sábado, 28 de novembro de 2015

A política como ela é


quando um partido é governo, comporta­-se de um jeito, e quando é oposição pode vir a fazer justamente o oposto. Isso vale tanto aqui quanto nos Estados Unidos [e no Reino Unido]. Tudo isso faz com que as pessoas fiquem desiludidas pela política. Elas se desiludem em relação ao PT, se desiludem em relação ao PSDB, em relação aos republicanos, democratas, trabalhistas, conservadores, em relação a tudo que tenha a ver com a política. A verdade é que quem se desilude faz isso porque algum dia se iludiu.

Alberto Carlos de Almeida
Otto von Bismarck, o unificador da Alemanha, afirmou que as pessoas não poderiam dormir tranquilas se soubessem como são feitas as salsichas e as leis. A frase sugere algo muito importante e que, na maioria das vezes, é incompreendido por todas as pessoas, inclusive aqueles que não fazem política, mas precisam acompanhá­la de perto por causa da influência que ela exerce em suas vidas. Para fazer leis é preciso fazer política. É melhor que as pessoas não saibam como a política é feita, mas nem sempre isso é possível.
O PT e o PSDB vêm sendo muito criticados ultimamente por causa de suas incoerências. As críticas vêm de dentro dos próprios partidos ou mesmo de intelectuais, economistas e militantes ligados a cada um deles. Recentemente, a Fundação Perseu Abramo lançou um documento crítico à atual política econômica do governo Dilma, no qual afirma que as medidas econômicas implementadas neste ano, de ajuste fiscal, são a causa da recessão e da perda de empregos. Como se sabe, a geração de empregos é umas das mais importantes bandeiras do PT. Lula foi eleito em 2002 com o mote da geração de 10 milhões de empregos. Dilma foi reeleita em 2014 com um dos mais elevados níveis de emprego dos últimos tempos.
O PT não está sozinho nas supostas incoerências. Na semana passada, 50 deputados do PSDB votaram contra o veto da presidente ao projeto que acabava com o fator previdenciário. Seria uma incoerência, uma vez que essa medida foi obra do PSDB, durante o governo Fernando Henrique, e é fundamental para algo sempre defendido pelos tucanos, o equilíbrio fiscal. Não é a primeira vez, neste ano, que o PSBD vota, na Câmara, pela derrubada do fator previdenciário. Em ambos os episódios, no dia seguinte ao da votação, jornais e blogs foram inundados de artigos críticos à atitude do PSBD, a maioria deles escritos por pessoas ligadas ou simpáticas ao partido. Em todos os artigos, o argumento central era que o PSDB estaria jogando fora seu legado e abandonando seus valores.
Bismarck irmana-­se a Maquiavel na compreensão que tiveram da atividade política. Lamentavelmente, a popularização do pensamento de Maquiavel, aliás como quase toda popularização, diminuiu a profundidade de seus ensinamentos. Maquiavélico se tornou um adjetivo negativo: significa fazer o mal, ser dissimulado, falso, entre outras coisas. Quando o pensador italiano é citado pela grande mídia, aparecem citações como: Maquiavel disse que o mal tem de ser feito de uma só vez, e o bem aos poucos, ou ainda, segundo Maquiavel, é melhor ser temido do que amado. De novo, a visão superficial do que ele nos ensina é o que prevalece.
Maquiavel mostra, acima de tudo, que a política tem uma ética própria, que não coincide com a ética cristã. É difícil as pessoas entenderem e aceitarem isso.
(...)






Alberto Carlos Almeida – Cientista Político – 02.10.2015
IN Valor Econômico, ed. Impressa (Republicado no Blog Diálogos Políticos).

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Organizados e com apoio popular, jovens dão lição de democracia em escolas ocupadas


“Está sendo um grande aprendizado de política, democracia e convivência. Conheci várias pessoas que estudam na mesma escola que eu há anos, mas que eu nunca tinha visto. Nós não vamos desocupar. Vamos resistir até que essa proposta seja revista. Precisamos sim de uma reorganização, mas que ela seja discutida com a comunidade escolar e não imposta” [ diz estudante].

