terça-feira, 19 de abril de 2016

Os Panama Papers e a corrupção legalizada

  

A realidade que emerge dos Panama Papers é uma de divisão de classes, pura e simples. Eles demonstram como uma casta de ricos vive em um mundo separado em que regras diferentes se aplicam, em que o sistema legal e a autoridade policial são intensamente torcidos e não apenas protegem os ricos, mas estão prontos a sistematicamente moldar a lei para acomodá-los. (...)
Há já muitas reações da direita liberal aos Panama Papers que jogam a culpa nos excessos de nosso Welfare State (ou o que restou dele): afinal, como há tantos impostos, não é de surpreender que os proprietários tentem deslocar seus recursos financeiros para lugares com menos taxação, uma “planejamento tributário” que em última instância não chega a ser ilegal… 

Slavoj Žižek 
A única coisa verdadeiramente surpreendente do episódio dos “Panama Papers” é que sua revelação não trouxe nada de surpreendente: não aprendemos exatamente o que esperávamos aprender? Mas, é claro, uma coisa é saber de forma geral, outra é ter dados concretos do que se passava. É um pouco como descobrir que seu parceiro sexual está pulando a cerca – pode-se até aceitar o conhecimento abstrato do caso, mas a dor surge quando descobrimos os detalhes picantes, quando vemos as fotos do que estavam fazendo… então agora, com os Panama Papers, nos revelaram algumas das fotos obscenas da pornografia financeira, e não podemos mais fingir que não sabemos.
Em 1843, o jovem Marx já alegava que o ancien regime alemão “supõe apenas que acredita em si e pede a todo mundo para compartilhar a sua ilusão.” (Crítica da filosofia do direito de Hegel, p.148) Em uma situação como essa, envergonhar quem está no poder se torna uma arma – ou, nas palavras de Marx: “A pressão deve ainda tornar-se mais premente pelo fato de se despertar a consciência dela e a ignomínia tem ainda de tornar-se mais ignominiosa pelo fato de ser trazida à luz pública”. (p.148). E essa é exatamente nossa situação hoje: estamos diante do desavergonhado cinismo da atual ordem global cujos agentes apenas supõem que acreditam nas suas próprias ideias de democracia, direitos humanos, etc., e através de ações como as do WikiLeaks e revelações como os Panama Papers, a vergonha (nossa vergonha de ter tolerado tal opressão sobre nós) torna-se ainda mais vergonhosa ao ser publicizada.
Uma breve passada de olhos pelos documentos dos Panama Papers revela dois elementos sobressalientes, um positivo e outro negativo. O positivo é a amplamente abarcadora solidariedade dos participantes: no mundo das sombras do capital global, todos são irmãos, o mundo desenvolvido ocidental está lá, incluindo os incorruptíveis escandinavos, de mãos dadas com Putin e o Presidente Chinês Xi, Irã e a Coreia do Norte também estão lá, mulçumanos e judeus trocando olhares amigáveis – é um verdadeiro reino de multiculturalismo onde todos são iguais e todos são diferentes. O negativo: a dura ausência dos EUA, que dá certo respaldo às alegações Russas e Chinesas de que haviam interesses políticos particulares envolvidos na investigação.
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Slavoj Žižek – Filósofo e Psicanalista – 11.04.2016.
Artigo enviado pelo autor diretamente ao Blog da Boitempo. A tradução é de Artur Renzo.
IN Blog da Boitempo.