quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Guerra contra a educação


Como nosso barão do café assustou-se com o fato de os alunos não agirem passivamente como gado, sua Secretaria da Educação declarou preparar-se, vejam só vocês, para uma "guerra". Esta guerra envolveria, entre outras coisas, o esforço estatal em reverter o quadro negativo de notícias. Assim, enquanto decide o futuro de centenas de milhares de alunos soberanamente por decreto saído da cabeça de seus tecnocratas, sem sequer enviar seu projeto à Assembleia Estadual, o governo diz que são os alunos que "não querem dialogar". Enquanto manda sua polícia prender alunos, espancar professores e receber adolescentes com spray de pimenta, ele afirma que os manifestantes são violentos. 

Vladimir Safatle
O governador Geraldo Alckmin governa São Paulo como se aqui fosse um imenso cafezal adquirido por herança. Sua lógica não é muito diferente daquela própria aos antigos barões do café que tomavam decisões sobre a província de São Paulo em salões fechados, viam manifestações e greves como crime produzido por "arruaceiros" a quem a única resposta era o porrete da polícia e estavam mais preocupados sobre o que saia nos jornais do que como a população, de fato, recebia suas "medidas administrativas".
O governador pode vestir trajes de barão do café porque é beneficiário da "manemolência midiática" vinda de certos setores da imprensa. Isso significa que seu governo poderá ser julgado em processos no exterior por casos de corrupção no metrô, sua incompetência poderá produzir crises hídricas e racionamentos de água, seu governo poderá criar uma situação educacional classificada por seu próprio secretário da Educação como vergonhosa, mas nada disso se transformará em investigação implacável, como vimos várias vezes quando se trata dos desmandos do governo federal. Como um grande barão, ele irá pairar acima de suas próprias catástrofes.
Neste exato momento, seu governo aprova decretos que lhe permitirão fechar escolas, deslocando alunos para salas superlotadas e eliminando "salas ociosas", resultantes da fuga de professores e alunos do sistema estadual com sua qualidade falimentar. Há anos os profissionais de ensino público procuram denunciar os resultados de uma política que afugenta bons professores devido aos baixos salários, que não garante condições mínimas de ensino em escolas sucateadas, sem bibliotecas e infraestrutura. Ao invés de melhorar o sistema, ouvindo seus professores e alunos, ele resolveu diminui-lo para que ele caiba em um orçamento em queda. Em outros lugares do mundo, os governos lutam para abrir escolas. Aqui, o governo briga para fechá-las.

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Para continuar a leitura, acesse http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2015/12/1714537-guerra-contra-a-educacao.shtml







Vladimir Safatle – Professor de Filosofia da USP – 05.12.2015
In Folha de São Paulo.


terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O labirinto do sistema prisional e os caminhos da CPI


percebe-se que as propostas elencadas [no relatório da CPI do sistema prisional] compõem uma rede que se entrecruza de modo a sempre nos levar ao centro desse labirinto: continua-se acreditando no sistema penal como a única ou a melhor solução para conflitos sociais.

Mariana Lins de Carli Silva
O sistema carcerário brasileiro é insustentável. A superlotação e as condições degradantes das prisões têm gerado certo consenso de que algo precisa ser feito em relação ao cárcere e ao sistema penal como um todo. Mesmo após inúmeros diagnósticos, que cristalizam a ineficácia do sistema penal para o que se propõe oficialmente, seja prevenir novos crimes e/ou ressocializar a pessoa, setores conservadores insistem em caminhos que nos mantêm onde estamos – no labirinto do sistema penal.
Entre as paredes estruturantes desse labirinto – polícia, Judiciário, Legislativo, mídia e cárcere –, percursos que levam à manutenção dessa dinâmica de violação de direitos e gestão da pobreza têm sido priorizados pela política criminal. É nesse contexto que as deliberações e encaminhamentos da recente CPI do Sistema Carcerário se inserem.
A primeira Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário, no âmbito da Câmara dos Deputados, foi instaurada em 2008. Na época, o deputado federal presidente da CPI, Domingos Dutra (PT-MA), concluiu que o sistema prisional se sustenta “na base da tortura física, moral e psicológica”.
Após 7 anos, sem qualquer mudança dos rumos punitivistas para a garantia de direitos, foi instaurada uma nova CPI sobre o tema, cujo objetivo era investigar “o Sistema Carcerário Brasileiro, com ênfase nas crescentes e constantes rebeliões de presos, a superlotação dos presídios, péssimas condições físicas das instalações e os altos custos financeiros de manutenção destes estabelecimentos”. Sob a presidência do deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), integrante da bancada da bala, as conclusões e os encaminhamentos dos trabalhos formam um trajeto tautológico em meio às brutalidades do sistema penal. Vejamos algumas das principais.
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Mariana Lins de Carli Silva – 28.10.2015
IN Revista Forum.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Precisamos de direita no Brasil?


