segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Golpe cego



Operando no fio da navalha, o PT procura, com enormes dificuldades, reencontrar o prumo. A decisão de apoiar a cassação de Cunha, que precipitou a explosão do deputado carioca, bem como a recusa em defender o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), mostra alguma vida no interior da legenda. Resta ver se haverá força para mudar também a política econômica. Nesse caso, a batalha que se aproxima ganharia algum sentido positivo. 

André Singer
Em gesto irresponsável, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acabou por considerar admissível o pedido de impeachment contra a presidente da República. Uma peça jurídica artificial, manipulada sem escrúpulos, joga agora o centro das decisões nacionais em guerra estéril. Convém afastar as ilusões: não haverá ganho nesta refrega.
Quanto a Cunha, o destino está traçado. Será cassado pelos pares e, depois, esquecido pela história, que não se ocupa de personagens menores. Mas, como homem-bomba, deixa abacaxi e tanto. Já pequena diante dos desafios da crise econômica e da Lava Jato, a política fica mais perdida na cerração provocada pela admissibilidade do impedimento.
Vozes até aqui sensatas da oposição e do mundo jurídico sabem que não há base consistente para a solicitação de impeachment. Repetidas declarações de personagens insuspeitos como Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa atestam a fragilidade da iniciativa. As supostas pedaladas fiscais não passam de operação cotidiana de qualquer Executivo.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/2015/12/1715352-golpe-cego.shtml




André Singer – Professor de Ciência Política da USP – 05.12.2015
In Folha de São Paulo.


O dia da infâmia

Jamais imaginei que pudéssemos chegar à lama em que o gangsterismo de uns e o oportunismo de outros mergulharam o país. O Brasil passou um ano emparedado entre a chantagem de Eduardo Cunha –que abusa do cargo para escapar ao julgamento de seus delitos– e a hipocrisia da oposição, que vem namorando o golpe desde que perdeu as eleições presidenciais para o PT, pela quarta vez consecutiva.

Fernando Morais
Minha geração testemunhou o que eu acreditava ter sido o episódio mais infame da história do Congresso. Na madrugada de 2 de abril de 1964, o senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República, sob o falso pretexto de que João Goulart teria deixado o país, consumando o golpe que nos levou a 21 anos de ditadura.
Indignado, o polido deputado Tancredo Neves surpreendeu o plenário aos gritos de "Canalha! Canalha!".
No crepúsculo deste 2 de dezembro, um patético descendente dos golpistas de 64 deu início ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A natureza do golpe é a mesma, embora os interesses, no caso os do deputado Eduardo Cunha, sejam ainda mais torpes. E no mesmo plenário onde antes o avô enfrentara o usurpador, o senador Aécio Neves celebrou com os golpistas este segundo Dia da Infâmia.
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Fernando Morais – Jornalista e escritor. É autor, entre outros, dos livros "Chatô, o Rei do Brasil" e "Olga" – 04.12.2015.
In Folha de São Paulo, Tendências e Debates.