sexta-feira, 26 de julho de 2013

Caçar delator tira foco do debate sobre os limites de espionagem


PARA PROFESSOR DE HARVARD, GOVERNO E MÍDIA DOS EUA FOGEM DE ABORDAR A NECESSIDADE DE CRIAR UM CÓDIGO DE CONDUTA SOBRE INFORMAÇÕES ELETRÔNICAS.

Raul Juste              
A caçada ao ex-analista da CIA Edward Snowden está ofuscando o debate sobre um necessário e urgente "código de conduta" para grandes corporações e governos ao lidar com a informação digital.
"Governos sempre se espionaram, mas é diferente quando milhões de indivíduos têm a privacidade violada", afirma o professor de relações internacionais da Universidade Harvard Stephen Walt, 58.
Ex-diretor acadêmico da Escola de Governo Kennedy de Harvard, ele é um dos maiores críticos a como a mídia e o governo dos EUA tratam a revelação do vasto sistema secreto de espionagem.
Em artigo no jornal britânico "Financial Times", sugeriu a Barack Obama conceder o perdão presidencial ao delator. Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha:
-
Folha – O Brasil e alguns países europeus já reclamaram da espionagem de seus e-mails. O que esperar?
Stephen Walt – Todo governo faz espionagem de outros governos. Os EUA devem fazer do brasileiro, assim como o do Brasil deve espionar o americano. A novidade aqui é a espionagem de cidadãos comuns, do comportamento individual. O cidadão brasileiro deve protestar e pedir aos políticos brasileiros que exijam que os EUA parem com essa espionagem.
Folha – Isso teria resultado?
Stephen Walt – O que ficou claro é que não há um código de conduta para grandes corporações, governos e indivíduos a respeito do que fazer com suas bases de dados. Não há consenso nem leis. Os países precisam aproveitar a oportunidade e começar essa discussão. Não é a ONU que vai discutir isso.
Folha – Nos EUA, o debate se concentra na caçada humana a Edward Snowden e quase ignora a espionagem do governo. Não houve surpresa?
Stephen Walt – A maioria dos americanos não sente que é alvo da espionagem, pensa que só "gente perigosa" tem o que temer, o que é um tanto ingênuo.
Um grande problema de um banco de dados assim é o de ser violado por alguém no futuro, algo inevitável.
Para 55% dos americanos, Snowden é alguém que alertou para um problema, enquanto 36% o veem como traidor. A maioria acha que ele colocou luz em coisas erradas que estavam escondidas. Mas não causou escândalo. Muita gente acha que somos espionados o tempo todo pelas empresas de internet.
Folha – Snowden virou o assunto único aqui nos EUA.
Stephen Walt – Parte do debate de Snowden é sobre seus porquês, quem o estaria ajudando, se os inimigos do país, e menos sobre o que ele denunciou.
A mídia em Washington tem uma relação simbiótica com o poder, com o governo. Há cooperação e cooptação, independentemente de qual partido esteja no poder. Não querem falar da espionagem.
Folha – O sr. defende que Barack Obama dê o perdão presidencial a Snowden. Mas o governo não quer uma punição exemplar para evitar novos delatores?
Stephen Walt – Obama deveria dar o perdão presidencial. Snowden fez o que fez por motivos louváveis, coerentes com a retórica de Obama, de defender a liberdade individual e a transparência do governo.
Ele não vendeu as informações a um governo estrangeiro, como espião tradicional. Um vasto sistema secreto de vigilância pode ser usado com fins mesquinhos em pouco tempo. [O ex-presidente Richard] Nixon foi perdoado, assim como envolvidos no Irã-Contras [escândalo dos anos 80 em que os EUA venderam armas ao Irã por um esquema escuso, que envolvia rebeldes na Nicarágua].
Folha – Mas Obama quer punição exemplar para evitar novos delatores, não?
Stephen Walt – Se Snowden for exilado, vai continuar a ser uma figura polarizadora ou até um mártir no mundo por muitos anos. Perdoado, ele atrairia menos atenção. E não seria melhor deixar isso para trás e debater o que foi vazado? Não foi por isso que Obama se negou a processar as autoridades dos anos de George W. Bush [2001-09] que autorizaram a tortura?