há um ganho quando a direita se envergonha de assumir suas posições. Isso significa que, em algum nível, a sociedade entende que a profunda desigualdade que a atravessa não é justificável. Para um debate ocioso de ideias, pode ser interessante contemplar a ginástica intelectual daqueles que afirmam que a concentração da riqueza é a base da felicidade geral ou que os privilégios são a essência da liberdade. Mas para o debate político, a obrigação de um compromisso – ao menos verbal – com uma sociedade mais justa é que permite sonhar com avanços, inclusive por estabelecer parâmetros para julgar os líderes políticos.


Luis Felipe Miguel
Em excelente artigo publicado no domingo num jornal paulistano, Celso Barros analisa a guinada do PSDB para a direita. Guinada anunciada, na sua interpretação, uma vez que, com o deslocamento do PT na direção do centro, não havia mais espaço para o projeto vagamente social-democrata que animou muitos dos caciques do partido quando de sua fundação. Era inevitável, então, que “algo como o PFL” renascesse dentro do PSDB. O texto, naturalmente, dá espaço a polêmicas. É muito discutível, por exemplo, se havia algo de genuinamente social-democrata mesmo no PSDB original, mesmo no sentido mais diluído de social-democracia. Centrista, sim. Social-democrata? Difícil. É mais razoável dizer que o PT ocupou seu espaço não por se definir pela social-democracia, o que o PT também não fez, mas por adotar o discurso, eminentemente liberal, da “sociedade de oportunidades” que, esse sim, animava o PSDB original.
De toda forma, o artigo é uma análise inspirada e cuidadosa, que merece a leitura de quem deseja entender a política brasileira atual – até mesmo pelas discordâncias que suscita.
O ponto de Celso Barros é que a emergência do PSDB como principal polo da direita política no Brasil deve ser saudada como positiva. Afinal, “o Brasil, como toda democracia moderna, precisa de uma direita viável” – e o PSDB, no papel de “grande civilizador da direita brasileira”, propiciou a emergência desse item de primeira necessidade nas terras tupiniquins. Há, aqui, uma questão de fato e uma questão de valor que julgo necessário colocar em xeque.
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Para continuar a leitura, acesse http://grupo-demode.tumblr.com/








Luis Felipe Miguel – Cientista Político – 17.09.2015
IN Blog Demodê.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Que a Justiça seja feita


Republicanos como Pat Nolan, preso por 25 meses, e democratas concordam, o sistema criminal americano precisa de uma reforma para se tornar menos severo.

