A
bancada conta com 214 deputados e 14 senadores, o equivalente a 41,7% da Câmara
e 17,3% do Senado. (...)
Defendem
o aumento da jornada de trabalho no período da colheita para mais de 10 horas e
ajustes no regime de terceirização de trabalhadores.
José
Coutinho Júnior
A
bancada ruralista, após alterar o Código Florestal para que este correspondesse
aos interesses dos grandes produtores, se organiza agora para outra investida
no Congresso Nacional: a alteração das leis trabalhistas do campo. Segundo
dados da Frente Parlamentar de Agricultura (FPA), a bancada conta com 214
deputados e 14 senadores, o equivalente a 41,7% da Câmara e 17,3% do Senado.
De
acordo com Paulo Márcio Araújo, coordenador técnico da FPA, "a ideia é
discutir a questão trabalhista e buscar formas de estabelecer novas regras, que
contemplem as especificidades do trabalho rural, de forma a garantir a
segurança jurídica para os empregadores e, ao mesmo tempo, preservar e
resguardar os direitos dos trabalhadores dentro do que se estabelece nas
convenções internacionais e dentro do direito brasileiro."
As
alterações sinalizadas pelos ruralistas mostram que a intenção da bancada é
tornar as relações trabalhistas mais precárias.
De um
lado, defendem o aumento da jornada de trabalho no período de colheita – para
mais de 10 horas -, e ajustes no regime de terceirização dos trabalhadores. Ao
tempo que são contrários aos projetos de lei (PLs) que exigem prévia
autorização pela Vigilância Sanitária para o funcionamento de alojamentos
rurais, e o que obriga o empregador a garantir a segurança de seus empregados e
a fornecer equipamento individual, de autoria do deputado Dimas Fabiano (PP-MG)
e da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), respectivamente.
De
acordo com Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), as mudanças
propostas pela bancada em relação ao trabalho fazem parte de “uma guerra
ideológica que se iniciou quando os ruralistas perceberam que a alteração da
lei penal, que define o conceito de trabalho escravo contemporâneo, aprovada em
2003, fez com que os fiscais passassem a adotar a norma e fiscalizar as
condições de trabalho no campo de forma mais intensa”.
Lógica
às avessas
A
principal oposição da bancada, no entanto, ocorre contra a Norma
Regulamentadora 31 (NR31), que contém 252 medidas que exige dos empregadores
uma série de garantias. Dentre outras coisas, condições dignas de saúde,
segurança e transporte aos trabalhadores. Além de alterações na NR31, os
ruralistas também propõem que o poder para elaborar Normas Regulamentadoras
passe do executivo ao legislativo, cabendo ao executivo apenas o papel de
fiscalizá-las.
A
senadora e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
(CNA), Kátia Abreu (PSD-TO), declarou em relação à NR31 que "há muitos
itens que, se retirados, não farão falta nem aos trabalhadores. Mas da forma
como foi elaborada, a NR 31 não foi feita para beneficiar os trabalhadores, mas
para punir o empregador. Com o trabalho, não vamos criticar ninguém. Só
queremos mostrar que é impossível cumprir todas as 252 exigências".
Para
Xavier, os argumentos dos ruralistas de que a NR31 apenas pune o empregador e
não garante benefícios aos trabalhadores rurais não procede, pois os
empregadores participaram da criação da norma.
“Na
época em que a NR foi criada, fez-se uma ampla discussão com todos os setores
envolvidos, inclusive os empregadores. Não é como dizem agora, que ‘quem fez a
lei, não conhece a realidade do campo’, isso é um argumento de má fé gritante.
Se a NR for alterada, seria dramático, pois temos nela parâmetros que dão um
patamar mínimo de cidadania quando se está no meio do mato. Percebemos que os
ruralistas não querem beneficiar o trabalhador, e sim lucrar mais ao tirar a
obrigatoriedade de direitos trabalhistas”, afirma.
Trabalho
precário
Para o
presidente nacional da Comissão dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
(CTB), Wagner Gomes, o trabalho rural de fato tem suas especificidades se
comparado ao trabalho urbano, mas é por esse motivo que a lei, caso seja
alterada, deve acrescentar pontos para proteger ainda mais o trabalhador, e não
flexibilizar os direitos.