Tiranos e revolucionários fracassados costumavam pedir asilo. Hoje, são idealistas que acreditam na transparência da democracia. Se Snowden fosse chinês ou iraniano e tivesse vazado informações sobre espionagem, daríamos asilo ao herói.
A punição duríssima contra Snowden ou [Bradley] Manning [soldado dos EUA preso desde 2010 por repassar informações ao site WikiLeaks] tenta conter os vazamentos de informação, mas isso já é uma raridade. É um passo arriscado, raro, alguém dentro dessas organizações ter coragem para isso.
Folha – Como o sr. compara Snowden a Bradley Manning?
Stephen Walt – Há uma grande diferença entre Snowden e Bradley Manning/WikiLeaks. Ao trabalhar com [o jornal britânico] "The Guardian", os jornalistas e editores responsáveis selecionaram o que deveria ser divulgado ou não, checaram informações, exerceram a seleção crítica, responsável.
Uma organização de mídia que soube tratar dos papéis confidenciais. Não despejaram a informação sem filtro ou sem pensar nas consequências, como o WikiLeaks.
Folha – E Obama o perdoaria?
Stephen Walt – É cedo para dizer, mas é improvável. Obama não parece corajoso a esse ponto, ainda que presidentes tomem decisões polêmicas no final de seus governos, quando já não precisam mais ser reeleitos.
Não estou surpreso que Obama não tenha desmontado os sistemas de vigilância do governo Bush. Nunca pensei que ele seria muito progressista. É um centrista. Em alguns sentidos, até aumentou a escala de espionagem e a perseguição a jornalistas.
Folha – Delações como a dos Papéis do Pentágono [documentos secretos sobre a dificuldade da Guerra do Vietnã, vazados em 1971 pelo analista militar Daniel Ellsberg] seriam impensáveis hoje?
Stephen Walt – O governo Obama tem se mostrado muito mais agressivo em processar delatores e correr atrás de jornalistas que deram furos de reportagem, sempre em nome da segurança nacional. Isso não é saudável. Delações sobre abuso de poder de autoridades são necessárias à democracia.
Folha – Ícones da esquerda americana, como a senadora Dianne Feinstein, chamam Snowden de traidor. Por quê?
Stephen Walt – As linhas políticas de quem defende ou ataca Snowden estão embaralhadas, não é democrata versus republicano. Quem acha que os EUA sofrem ameaças graves de terrorismo aceita a perda de liberdades. Quem acha que essas ameaças são um exagero, como eu, defende as liberdades individuais.
O que aprendemos com essa polêmica é que é otimista pensar que o Congresso faça uma supervisão séria desse sistema [de espionagem].
Folha – A América Latina deve esperar sanções dos EUA se asilar Snowden?
Stephen Walt – No último século, os EUA tiveram papel dominante no hemisfério, e países que tentaram desafiá-los sofreram pressões adicionais. Pode ocorrer isso com quem oferecer asilo a Snowden, mas seria algo infeliz piorar nossas relações com a região, contra nossos próprios interesses, por causa de um indivíduo.
Folha – O que o sr. acha da negativa do governo Obama de chamar o golpe militar no Egito de "golpe"?
Stephen Walt – Obviamente houve golpe militar no Egito, mas o melhor que Obama tem a fazer lá é uma "negligência benevolente". Ele não pode chamar de golpe, porque nossas leis o obrigariam a cortar a ajuda militar. Mandamos dinheiro para lá para reter influência, ainda que ela seja limitada.
Se fosse para ajudar mesmo o Egito, os EUA enviariam comida, não ajuda militar.
Folha – Como seria?
Stephen Walt – Os US$ 2 bilhões [R$ 4,47 bilhões] em brinquedos militares para o Exército egípcio poderiam ajudar o povo egípcio, que hoje precisa mais de comida, turismo, luz e água.
Revoluções têm reviravoltas, antes de qualquer estabilidade, da Francesa à Russa. Mesmo a americana --nossa Constituição levaria uma década para ficar pronta depois da independência, com focos de oposição. Certamente os britânicos na época disseram que não estávamos preparados para nos autogovernar.