Sarah Fernandes
São Paulo – Eram só 10h, mas os alunos da Escola Estadual Ana Rosa Araújo, na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, já tinham realizado muitas atividades. E não estamos falando da resolução de problemas de matemática ou de interpretação de textos. Os jovens já haviam limpado a escola, cozinhado, recebido os pais e realizado uma assembleia para definir os rumos da ocupação do colégio, iniciada na última sexta-feira (13), em protesto contra o fechamento de pelo menos 93 instituições de ensino anunciado pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB). Até o fim da tarde de hoje (18) eram 48 escolas ocupadas no estado contra a medida, que faz parte do projeto de “reorganização” da educação paulista.
“Nós realizamos uma assembleia aqui em frente à escola às 5 horas da sexta-feira, antes do início das aulas, e concordamos que ocupar era nossa única alternativa de conseguir permanecer aqui. Foi o que fizemos”, conta o estudante do primeiro ano do ensino médio na escola José Vinicius Soares. A partir do ano que vem, sua escola passará a oferecer apenas o fundamental II e ele e os amigos terão de migrar para a escola Adolfo Gordo Senador. A transferência será automática, por um sistema informatizado. Os alunos são apenas notificados da mudança.
Desde que ocuparam as escolas, eles se dividiram em comissões, que são responsáveis pela limpeza do local, pelo preparo da comida, pelo contato com a imprensa, pelo controle dos portões e pela organização de atividades culturais. “Já fizemos sessões de cinema ao ar livre, shows, teatros, saraus e leituras de poesias. Esta escola nunca teve tanta vida cultural como agora”, conta José Vinicius, que se mantém em contato com os estudantes de outras ocupações pelas redes sociais, em especial o Facebook e o Whatsapp.
“Está sendo um grande aprendizado de política, democracia e convivência. Conheci várias pessoas que estudam na mesma escola que eu há anos, mas que eu nunca tinha visto. Nós não vamos desocupar. Vamos resistir até que essa proposta seja revista. Precisamos sim de uma reorganização, mas que ela seja discutida com a comunidade escolar e não imposta”, conta a estudante Marissol Dias, também do primeiro ano do ensino médio, sentada atrás de um cartaz feito pelos estudantes, que dizia: “Ordem e progresso é coisa de fascista. Quero liberdade, igualdade e justiça”.
(...)





Sarah Fernandes – Reporter da RBA – 18.11.2015
IN Rede Brasil Atual.



segunda-feira, 23 de novembro de 2015

E se a direita ganhar na Argentina?


MACRI REPRESENTA A DIREITA TRADICIONAL ARGENTINA, COM GURUS ECONÔMICOS NEOLIBERAIS DUROS, COM POLÍTICA DE REPRESSÃO AOS MOVIMENTOS POPULARES, COM TODOS OS TRAÇOS CONSERVADORES NOS SEUS DOIS MANDATOS NA PREFEITURA DE BUENOS AIRES. APESAR DE QUE, QUANDO TINHA GRAVES RISCOS DE PERDER AS ELEIÇÕES NO PRIMEIRO TURNO, ASSUMIU A CONTINUIDADE DE VARIAS AÇÕES DO GOVERNO DE CRISTINA – SEUS PROGRAMAS SOCIAIS, A ESTATIZAÇÃO DE YPF E DE AEROLINEAS ARGENTINAS, ENTRE OUTROS -, OS 20 PONTOS DO SEU PROGRAMA DE GOVERNO COMEÇAM COM UMA FORTE POSTURA DE DIMINUIÇÃO DA AÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA.
  
