A realidade que emerge dos Panama Papers é uma de divisão de classes,
pura e simples. Eles demonstram como uma casta de ricos vive em um mundo
separado em que regras diferentes se aplicam, em que o sistema legal e a
autoridade policial são intensamente torcidos e não apenas protegem os ricos,
mas estão prontos a sistematicamente moldar a lei para acomodá-los. (...)
Há já muitas reações da direita liberal aos Panama Papers que jogam a
culpa nos excessos de nosso Welfare State (ou o que restou dele): afinal, como
há tantos impostos, não é de surpreender que os proprietários tentem deslocar
seus recursos financeiros para lugares com menos taxação, uma “planejamento
tributário” que em última instância não chega a ser ilegal…
Slavoj Žižek
A única coisa verdadeiramente surpreendente do episódio dos “Panama
Papers” é que sua revelação não trouxe nada de surpreendente: não aprendemos exatamente o
que esperávamos aprender? Mas, é claro, uma coisa é saber de forma geral, outra
é ter dados concretos do que se passava. É um pouco como descobrir que seu
parceiro sexual está pulando a cerca – pode-se até aceitar o conhecimento
abstrato do caso, mas a dor surge quando descobrimos os detalhes picantes,
quando vemos as fotos do que estavam fazendo… então agora, com os Panama
Papers, nos revelaram algumas das fotos obscenas da pornografia financeira, e
não podemos mais fingir que não sabemos.
Em 1843, o jovem Marx já alegava que o ancien regime alemão
“supõe apenas que acredita em si e pede a todo mundo para compartilhar a sua
ilusão.” (Crítica da filosofia do direito de Hegel,
p.148) Em uma situação como essa, envergonhar quem está no poder se torna uma
arma – ou, nas palavras de Marx: “A pressão deve ainda tornar-se mais premente
pelo fato de se despertar a consciência dela e a ignomínia tem ainda de
tornar-se mais ignominiosa pelo fato de ser trazida à luz pública”. (p.148). E
essa é exatamente nossa situação hoje: estamos diante do desavergonhado cinismo
da atual ordem global cujos agentes apenas supõem que acreditam nas
suas próprias ideias de democracia, direitos humanos, etc., e através de
ações como as do WikiLeaks e revelações como os Panama Papers, a
vergonha (nossa vergonha de ter tolerado tal opressão sobre nós) torna-se ainda
mais vergonhosa ao ser publicizada.
Uma breve passada de olhos pelos documentos dos Panama Papers revela dois
elementos sobressalientes, um positivo e outro negativo. O positivo é a amplamente
abarcadora solidariedade dos participantes: no mundo das sombras do capital
global, todos são irmãos, o mundo desenvolvido ocidental está lá, incluindo os
incorruptíveis escandinavos, de mãos dadas com Putin e o Presidente Chinês Xi,
Irã e a Coreia do Norte também estão lá, mulçumanos e judeus trocando olhares
amigáveis – é um verdadeiro reino de multiculturalismo onde todos são iguais e
todos são diferentes. O negativo: a dura ausência dos EUA, que dá certo
respaldo às alegações Russas e Chinesas de que haviam interesses políticos
particulares envolvidos na investigação.
(...)
Para continuar a leitura, acesse https://blogdaboitempo.com.br/2016/04/11/zizek-os-panama-papers-e-a-corrupcao-legalizada/
Slavoj Žižek – Filósofo e
Psicanalista – 11.04.2016.
Artigo enviado pelo autor diretamente ao Blog
da Boitempo. A tradução é de Artur Renzo.
IN Blog da Boitempo.