Raul Juste Lores – 22.07.2013
Stephen Walt – professor de Relações Internacionais e Ex-Diretor acadêmico na Escola de Governo Kennedy da Universidade Harvard



Snowden deserves an immediate presidential pardon

History will probably be kinder to the American than to his pursuers.

Stephen Walt
In his second inaugural address, President Barack Obama called upon “We, the People” to preserve America’s ideals of individual freedom and equality. WhenEdward Snowden disclosed the National Security Agency’s secret surveillance programmes, he was rising to this challenge. Like the nation’s “founding fathers”, he was also defying the usurpations of an increasingly intrusive government. Mr Obama should therefore call off the campaign to apprehend him and offer Mr Snowden a pardon instead.
Mr Snowden stands accused of stealing government property and unauthorised dissemination of classified information. But he did not pass valuable secrets to a foreign government or sell them for personal gain – as convicted spies such as Aldrich Ames or Jonathan Pollard did. On the contrary, he gave up a well-paid job and put his own freedom in jeopardy for a principle.
Mr Snowden’s motives were laudable: he believed fellow citizens should know their government was conducting a secret surveillance programme enormous in scope, poorly supervised and possibly unconstitutional. He was right.
Thanks to Mr Snowden, we now know that officials and private contractors have been collecting vast amounts of information about ordinary Americans and conducting unprecedented levels of spying on US allies. We know key officials lied on Capitol Hill about what the NSA was doing, casting doubt on the quality of Congressional oversight. By going public, Mr Snowden reminded us that secret programmes undertaken in the name of national security are extremely difficult to control.
NSA defenders argue that these programmes only target individuals who might pose a threat. They maintain ordinary citizens whose digital records might be incriminating or embarrassing need not be concerned, because government officials will never examine their data without probable cause and judicial approval.
How naive. Under the veneer of “national security”, government officials can use these vast troves of data to go after anyone, questioning what they were doing, including whistleblowers, investigative journalists or ordinary citizens posting comments on news websites.
Once a secret surveillance system exists, it is only a matter of time before someone abuses it for selfish ends. Richard Nixon kept his own “enemies list” and used the Central Intelligence Agency to spy on American citizens. Former Federal Bureau of Investigation director J Edgar Hoover helped keep himself in office by collecting dirt on officials.
Fear of exposure threatens to stifle the dissent and debate that is essential to healthy democracy. Governments already classify much of what officialdom is doing and selectively leak information to influence public opinion, so citizens must rely on journalists, academics and principled individuals such as Mr Snowden to find out what our “public servants” aren’t telling us. But if critical voices are cowed by the possibility that their personal lives will be revealed, those in power will be harder to monitor and policy errors will go uncorrected.
Pardoning Mr Snowden would surely provoke howls of protest from the intelligence community, which hopes to deter future leakers by making an example of him. But a pardon for him is unlikely to trigger a wave of imitators; how many other insiders would sacrifice their jobs and risk their freedom because Mr Snowden got a reprieve? And if a few did follow suit and exposed government wrongdoing, society as a whole would benefit.
History will probably be kinder to Mr Snowden than to his pursuers, and his name may one day be linked to the other brave men and women – Daniel Ellsberg, Martin Luther King Jr, Mark Felt, Karen Silkwood and so on – whose acts of principled defiance are now widely admired.
Ironically, less august company awaits Mr Snowden should he join the ranks of those whom presidents have spared. Gerald Ford pardoned Richard Nixon, George HW Bush pardoned the officials who conducted the illegal Iran-Contra affair, and Mr Obama has already pardoned several convicted embezzlers and drug dealers. Surely Mr Snowden is as deserving of mercy as these miscreants. Pardoning him would also show that Mr Obama’s rhetorical commitment to “We, the People”, and to open and transparent government, is not just empty words.


Stephen Walt – The writer is a professor of international affairs at Harvard – 08.07.2013