Emir Sader
A poucos dias do segundo turno das eleições presidenciais na Argentina, não é apenas uma especulação, mas uma possibilidade real que a direita chegue a triunfar. Houve o debate de domingo à noite, ha redefinições de quem votou em outros candidatos, resta a possibilidade de que a intensa atividade militante a favor de Scioli e ainda a eventualidade de um novo erro nas pesquisas.
Mas a possibilidade de que um presidente de direita, duro e puro, como Mauricio Macri, se torne presidente da Argentina é, preocupantemente, uma possibilidade real. O que isso significaria para a Argentina e para a América Latina?
Os atuais presidentes dos países progressistas na região tiveram vitorias com vantagens tranquilas no caso do Uruguai, do Equador e da Bolívia, e com resultados muito estreitos, no caso da Venezuela e do Brasil. Mas desta vez se trata da possibilidade real de uma derrota do candidato apoiado por Cristina Kirchner e que representaria a continuidade dos governos iniciados por Nestor Kirchner e continuados por ela.
Seria a primeira derrota de um governo progressista na região, desde o triunfo de Hugo Chávez em 1998. Seria a quebra da frente de seis governos sul-americanos, que atuam de forma coesa e com programas de governos similares.    
(...)




Emir Sader – Sociólogo – 19.11.2015
IN Brasil 247.






“Os argentinos conseguiram fazer que os políticos tenham medo do povo”


Felipe Pigna – “Acredito que não [que a Argentina não caminha para a adoção de um ajuste como o do Brasil]. Seria muito difícil, porque as pessoas não aceitariam isso. Veja como o próprio candidato da direita se preocupa em dizer que não irá tocar nos programas. Isso é uma vitória da população, uma conquista dos argentinos. Como dizia Maquiavel, a única maneira de levar os políticos a agirem como têm de agir é fazer com que tenham medo do povo”. 

Carlos E. Cué e Alejandro Rebossio
Felipe Pigna (Mercedes, Buenos Aires, 1959) é o historiador mais conhecido da Argentina, com quase 600.000 seguidores no Facebook, graças à sua capacidade de explicar a história de maneira simples e atraente na televisão, com programas que obtém um sucesso gigantesco, como “Algo habrán hecho” [Alguma coisa eles fizeram]. Para Pigna, que apoiou o kirchnerismo, o fator principal que tirou a Argentina da disputa que chegou a ter em certo momento com os Estados Unidos pela primazia no continente é a burguesia de seu país. Ele acredita, também, que agora deverá ocorrer uma virada à direita.
Pergunta. De um ponto de vista histórico, qual é o momento que vive hoje o seu país?
Resposta. Acredito que a Argentina vive um momento muito importante, em que tem de escolher entre duas alternativas: a continuidade com mudanças, que tem relação com a postulação ideológica do candidato mais alinhado com a centro-direita; ou uma volta aos anos 90. Scioli está mais para a centro-direita dentro do peronismo; e o outro é um candidato de direita clássico.
P. O que aconteceu para que a Argentina, que ocupava um lugar de destaque internacional, tenha caído tanto?
R. No final do século XIX, começo do XX, o país era a quinta potência mundial e era visto como um país rico, mas com essa riqueza sendo muito mal distribuída, Isso gerou muitos conflitos sociais, que foram tornando a situação mais complicada. Nossa burguesia é especialmente egoísta, e tinha uma enorme dificuldade para entender que o setor industrial atuava a seu favor. A mentalidade conservadora de 1880 era anti-industrial, diferentemente do que acontecia nos Estados Unidos. Os dois países travavam uma disputa muito acirrada nos anos 80 e 90 do século XIX. Discutiam de igual para igual. A burguesia argentina não soube olhar para o futuro. Depois surgiu o peronismo, que significava um crescimento com inclusão, mas a burguesia não o tolerou. Começou a haver, então, uma fuga de capitais. O peronismo introduziu muitas pessoas ao mundo do consumo, incrementou salários, mas os empresários argentinos, em vez de aumentar a produção, aumentaram os preços das coisas. Escolheram o caminho mais fácil. Temos hoje uma fuga de capitais que se aproxima dos 300 bilhões de dólares. Essa burguesia multimilionária se deu bem quando o país ia bem e se deu bem, também, quando o país ia mal. Tem uma grande capacidade de resistência, um controle muito forte do poder, muito dinheiro, muito poder, que só viu crescer, inclusive nos últimos anos. Não tem se dado nada mal.
(...)