Sérgio Lamucci
Num país ultrapolarizado politicamente, propostas para reformar a Justiça criminal conseguiram unir aliados improváveis nos Estados Unidos. Republicanos e Democratas têm buscado agir em conjunto para mudar o sistema, com o objetivo de torna-lo menos severo e mais flexível. A pol´tiica de encarceramento em massa adotada pelos EUIA é combatida hoje por uma parcela expressiva da esquerda e também da direita. No caso da maioridade penal, a tendência no país tem sido a de diminuir a possibilidade de menores serem julgados como adultos.
Na semana passada, Barack Obama foi à prisão de El Reno, em Oklahoma, onde defendeu a redução das penas para criminosos não violentos e a limitação do confinamento em solitárias, na primeira visita a uma penitenciária feita por um presidente americano no exercício do cargo. Já o presidente de Câmara dos Deputados, o republicano John Boehner, endossou o chamado Safe Justice Act, projeto apresentado pelos deputados Jim Sensenbrenner, republicano de Wisconsin, e Bobby Scott, democrata da Virgínia. A proposta prevê várias mudanças na Justiça criminal, como a diminuição de penas obrigatórias para crimes sem violência relacionados a drogas.
Há uma avaliação crescente entre republicanos e democratas de que a Justiça criminal americana é ineficaz, cara e muitas vezes injusta. A população carcerária é muito grande, as sentenças para crimes relativamente leves são muito pesadas e  a taxa de reincidência é muito alta – cerca de 40% de detentos soltos voltam à cadeia dentro de três anos, como destaca Pat Nolan, diretor do Centro para Reforma da Justiça Criminal da American Conservative Union Foundation. Nolan é uma das principais vozes conservadoras a favor de mudanças no sistema criminal americano. “Os EUA exageraram no uso do encarceramento”, afirmou, em entervista ao Valor.
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Sérgio Lamucci – 24.07.2015
IN Valor Econômico, ed. Impressa.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Pedaladas hermenêuticas no pedido de impeachment de Dilma Rousseff


Os golpes no Século XXI não utilizam mais de tanque e baionetas, mas de manipulação de argumentos jurídicos e políticos que querem usurpar o papel da soberania popular na escolha dos governantes.
Espero que não seja o caso do nosso país.

Ricardo Lodi Ribeiro
Com o recebimento, pelo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, do pedido de impeachment da presidente da República Dilma Rousseff, a questão das chamadas pedaladas fiscais, bem como a abertura de créditos suplementares sem autorização legal, entram no olho do furacão da política nacional, como fundamentos do pedido de afastamento da presidente da República por crime de responsabilidade.
Cumpre destacar, inicialmente, que o processo de impeachment em nosso país não deve ser utilizado quando a população se sente insatisfeita com o não cumprimento das promessas eleitorais, como no instituto do recall, previsto em algumas legislações estaduais norte-americanas para revogar mandatos em razão da perda da confiança popular no governante. Disso não se trata. Também não é o processo de impeachment o foro adequado para estabelecer uma catarse contra o estado endêmico de corrupção nacional ou contra a crise econômica que assola o bolso das famílias brasileiras. Tampouco para estabelecer uma reviravolta no comando político da Nação, subvertendo os resultados eleitorais moldados pelo povo. Seu objetivo é apurar a prática comissiva e dolosa de crime de responsabilidade do presidente da República, capaz de justificar o afastamento, pelo Congresso Nacional, do mandatário maior do país, eleito pela maioria absoluta dos eleitores. Afora essas hipóteses, o que teríamos seria um golpe de estado revestido de uma capa jurídica da moralidade seletiva.

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Ricardo Lodi Ribeiro – Advogado e Professor Universitário – 04.12.2015.
IN Consultor Jurídico.


sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O dia a dia da nossa corrupção


É fácil enxergar o que fazem os políticos em Brasília e defender que eles sejam punidos. Eles estão longe, são “aqueles mesmos carinhas lá” que fazem as leis. Difícil e ver quando nós mesmos não seguimos as regras e as leis. Não somos capazes de ver, e quando o fazemos, temos uma boa justificativa, da mesma maneira que as têm os políticos de Brasília. O desafio é identificarmos nossas transgressões e as combatermos.

