sábado, 16 de abril de 2016

Golpe ou instrumento legal?

 

Diferentemente do que ocorreu com Collor, o que está em jogo não é o uso de um instrumento constitucional para retirar uma presidente que cometeu um crime.

Felipe Loureiro, Lucia Del Picchia e Fernando Rugitsky
Um dos debates mais acirrados no atual cenário de polarização política é o da natureza do pedido de impeachment contra Dilma Rousseff. Enquanto diversos setores da sociedade, com ou sem identificação com o PT, caracterizam o processo como golpe, grupos da oposição, com apoio da grande mídia e de setores empresariais, argumentam que o impeachment seria um instrumento legal, previsto pela Constituição de 1988. Qual dos lados tem razão?
Para os defensores da legalidade do impedimento, a questão resolve-se por uma mera recorrência à História: se o processo de impeachment de Collor, em 1992, não foi considerado um golpe à época, por que o de Dilma, que se dará em um momento de maior consolidação das nossas instituições democráticas, o seria? A resposta é simples: porque os fatos e a cronologia que sustentam esses dois pedidos de impeachment são completamente distintos. 
O pedido de impedimento contra Collor foi feito em setembro de 1992 pelos presidentes da Organização dos Advogados do Brasil e da Associação Brasileira de Imprensa. A base do pedido foram as conclusões do relatório final da CPI que investigou durante três meses denúncias envolvendo o tesoureiro da campanha presidencial, Paulo César Farias. Assentada em farta documentação, a Comissão concluiu que Collor teria tido gastos pessoais pagos por empresas e contas-fantasmas alimentadas por PC Farias. No total, o esquema PC teria transferido 6,5 milhões de dólares para contas indiretamente vinculadas ao presidente, entre as quais a de sua secretária pessoal, sua mulher e sua mãe, para além de contas da empresa responsável pela reforma do jardim da residência presidencial. 
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Felipe Loureiro - Professor do Instituto de Relações Internacionais da USP;
Lucia Del PicchiaDoutora em Direito pela USP e Procuradora do Município de São Paulo;
Fernando Rugitsky Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP04.04.2016
IN Carta Maior.

 




Se impeachment, então quem?

 

o impeachment de Dilma Rousseff está designado para proteger a corrupção, não para puni-la ou até acabar com ela –o retrato mais característico de uma plutocracia do que de uma democracia madura.
Impeachment é uma ferramenta legítima em todas as democracias, mas é uma medida extrema, que deve ser usada somente em circunstâncias convincentes de que há crimes cometidos pelo presidente da República e quando há provas concretas das ilegalidades. O caso do impedimento de Dilma não responde a nenhum desses dois critérios.

Gllen Greenwald e David Miranda
O fato mais bizarro sobre a crise política no Brasil é também o mais importante: quase todas as figuras políticas de relevância que defendem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff –e aqueles que poderiam assumir o país no caso de um eventual afastamento da mandatária– enfrentam acusações de corrupção bem mais sérias do que as que são dirigidas a ela.
De Michel Temer a Eduardo Cunha, passando pelos tucanos Aécio Neves e Geraldo Alckmin, os adversários mais influentes de Dilma estão envolvidos em chocantes escândalos de corrupção que destruiriam a carreira de qualquer um numa democracia minimamente saudável.
Na verdade, a grande ironia desta crise é que enquanto os maiores partidos políticos do país, inclusive o PT, têm envolvimento em casos de corrupção, a presidenta Dilma é um dos poucos atores políticos com argumentos fortes para estar na Presidência da República e que não está diretamente envolvido em casos de enriquecimento pessoal.
Esses fatos vitais têm alterado radicalmente como a mídia internacional vê a crise política no Brasil. Durante meses, jornalistas norte-americanos e europeus retrataram de forma positiva as manifestações nas ruas, a investigação da Operação Lava Jato e as decisões do juiz federal Sergio Moro.
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Gllen Greenwald – Cofundador do site especializado em reportagens sobre política nacional e externa The Intercept, é vencedor do Prêmio Pulitzer de Jornalismo em 2014 e do Prêmio Esso de 2013;
David Miranda – Jornalista e ativista, é impulsionador do Tratado Snowden, proposta internacional de proteção à informação – 06.04.2016.
IN Folha de São Paulo (Republicado em Substantivo Plural).