Carlos E. Cué e Alejandro Rebossio – 23.10.2015
Felipe Pigna – Historiador Argentino.
IN El País Brasil.










Na eleição argentina, encruzilhada da América do Sul

Como latino-americano e marxista não posso ser indiferente ante a ameaça que representa um eventual governo de Macri, que se uniria imediamente à Álvaro Uribe, José M. Aznar e seus mentores norte-americanos em sua persistente cruzada para erradicar da face da terra o chavismo, os governos de Evo e Correa e para promover uma “mudança de regime” em Cuba. Quer dizer, para liquidar definitivamente todo rastro de anti-imperialismo na América Latina.
Ninguém genuinamente situado na esquerda política poderia contemplar distraidamente esta possibilidade sem empenhar-se em enfrentá-la com todas as forças. Desgraçadamente, chegado a este ponto, não temos melhores opções que apoiar a FpV para espantar o risco de um mal maior, sabendo, contudo, que se lograrmos triunfar neste empenho teremos a tarefa de imediatamente construir uma verdadeira alternativa política de esquerda — porque o kirchnerismo, com seus acertos, seus erros e suas limitações ideológicas, não é e nem pode ser esta alternativa.

Atílio Boron
O resultado do primeiro turno das eleições presidenciais na Argentina, no dia 25 de outubro, não foi um raio em dia sereno. Um difuso mas penetrante mal estar social já vinha se instalando na sociedade, em meio à crise geral do capitalismo, devido às restrições econômicas impostas à Argentina com o esgotamento do boom das commodities, e à tenaz ofensiva midiática para desestabilizar o governo. Era apenas questão de tempo para que esta situação se expressasse no terreno eleitoral.
Já nas eleições primárias, realizadas em 9 de agosto, havia um sinal de alerta, mas que não foi percebido e nem analisado pelos apoiadores do governo com o rigor requerido pelas circunstâncias. Prevaleceu uma atitude que, para sermos benévolos, poderíamos qualificar como “negacionista”, em que a autocrítica e a possibilidade de fazer correções  estiveram ausentes. As consequências, estamos hoje lamentando.
Me concentrarei, nesta breve análise, em alguns aspectos mais relacionados com a estratégia e a tática de luta política adotada pela Frente para la Victoria – FpV [coalização formada pelo governo da presidente Cristina Kirchner, em torno do candidato Daniel Scioli) nestes últimos meses.
Deixo para outro momento um balanço da experiência kirchnerista em sua integralidade e com suas múltiplas contradições: renda básica paga segundo número de filhos ("asignación universal por hijo") e concentração empresarial; extensão do regime de aposentaria e regressão tributária; desenvolvimento científico e tecnológico (ARSAT I e II – satélites argentinos) e a substituição dos cultivos tradicionais pelo plantio de soja na agricultura; orientação latinoamericanista da política externa e a “estrangeirização” da economia. Já disse coisas a este respeito no passado e não vem ao caso reiterá-las nesta ocasião. Voltarei à este tema em textos futuros, sem a pressão do momento atual.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www.brasildefato.com.br/node/33478





Atílio Boron – Sociólogo argentino – 17.11.2015
IN Brasil de Fato.


sábado, 21 de novembro de 2015

A cobertura das tragédias e a consequente indignação seletiva


Mariana, Síria, Fortaleza, Paris. Qual o papel dos meios na mobilização dos sentimentos de empatia e indignação pelas vítimas de grandes desastres?