Alberto Carlos Almeida
O que cidadãos em geral, empresários e alguns políticos gostariam é que a corrupção no Brasil fosse reduzida. Sonhar não custa nada, há aqueles que desejam que ela simplesmente acabe. Nada é mais comum em época de escândalo da Lava-Jato do que estarmos em conversas sociais, em festas de aniversário, eventos, confraternizações, e dialogarmos sobre a corrupção no país. Com rapidez, surgem afirmações do tipo: que absurdo é a política, quanta roubalheira, o Brasil não tem jeito mesmo, a corrupção é deslavada, me sinto envergonhado, pesam sobre todos os políticos escândalos e denúncias de corrupção.
O diálogo social caminha, com muita frequência, para o nome do juiz Sérgio Moro. Ele é elogiado como sendo exemplo de quem colocará o país nos eixos, como a pessoa e o profissional que mudará a história do Brasil, e então as esperanças de mudança são depositadas na Justiça Federal de Curitiba. Há ainda aqueles que, mais informados, consideram que o fatiamento da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) é um grande revés no combate à corrupção. As realizações de Moro são, para essas pessoas, inebriantes: ele é o cara, somente ele será capaz de fazer justiça.
Em tais diálogos sociais é praticamente impossível levantar um tema correlato, aquele que relaciona a corrupção no mundo político aos pequenos e diários atos de corrupção de toda a sociedade brasileira. Vale aqui um parêntese. A palavra corrupção é aplicada neste artigo de maneira ampla, não caracteriza atos relacionados somente ao setor público, mas também ações moralmente correlatas praticadas na vida diária e no setor privado. Pois bem, a grande questão que o Brasil precisa discutir é até que ponto seremos capazes de combater a corrupção em Brasília, nos governos estaduais, nas prefeituras, se toda a sociedade comete constantemente delitos ou tão somente quebras de regas que são funcionalmente idênticas a um ato de corrupção.
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Para continuar a leitura, acesse http://www.valor.com.br/cultura/4271122/o-dia-dia-da-nossa-corrupcao (ou http://avaranda.blogspot.com.br/2015/10/o-dia-dia-da-nossa-corrupcao-alberto.html )





Alberto Carlos Almeida – Sociologo e professor universitário – 16.10.2015
IN Valor Econômico, ed. Impressa (republicado no Blog A varanda).

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Para quem não gosta da 'detestável' matemática


A matemática intimida, desmotiva, cria ansiedades, reforça preconceitos, diminui aspirações, consolida barreiras de gênero e de raça para milhões de crianças e jovens no Brasil, principalmente as que estão nas escolas públicas. Esse hiato cognitivo (e psicosocial) apenas cresce durante a vida escolar de nossas crianças e jovens. De fato, 90% delas concluem o ensino médio sem o aprendizado desejável na matéria.


Flávio Comim
Se você não gostava e tem más lembranças das suas aulas de matemática dos tempos da escola, você não está sozinho. Uma pesquisa feita pelo Instituto TIM/O Círculo da Matemática do Brasil mostrou que 65% dos brasileiros maiores de 25 anos têm lembranças desagradáveis das aulas de matemática da escola. Percentual idêntico disse simplesmente que não gostava e não achava fácil essas aulas. Isso fez com que a matemática fosse eleita por 43% das pessoas como a “matéria mais detestada” da escola. Curioso que 91% das pessoas expressaram a opinião de que o conhecimento da matéria não é decisivo para encontrar um bom trabalho. De modo similar, 89% delas aformaram que não usa a matemática que aprenderam na escola nos problemas do dia-a-dia.
A triste realidade é que vivemos em um país onde as pessoas não apenas não sabem matemática, mas parecem não se importar muito com isso. Seguimos como “zumbis de matemática” levando vidas socialmente e economicamente incompletas. Não é nenhum exagero dizer que o berço da desigualdade social no Brasil hoje é o ensino de matemática. Já no 3º ano do ensino fundamental 57% das crianças de 8-9 anos não tem conhecimento adequado de matemática.
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Flávio Comim – Professor de economia associado da UFRGS e professor visitante da Universidade de Cambridge – 26.10.2015
IN Valor Econômico, ed. impressa.