“O
trabalho rural é mais penoso, pois os camponeses trabalham nas piores condições
possíveis. Se compararmos um trabalhador rural e um trabalhador urbano com a
mesma idade, o trabalhador rural vai aparentar ter o dobro da idade do
trabalhador urbano. Não precisamos flexibilizar e tirar pontos das leis,
precisamos de leis adicionais para melhorar a vida desses trabalhadores, pois
não é fácil viver e trabalhar no campo”.
Xavier
afirma que um dos fatores principais para as difíceis condições do trabalho no
campo é a informalidade. “O trabalho rural é precarizado porque, mais do que
qualquer outro, é informal. 70% dos trabalhadores rurais estão em condições de
informalidade, e o argumento de que ‘no campo, como o trabalho é sazonal, não
se assina carteira’, é nefasto, pois existem regimes de contratos temporários
garantidos pela lei Nº 5.889/73, que regula o trabalho rural. Nós sabemos que,
na verdade, os que precarizam o trabalho querem é pagar o menos possível a seus
funcionários”, acredita.
Trabalho
escravo
No ano
passado, ocorreu a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438/01,
conhecida como PEC do trabalho escravo, que propõe o confisco de terras nas
quais forem encontrados trabalhadores em condições análogas à escravidão,
destinando-as para a Reforma Agrária. Aprovada na Câmara dos Deputados, o
projeto se encontra parado no Senado, em grande parte por pressão da bancada
ruralista, que exige uma revisão do atual conceito de “trabalho escravo”,
alegando ser muito vago.
O
artigo 149 do Código Penal brasieliro, atualizado em 11/12/2003, define o
trabalho escravo contemporâneo da seguinte forma: “Art. 149. Reduzir alguém a
condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com
o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).”
Segundo
Wagner, “a atualização do conceito de trabalho escravo foi uma briga grande
para poder aprovar, e agora eles querem alterar a definição para ficarem ilesos
quando trabalhadores em condições degradantes forem encontrados nas grandes
propriedades”.
Para
Xavier, a alteração do conceito atual por parte da bancada ruralista seria um
retrocesso. “Até 2003, o juiz que recebia uma denúncia de trabalho escravo,
como a lei não especificava nada, cabia a ele interpretar, e essa
interpretação, na maioria das vezes, estava relacionada apenas ao cerceamento
da liberdade. Complementamos a lei adicionando ao trabalho escravo jornadas
exaustivas e condições degradantes de trabalho. Foi um avanço, pois a nossa
definição é até melhor que a definição da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) sobre trabalho escravo”.
Mobilizações
Para
se contrapor às alterações que a bancada ruralista pretende fazer, as
organizações sociais ligadas ao campo precisam começar a agir e debater o tema.
Para Xavier, muitos sindicatos não estão acompanhando o debate, o que é
problemático.
“Muitos
sindicatos e organizações rurais não estão inteiradas do debate, porque há uma
tentativa da CNA em confundir os agricultores. Basta ver a CNA tentando
abocanhar dinheiro dos sindicatos rurais, para adequá-los a seus sistemas. Essa
propaganda, que visa unificar o campo sob a bandeira de que ‘somos todos
agricultores’, é uma tentativa ideológica de falar em nome da categoria e usar
o pequeno agricultor para defender o grande. A CNA passa a se tornar, aos olhos
de muitos, uma entidade aliada,e isso dificulta mobilizações contra as
alterações”.
De
acordo com Wagner, as entidades que estão a par do debate devem iniciar um
trabalho de mobilização e denúncia da investida ruralista. “Quando os ruralistas
começam a falar em mexer, não é para melhorar a vida dos trabalhadores, e sim
piorar. Se os movimentos sociais e centrais sindicais não se organizarem, eles
vão conseguir realizar as alterações que querem. Do jeito que a coisa está
quieta, sem ninguém debatendo o tema, é desfavorável para nós. Precisamos botar
a boca no trombone e evitar que os ruralistas façam valer seus interesses ao
custo dos trabalhadores”.
José Coutinho Junior – 15.03.2013
Publicado
em 27.03.2013 no Brasil de Fato
IN
Página do MST – http://www.mst.org.br/Novo-alvo-ruralistas-querem-precarizar-legislacao-trabalhista-do-campo