Mônica Mourão e Helena Martins
Nos últimos dias, diversas tragédias assolaram o mundo. Aqueles que, como nós, não vivenciaram os acontecimentos diretamente, tomaram conhecimento deles a partir do recorte e da construção midiática dos fatos: dos atentados em Paris, passando pelo crime ambiental em Minas Gerais e a chacina em Fortaleza.
A história se repete: um desastre em algum lugar do mundo gera manifestações de solidariedade, hashtags e avatares nas redes sociais. De imediato, um grupo reage lembrando outros casos de atentados, mortos e desabrigados em lugares em guerra, famílias vivendo em situações insalubres. 
Casos, às vezes, acontecidos em dias muito próximos. “Indignação seletiva!” – acusam de um lado. “Minha indignação não é seletiva!” – respondem de outro. “Somos todos (e todas) Paris, Síria, Mariana, Fortaleza”. Não, não somos. Somos diversos, com diversas experiências e bagagens afetivas e culturais, que influenciam na forma como reagimos a cada tragédia. Parte significativa dessa bagagem, do conhecimento que temos dos lugares, povos e tragédias vem de um lugar comum: os grandes meios de comunicação.
(...)






Mônica Mourão e Helena Martins - Jornalistas e integrantes do Intervozes – 16.11.2015
IN Carta Capital.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Nasser: O Estado Islâmico é muito mais perigoso que a Al-Qaeda


Nasser – “O Estado Islâmico é muito mais perigoso que a Al-Qaeda, porque, além de promover ações como as que ocorreram em Paris, domina um território com 5, 6 milhões de pessoas e age como se fosse um Estado – a estimativa é que tenha de 30 a 35 mil combatentes. Opera como se fosse guerrilha e atua como terrorista. É muito diferente da Al-Qaeda, muito mais perigoso. Lembremos que fez os atentados contra o avião russo e no Líbano e está agindo em várias frentes, porque está sendo atacado também. Está tentando mostrar reação. Se quiser combater, tem que reconhecer que é um grupo poderoso e importante. Não adianta fazer escárnio e achar que é um bando de loucos. É um grupo muito perigoso, muito bem estruturado e tem um poder de atração: três mil europeus aderiram ao EI no ano passado. Nos EUA, em 2014, foram 125 [pessoas que aderiram ao EI], e em 2015, 250. Um dos autores é francês. Então, não adianta vir com essas histórias de que os terroristas vêm de fora[como refugiados]. Alguns podem ter vindo, mas há também cidadãos europeus - o que é mais perigoso ainda".

Anna Beatriz Anjos
Na última sexta-feira (13), atentados terroristas deixaram 129 mortos e 352 feridos em Paris. Segundo autoridades da França, os ataques foram executados por três grupos coordenados, que agiram em seis locais durante a noite. No sábado (14), o Estado Islâmico assumiu a autoria dos ataques, o que gerou reação imediata do governo francês: o presidente François Hollande prometeu travar “combate implacável contra o terrorismo” e o primeiro-ministro Manuel Valls assegurou que a ofensiva militar conduzida pelo país na Síria não cessará.
Para Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), uma resposta militarizada da França no território dominado pelo EI apenas alimentará a espiral de violência, que atinge sobretudo civis de ambos os lados. “Para acabar com esse conflito é preciso secar o EI de recursos. Precisamos saber quem vende armas paras eles, de onde arrecadam dinheiro, para quem vendem petróleo – se você cortar isso, acabou a organização. Ela não vai morrer de um dia para o outro com a bomba salvadora, mas vai definhar”, argumenta. “Fica difícil imaginar que se a França mandar alguns aviões, fizer alguns bombardeios e soltar um míssil vai acabar com o Estado Islâmico – não vai. E, infelizmente, como o EI vai reagir ? Matando inocentes.”
(...)






Reginaldo Nasser – Professor de Relações Internacionais da PUC/SP.
Anna Beatriz Anjos – 15.11.2015
IN Revista Forum. 


terça-feira, 17 de novembro de 2015

O que está em causa


A União Europeia pode estar a mudar no centro mais do que a periferia imagina.