domingo, 13 de dezembro de 2015

‘Demonização’ do Estado ameaça ganhos sociais, diz presidente do IPEA


Jessé Souza – “Se pensarmos no século XX temos o uso do Estado e de seus recursos para beneficiar a maioria da população brasileira, especialmente as classes populares e trabalhadoras, antes de tudo com Getúlio Vargas e 60 anos depois, com Lula. Houve também Jango que tinha série de questões importantes, mas não houve tempo para que ele pudesse colocar em prática a sua agenda. Pelo contrário: o golpe efetuou um corte muito óbvio nesse tipo de preocupação e o Brasil que passa a ser construído de poiso do Golpe é o Brasil para 20% [da população]. Monta-se uma classe média de padrão americano e europeu, mas para 20%. O Brasil foi um país que teve taxas de crescimento econômico das maiores do mundo no século XX, mas com mudanças que não foram significativas no padrão da desigualdade. Isso comprova que o desenvolvimento econômico não é fator de justiça social. O fator de justiça social é, antes de tudo, a vontade política, e foi isso que aconteceu nos últimos 15 anos”.

Flávia Lima
O cenário político e econômico atual é passageiro. O que coloca realmente em risco o enorme grupo que ascendeu socialmente nos últimos 15 anos são os esforços de "demonização" do Estado, frequentemente visto como corrupto e ineficiente. Essa é a preocupação central de Jessé de Souza, sociólogo que desde o início do ano está à frente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 24º “think tank” ligado a governos mais importante do mundo, segundo ranking anual da Universidade da Pensilvânia.
Cuidadoso ao discorrer sobre o momento atual e buscando sempre separar o papel de acadêmico e de presidente do instituto, Souza ressalta que não houve, no Brasil, nenhuma melhora nas condições das classes populares que não tenha vindo do Estado, o que sugere que as críticas a um possível inchaço estatal servem, na verdade, a uma minoria, que “joga água no moinho do esquecimento e do abandono da maioria, provoca.
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Flávia Lima – 21.10.2015
Jessé Souza – Sociologo, Presidente do IPEA.
IN Valor Econômico, ed. Impressa.


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O Movimento Passe Livre acabou?


Considero que o MPL [Movimento Passe Livre], ao não se pensar como um movimento inserido nas dinâmicas de lutas mais amplas dos trabalhadores e trabalhadoras, foi incapaz de superar seus próprios limites. Pensávamos que estaríamos imunes aos processos de burocratização que ocorrem em mobilizações vitoriosas. Entendo que a potencialidade transformadora de um movimento não é medida pela radicalidade de sua pauta, mas sim pela maneira como a mobilização em torno dela é capaz de produzir novas dinâmicas e experiências de luta. Por isso entendo que ao olhar para o próprio movimento e não para o transporte inserido na dinâmica da luta de classes, o MPL deixou de ser capaz de criar novas estruturas políticas e sociais, chegando ao seu fim. 

Legume Lucas
Após 11 anos de dedicação ininterrupta ao Movimento Passe Livre (MPL) afirmo que o MPL chegou ao seu fim. Parece-me evidente que isso se deu após a maior mobilização da classe trabalhadora no Brasil dos últimos 30 anos. A participação do MPL nas mobilizações ocorridas em junho de 2013 foi fundamental e fruto de anos de trabalho regular na luta por transporte. Entendo que esse processo já foi analisado e está documentado em diferentes textos e entrevistas, por isso não o retomarei nesse texto.
Considero que após realizar sua maior potencialidade ao iniciar o processo que barrou o aumento em mais de 100 cidades no Brasil, o movimento não conseguiu caminhar para a reorganização – nacional e local – necessária para superar seus limites anteriores e, ao sermos incapazes de fazer isso, nos fechamos entre nós mesmos. Analisar o MPL é, necessariamente, olhar para os limites do movimento autônomo, pois ele foi o que de mais avançado existiu na tentativa de organizar um movimento social que se pautasse pela horizontalidade, autonomia e independência. O fim do MPL implica uma revisão de quais práticas pretendemos adotar para continuarmos em luta.
O MPL sempre teve como uma de suas características centrais a crítica à “velha esquerda”, o surgimento do movimento foi fruto de uma heterodoxia na qual ex-militantes leninistas se aproximaram de práticas dos grupos autônomos. Não era uma revisão doutrinária ou de princípios abstratos, mas uma reflexão vinda da experiência concreta de luta. Os agrupamentos partidários viam as demandas por transporte de maneira instrumental, por isso as aparelhavam ou as boicotavam de acordo com as análises de seus comitês centrais. Foi para romper com essas práticas que estabelecemos como princípios a autonomia, a independência, o apartidarismo e a horizontalidade. Princípios esses que foram fundamentais para nosso desenvolvimento, tanto para ser uma referência prática para aqueles que recusavam a organização política por meio de doutrinas, quanto para permitir o aprofundamento da discussão sobre transporte e sua relação com estruturação da cidade.
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Para continuar a leitura, acesse http://www.passapalavra.info/2015/08/105592






