quinta-feira, 9 de abril de 2015

O que é ser de esquerda hoje?


Diferentemente dos saudosos do regime civil-militar, a esquerda que eu conheço, com a qual me identifico e sempre me identificarei, apoia as comissões da verdade, para que as atrocidades não voltem a acontecer. E não, a esquerda que eu conheço não ignora as atrocidades dos regimes comunistas e não milita em sua defesa. Não relativiza os crimes de Stálin nem coloca Fidel Castro entre Cristo e o Império. Ela tem a plena noção do anacronismo de um regime fechado, boicotado e sufocado – e a solidariedade com a população local não a impede de rejeitar os convites para se mudar para lá de mala e cuia. Nem de aceitar a sua ajuda no atendimento básico em nossos rincões desprezados pelos doutores locais. O que não faltam são motivos para ficar.
A esquerda que eu conheço não tem saudade de quando podia trocar migalhas por serviço braçal, e isso confere a ela uma outra diferença básica em relação à direita: ela é menos apegada a alguns imperativos aparentemente inegociáveis. Por exemplo, a maioria deles não quer ser servida por empregados. Não quer enriquecer. Não quer morrer sufocada na mesma empresa. Não quer se enforcar para pagar o carro ou a viagem do ano. Carro, aliás, não é assunto nem fetiche: é um meio. Um meio, se possível, dispensável. Assunto mesmo é espaço público, direito à cidade, humanidade das calçadas. Por isso seus militantes vão às ruas quando o sistema de transporte coletivo falha ou quando ciclistas são atropelados como se fossem papel. Não significa que não gostem de carros nem de viagens nem de bons restaurantes: apenas querem que todos caminhem e que todos se alimentem. Privilégio, para eles, é ofensa, não meta de vida. Segurança não é paranoia para justificar a própria demofobia. Ou a misoginia.

A eleição de 2014 parece ter dado um nó na cabeça de meio mundo. Meio mundo literalmente. Na campanha, o candidato favorito de certa direita – a que faz troça sobre política distributiva e pede a construção de muros para anular desigualdades – tinha como compromisso a manutenção e o aperfeiçoamento dos programas sociais. Derrotada nas urnas, parte dos eleitores, com o calendário de 1963 colado na parede, pediu socorro aos militares e aos EUA – onde, por acaso, o presidente se bateu para universalizar o acesso à saúde pública e é chamado de comunista. Tomou dois sonoros “pedala”.
O nó ficou maior quando a candidata de esquerda recém-reeleita passou a busca no mercado um nome para compor seu Ministério da Fazenda. Ou quando o seu Banco Central, e não o dos adversários, elevou a taxa básica de juros para frear a inflação. A mesma presidenta, ao voltar de férias, teceu elogios ao neoaliado PSD, partido criado por Gilberto Kassab, que já declarou não ser nem de direita nem de esquerda nem de centro nem muito pelo contrário.
Os sinais trocados são amostras de um período que, na melhor das hipóteses, dissolve a narrativa entre progressistas e conservadores, e, na pior, coloca esquerda e direita no mesmo balaio. A sensação é enganosa, e demonstra a urgência de se definir posições para além dos rótulos.
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Matheus Pichonelli - Jornalista e cientista social – 05.11.2014
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