Boaventura Sousa Santos
O fenómeno não é português. É global, embora em cada país assuma uma manifestação específica. Consiste na agressividade inusitada com que a direita enfrenta qualquer desafio à sua dominação, uma agressividade expressa em linguagem abusiva e recurso a tácticas que roçam os limites do jogo democrático: manipulação do medo de modo a eliminar a esperança, falsidades proclamadas como verdades sociológicas, destempero emocional no confronto de ideias, etc., etc. Entendo, por direita, o conjunto das forças sociais, económicas e políticas que se identificam com os desígnios globais do capitalismo neoliberal e com o que isso implica, ao nível das políticas nacionais, em termos de agravamento das desigualdades sociais, da destruição do Estado social, do controlo dos meios de comunicação e do estreitamento da pluralidade do espectro político. Donde vem este radicalismo exercido por políticos e comentadores que até há pouco pareciam moderados, pragmáticos, realistas com ideias ou idealistas sem ilusões?
Estamos a entrar em Portugal na segunda fase da implantação global do neoliberalismo. A nível global, este modelo económico, social e político tem estas características: prioridade da lógica de mercado na regulação não só da economia como da sociedade no seu conjunto; privatização da economia e liberalização do comércio internacional; diabolização do Estado enquanto regulador da economia e promotor de políticas sociais; concentração da regulação económica global em duas instituições multilaterais, ambas dominadas pelo capitalismo euro-norte-americano (o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) em detrimento das agências da ONU que antes supervisionavam a situação global; desregulação dos mercados financeiros; substituição da regulação económica estatal (hard law) pela autoregulação controlada pelas empresas multinacionais (soft law). A partir da queda do Muro de Berlim, este modelo assumiu-se como a única alternativa possível de regulação social e económica. A partir daí, o objectivo foi transformar a dominação em hegemonia, ou seja, fazer com que mesmo os grupos sociais prejudicados por este modelo fossem levados a pensar que era o melhor para eles. E, de facto, este modelo conseguiu nos últimos trinta anos grandes êxitos, um dos quais foi ter sido adoptado na Europa por dois importantes partidos sociais-democratas (o partido trabalhista inglês com Tony Blair e o partido social-democrata alemão com Gerhard Schröder) e ter conseguido dominar a lógica das instituições europeias (Comissão e BCE).
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www.publico.pt/politica/noticia/o-que-esta-em-causa-1712944?page=-1





Boaventura Sousa Santos – Sociólogo português – 01.11.2015
IN Público.pt.

sábado, 14 de novembro de 2015

O vazio traz seus riscos


Maria Hermínia Tavares – “Os politólogos brasileiros se dividem em dois ‘partidos’. Alguns acreditam que, na redemocratização, escolhemos as instituições políticas erradas e elas devem ser reformadas. Outros acham que não há problemas fundamentais com as instituições do presidencialismo de coalizão. Pertenço a esse último ‘partido’. Não creio que nossa crise tenha raízes nas instituições, mas é sempre possível melhorá-las. A discussão sobre regras de financimEntO é importante. Se fossem proibidas as coligações nos pleitos para a Câmara e Assembleias estaduais, haveria uma redução saudável do número de legendas representadas. Nosso sistema político é relativamente aberto à entrada de novos grupos e isso é bom. É bom que Marina Silva possa organizar seu partido, que o PSOL possa existir e que que [Jair]Bolsonaro tenha seu partido. Ninguém tem incentivo para jogar contra o sistema. O presidencialismo de coalizão tem custos altos:  a coordenação da base do governo não dispensa a negociação de cargos, que gera ineficiência. A formação de governos de maioria de um partido é inviável e a porta está aberta para legendas de aluguel. Mas não há evidências de que sistemas com menos partidos estejam mais protegidos. Há estudos clássicos sobre a formação de máquinas partidárias corruptas nos Estados Unidos. A força do nosso sistema é ser aberto à entrada de novas forças, qualidade importante em um país tão vasto, disperso e desigual“.