Legume Lucas – 04.08.2015
IN Passa Palavra.


segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Golpe cego



Operando no fio da navalha, o PT procura, com enormes dificuldades, reencontrar o prumo. A decisão de apoiar a cassação de Cunha, que precipitou a explosão do deputado carioca, bem como a recusa em defender o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), mostra alguma vida no interior da legenda. Resta ver se haverá força para mudar também a política econômica. Nesse caso, a batalha que se aproxima ganharia algum sentido positivo. 

André Singer
Em gesto irresponsável, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acabou por considerar admissível o pedido de impeachment contra a presidente da República. Uma peça jurídica artificial, manipulada sem escrúpulos, joga agora o centro das decisões nacionais em guerra estéril. Convém afastar as ilusões: não haverá ganho nesta refrega.
Quanto a Cunha, o destino está traçado. Será cassado pelos pares e, depois, esquecido pela história, que não se ocupa de personagens menores. Mas, como homem-bomba, deixa abacaxi e tanto. Já pequena diante dos desafios da crise econômica e da Lava Jato, a política fica mais perdida na cerração provocada pela admissibilidade do impedimento.
Vozes até aqui sensatas da oposição e do mundo jurídico sabem que não há base consistente para a solicitação de impeachment. Repetidas declarações de personagens insuspeitos como Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa atestam a fragilidade da iniciativa. As supostas pedaladas fiscais não passam de operação cotidiana de qualquer Executivo.
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Para continuar a leitura, acesse http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/2015/12/1715352-golpe-cego.shtml




André Singer – Professor de Ciência Política da USP – 05.12.2015
In Folha de São Paulo.


O dia da infâmia

Jamais imaginei que pudéssemos chegar à lama em que o gangsterismo de uns e o oportunismo de outros mergulharam o país. O Brasil passou um ano emparedado entre a chantagem de Eduardo Cunha –que abusa do cargo para escapar ao julgamento de seus delitos– e a hipocrisia da oposição, que vem namorando o golpe desde que perdeu as eleições presidenciais para o PT, pela quarta vez consecutiva.

Fernando Morais
Minha geração testemunhou o que eu acreditava ter sido o episódio mais infame da história do Congresso. Na madrugada de 2 de abril de 1964, o senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República, sob o falso pretexto de que João Goulart teria deixado o país, consumando o golpe que nos levou a 21 anos de ditadura.
Indignado, o polido deputado Tancredo Neves surpreendeu o plenário aos gritos de "Canalha! Canalha!".
No crepúsculo deste 2 de dezembro, um patético descendente dos golpistas de 64 deu início ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A natureza do golpe é a mesma, embora os interesses, no caso os do deputado Eduardo Cunha, sejam ainda mais torpes. E no mesmo plenário onde antes o avô enfrentara o usurpador, o senador Aécio Neves celebrou com os golpistas este segundo Dia da Infâmia.
(...)





Fernando Morais – Jornalista e escritor. É autor, entre outros, dos livros "Chatô, o Rei do Brasil" e "Olga" – 04.12.2015.
In Folha de São Paulo, Tendências e Debates.