, we
now know that officials and private contractors have been collecting vast
amounts of information about ordinary Americans and conducting unprecedented levels
of spying on US allies. We know key officials lied on
Capitol Hill about what the NSA was doing, casting doubt
on the quality of Congressional oversight. By going public, Mr Snowden reminded
us that secret programmes undertaken in the name of national security are
extremely difficult to control.
NSA defenders argue that
these programmes only target individuals who might pose a threat. They maintain
ordinary citizens whose digital records might be incriminating or embarrassing
need not be concerned, because government officials will never examine their
data without probable cause and judicial approval.
How naive. Under the veneer
of “national security”, government officials can use these vast troves of data
to go after anyone, questioning what they were doing, including whistleblowers,
investigative journalists or ordinary citizens posting comments on news
websites.
Once a secret surveillance
system exists, it is only a matter of time before someone abuses it for selfish
ends. Richard Nixon kept his own “enemies list” and used the Central
Intelligence Agency to spy on American citizens. Former Federal Bureau of
Investigation director J Edgar Hoover helped keep himself in office by
collecting dirt on officials.
Fear of exposure threatens
to stifle the dissent and debate that is essential to healthy democracy.
Governments already classify much of what officialdom is doing and selectively
leak information to influence public opinion, so citizens must rely on
journalists, academics and principled individuals such as Mr Snowden to find
out what our “public servants” aren’t telling us. But if critical voices are
cowed by the possibility that their personal lives will be revealed, those in
power will be harder to monitor and policy errors will go uncorrected.
Pardoning Mr Snowden would
surely provoke howls of protest from the intelligence community, which hopes to
deter future leakers by making an example of him. But a pardon for him is
unlikely to trigger a wave of imitators; how many other insiders would
sacrifice their jobs and risk their freedom because Mr Snowden got a reprieve?
And if a few did follow suit and exposed government wrongdoing, society as a
whole would benefit.
History will probably be
kinder to Mr Snowden than to his pursuers, and his name may one day be linked
to the other brave men and women – Daniel Ellsberg, Martin Luther King Jr, Mark
Felt, Karen Silkwood and so on – whose acts of principled defiance are now
widely admired.
Ironically, less august
company awaits Mr Snowden should he join the ranks of those whom presidents have
spared. Gerald Ford pardoned Richard Nixon, George HW Bush pardoned the
officials who conducted the illegal Iran-Contra affair, and Mr Obama has already pardoned several convicted
embezzlers and drug dealers. Surely Mr Snowden is as deserving of mercy as
these miscreants. Pardoning him would also show that Mr Obama’s rhetorical
commitment to “We, the People”, and to open and transparent government, is not
just empty words.
Stephen Walt –
The writer is a professor of international affairs at Harvard – 08.07.2013
IN
Finantial Times – http://www.ft.com/cms/s/0/0ccf2d14-e7c1-11e2-babb-00144feabdc0.html#axzz2ZmCOcw80