Diego Viana
Os polos em que se estrutura a disputa política no Brasil desde a redemocratização podem ser abalados como resultado da atual crise política, segundo a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, da Universidade de São Paulo e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). “Seria uma situação inteiramente nova”, afirma.
Se, desde 1994, as eleições nacinais tiveram, de um lado, as ideias liberais dos tucanos e, de outro, o argumento social-democrata do PT, surge um espaço vazio deixado pela erosão do campo petista, desmoralizado por escândalos de corrupção e cujo eleitorado se sente traído. Já o PSDB, tradicionalmente o principal polo aglutinador da oposição, ainda não soube apresentar uma mensagem à altura da situação. Várias de suas lideranças se contantam em dialogar com a parcela da população que tem ido às ruas contra o governo, mas esse contingente não reflete o eleitorado brasileiro, segundo a cientista política. O descompasso pode abrir espaço para forças populistas.
(...)
Para continuar a leitura e ler toda a entrevista, acesse http://www.valor.com.br/cultura/4251920/o-vazio-traz-seus-riscos





Maria Hermínia Tavares de Almeida – Cientista Política professora da USP e pesquisadora do CEBRAP.
Diego Viana – 02.10.2015.
IN Valor Econômico, ed. Impressa.



quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Oceanos estão virando lixões invisíveis


Esgotos, produtos químicos e plásticos contaminam os litorais e reduzem a biodiversidade marinha.

Daniela Chiaretti
Os cientistas ficaram horrorizados ao entrar no chuveiro e encontrar pequenas bolinhas coloridas, de 2 a 3 mm de diâmetro, misturadas ao sabonete líquido oferecido pelo hotel. Era o prenúncio de uma crise no início da conferência sobre poluição nos oceanos promovida pelas Nações Unidas em Montego Bay, na Jamaica, no fim de 2013, e que acontecia no mesmo lugar onde todos os 250 participantes estavam hospedados.
A suspeita dos pesquisadores era de que o sabonete fosse um daqueles produtos de higiene pessoal que vêm com microesferas de plástico. Elas vêm sendo usadas nos últimos 10 anos pelos fabricantes de cremes de barbear, xampus, esfoliantes e outros cosméticos. As estações de tratamento de água não foram projetadas para reter partículas tão pequenas e as bolinhas acabam indo da pia direto para os mares. Plásticos são um grande desastre para os oceanos e ecossistemas costeiros, e quanto menores, pior o estrago. Microesferas plásticas são encontradas em ostras, mariscos e até baleias.

A conferência promovida pelo governo da Jamaica e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) debatia justamente os elos entre as atividades terrestres e seu impacto no mar. O cenário não é animador: esgotos, produtos químicos e plásticos estão transformando as costas em lixões, reduzindo a biodiversidade marinha e aumentando as zonas mortas em todos os oceanos.

"Resíduos plásticos são um problema transfronteiriço clássico", diz estudo do Pnuma. "É possível recuperar uma parte através da limpeza das costas, mas há muito mais em áreas não visíveis do oceano, tanto na superfície como no fundo", continua. "Os oceanos estão sofrendo e as soluções não podem vir de um único país", disse Elizabeth Maruma Mrema, vice-diretora do Departamento de Políticas Ambientais do Pnuma. "Temos que buscar parcerias, dividir as melhores práticas e o setor privado têm que estar a bordo", continuou.

(...)
Para continuar a leitura, acesse – http://www.valor.com.br/ultimas-noticias









Daniela Chiaretti
 - de Montego Bay, Jamaica – 20.01.2014
IN Valor Econômico, ed. impressa. 

domingo, 8 de novembro de 2015

#Primeiro Assédio


Neste país de meio milhão de estupros, parece haver mais preocupação em atacar o nosso incipiente feminismo do que em iluminar as contradições do nosso torpe patriarcalismo. Preocupação, aliás, absolutamente desnecessária, pois luminares da civilização como Cunha, Feliciano e Bolsonaro estão conseguindo reverter, em alguns meses, as poucas conquistas das últimas décadas, logrando preservar, assim, as bases da tradicional família brasileira —estupro incluído.

