quinta-feira, 21 de abril de 2016

O Nó Górdio


a crise expõe de maneira dramática o calcanhar de Aquiles há muitos anos detectável em nossa política: o financiamento de nossas campanhas eleitorais, principalmente as legislativas.
(...)
Damos uma vantagem insuperável a quem conta com financiadores poderosos, num sistema precariamente governável pelos tribunais eleitorais, e fortemente inflacionário pela competição entre centenas de candidaturas individuais.
Só por milagre não produziríamos um jogo cada vez mais corrupto.

Bruno P. W. Reis
A premissa básica de quase toda narrativa ou caracterização da crise corrente é a existência de um monte de políticos corruptos em Brasília. Saída do nada, talvez de alguma propensão atávica, "cultural" dos brasileiros para a malandragem e a vigarice. Se quisermos no entanto nos livrar deste estado de coisas, ou superarmos a corrupção endêmica na retaguarda das campanhas eleitorais, temos de tomá-la não como dado da análise, mas como, ela mesma, o fenômeno a ser explicado. Insistir na tese da "crise moral" é antes sintoma de perplexidade intelectual, e nos condena a eternizar a bagunça. Precisamos endogeneizar a conduta dos políticos, dirá um metodólogo.
Não é difícil fazê-lo. Afinal, a elite política é rotineiramente selecionada em eleições periódicas, e suas características, bem como os traços básicos do quadro partidário, decorrerão das regras das eleições. Desde há uns vinte anos, a ciência política brasileira tem mostrado de maneira persuasiva (a nós e ao mundo todo) que, apesar do nosso hábito da autodepreciação, nosso sistema político era relativamente "normal" na operação do Congresso Nacional, com plenários preditíveis a partir de alinhamentos partidários, maiorias viáveis construídas com os recursos institucionalmente disponíveis para a Presidência da República e uma rede de instituições de controle apta a vigiar a conduta dos protagonistas.
Agora, porém, a formação de uma tempestade perfeita na interação desses atores, com crise política, econômica e investigação criminal incidindo ao mesmo tempo sobre nosso sistema político, tem abalado a fé de muitos na força do diagnóstico predominante. De fato, entendo que a crise expõe de maneira dramática o calcanhar de Aquiles há muitos anos detectável em nossa política: o financiamento de nossas campanhas eleitorais, principalmente as legislativas.
 (...)







Bruno P. W. Reis – Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFMG – 11.04.2016
IN Página do autor no Facebook .