não é
verdade que todos os atos de corrupção se equivalem. Sim, é errado agradar o
policial ou o atendente, mas montar um "clube" para furtar centenas
de milhões de dólares da Petrobras é coisa muito diferente. Não é apenas uma
questão de tamanho. É uma diferença de concepção. Os pequenos erros morais de
cada dia não estão na mesma lógica do assalto organizado aos cofres públicos.
(...)
Mas
penso que precisamos distinguir o furto do bem privado e o desvio do bem
público. A ideia de que o corrupto é "ladrão", tão pertinaz em nossa
sociedade, se inspira na sua comparação com quem furta indivíduos. Mas as
vítimas do corrupto não são individuais, são a sociedade inteira. Daí que,
talvez, seja mais correto pensar que eles não se limitam a furtar dinheiro (no
caso, público), mas - acima de tudo - impeçam o bom uso desse dinheiro, por
exemplo, em saúde, educação, outros serviços essenciais. Impedem que doentes
sejam salvos, em hospitais que não deixaram existir ou funcionar. Impedem que
crianças e adolescentes sejam educados, em escolas que devido a eles não
existem ou não funcionam. Seu crime é contra a vida, que eles abreviam ou
mutilam. Abreviada, a vida dos que morrem antes da hora. Mutilada, a dos que
vivem mal. Por que não considerar assassinos os corruptos? Pelo menos, no nível
simbólico.
Renato
Janine Ribeiro
Já escrevi aqui sobre a corrupção, porém não gosto
de me repetir, nem de me limitar à indignação. Mas vale a pena, no curso das
operações Lava-Jato e Juízo Final, firmar alguns pontos fundamentais.
Primeiro: "república" é coisa pública,
bem comum. A conduta mais antirrepublicana que há é vulnerar, atacar, destruir
o bem comum. Ou seja, nada é mais inimigo da república do que a corrupção, que
privatiza ilegalmente o que pertence a todos. É um erro, que devemos à escola,
pensar que o contrário da república é a monarquia. Distinguir repúblicas e
monarquias é coisa do século XIX, quando estas últimas eram o que hoje chamamos
de ditaduras.
Desde a vitória dos Aliados na II Guerra Mundial,
quase todas as monarquias são constitucionais. As monarquias escandinavas visam
mais o bem comum do que muitas "repúblicas" do resto do mundo.
Devolvamos à República seu sentido forte: há república quando se visa o bem
comum. Ser contra a república não é questão de opinião, de achar bonito um rei.
É crime, é praticar atos desviando de sua finalidade o viver em comum.
Segundo: na América Latina nos acostumamos ao
patrimonialismo, uma das versões ibéricas do que hoje chamamos corrupção.
Consiste em o governante tratar a coisa pública como se fosse seu patrimônio
privado. Toda confusão do público e do privado, quando favorece o detentor do
poder político, vai dar em patrimonialismo. Por exemplo, se um governante usa
os carros oficiais para transportar familiares (a não ser que haja razões
claras, consensuadas, de segurança para tal). Nossos governadores e presidente,
que moram em palácios e não gastam nem com a comida ou a roupa, dão exemplo
disso. Mas este é só um detalhe.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www.valor.com.br/politica/3790274/corrupcao-assassina#ixzz3K0onKI9q
Renato Janine Ribeiro – Professor
titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo – 24.11.2014
IN Valor Econômico, ed. impressa.