Antonio Prata
Ninguém sabe ao certo quantas mulheres são estupradas, todos os anos, no Brasil. Segundo o 8° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no fim de 2014, 50.224 ocorrências foram relatadas à polícia em 2013. O problema é que só uma pequena parcela das vítimas desse crime busca a polícia: estudo do Ipea estima que em 2013 aconteceram, na verdade, 527 mil estupros. Também de acordo com o Ipea, 70% das vítimas são crianças e adolescentes. Mais da metade tem menos de 13 anos. Mais de dois terços dos agressores são familiares, amigos ou conhecidos das vítimas.
Um crime de tal forma disseminado em nossa sociedade não se perpetuaria impune e silencioso sem o machismo amplo, geral e irrestrito que reina por estes costados. Eis a razão pela qual, de tempos para cá, muitas mulheres venham advogando tolerância zero com cantadas de rua, assovios e aquela chupada grotesca —"Sfffrrrrrrrr"— de quem tá tentando tirar carne dos dentes sem o auxílio de um fio dental. É evidente que quem assovia para uma mulher não comete ato equiparável ao estupro, mas é o caldo de cultura do "fiu-fiu" que arruma a cama para o abuso do titio —e do padrasto, do pai, do chefe, do serial-encoxador de transporte público, do covarde anônimo num terreno baldio. O estupro é apenas o ato mais extremado nascido da convicção de que qualquer manifestação do desejo masculino deve prevalecer sobre o incômodo (ou horror) que ele possa causar às mulheres.
(...)

Para continuar a leitura, acesse http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2015/11/1701048-primeiroassedio.shtml








Antonio Prata – Cronista e Escritor – 01.11.2015
IN Folha de São Paulo




quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Sincronia e transformação


A sociedade brasileira está sentindo e vivendo o esgotamento completo dos seus dois grandes projetos tradicionais: o liberal e o desenvolvimentista. Por isso mesmo, soam tão velhas, vazias e inóquas as declarações propositivas do governo, tanto quanto as da oposição mais ilustrada. (...)
O Brasil está vivendo um momento e uma oportunidade única de se ‘reinventar’, redefinindo e repactuando seus grandes objetivos e a própria estratégia de construção do seu futuro e de sua inserção internacional, com os olhos postos no século xxI.

José Luís Fiori
José Serra: "Partamos nesse instante para uma ofensiva e não fiquemos na defensiva porque a defensiva será a vitória de fato dessas forças reacionárias que hoje investem contra o povo brasileiro". Pronunciamento ao vivo na Rádio Nacional do RJ, feito na madrugada do dia 1º de abril de 1964. 

Apesar de sua aparente instabilidade, a história política da América do Sul apresenta uma surpreendente regularidade, ou "sincronia pendular". Alguns atribuem ao acaso, outros à conspiração política e a grande maioria, aos ciclos e às crises econômicas. Mas na prática, tudo sempre começa em algum ponto do continente e depois se alastra com a velocidade de um rastilho de pólvora, provocando rupturas e mudanças similares nos seus principais países. Esta convergência já começou na hora da independência e das guerras de unificação dos Estados sul-americanos, mas assumiu uma forma cada vez mais nítida e "pendular", durante o século XX.
Foi assim que na década de 30 se repetiram e multiplicaram por todo o continente as crises e as rupturas de viés autoritário; da mesma forma que na década de 40, quase todo o continente optou simultaneamente pelo sistema democrático que durou até os anos 60 e 70, quando uma sequência de crises e golpes militares instalou os regimes ditatoriais que duraram até os anos 80, quando a América do Sul voltou a se redemocratizar. Mas agora de novo, na segunda década do século, multiplicam-se os sintomas de uma nova ruptura ou inflexão antidemocrática - a exemplo do Paraguai - com o afastamento parlamentar e/ou judicial do presidente eleito democraticamente.
(...)






José Luís Fiori – Professor titular de economia política internacional da UFRJ – 28.09.2015
IN Valor Econômico, ed. Impressa (republicado em Carta Maior).