terça-feira, 12 de abril de 2016

O poder moderador de São Paulo na política nacional


depois de perder o poder de que desfrutava na República Velha, a elite paulista se tornou um poder moderador no país. Ela se crê um corpo separado da sociedade, dotado de virtudes únicas e com um direito especial de intervir na vida política quando sente contrariados seus interesses, os quais naturalmente, se confundem com os da nação.
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A dominação hoje não se assenta imediatamente nas Forças Armadas, e se erigiu uma sociedade civil muito mais complexa. O desenvolvimento paulista se interiorizou e integrou as fímbrias de outras regiões. Uma enorme classe média do mundo corporativo, baseada em nova tecnologia de difusão de seus pensamentos mais recônditos, tornou-se muito mais influente do que aquela que saiu às ruas em 1964.

Lincoln Secco
Desde que os escândalos de 2005 jogaram o governo Lula no canto do ringue, cresceu infrene a mobilização dos setores médios contra ele. Mas, apesar do desgosto com a aproximação dos mais pobres aos seus espaços de sociabilidade exclusiva, protestos como o “Cansei” se esvaziaram rapidamente.
Hoje, entretanto, é nítido que o portão do zoológico se abriu, e a subcultura da extrema direita levou a agressões de todo tipo. O líder do MST não pode ir ao aeroporto, e mesmo policiais militares se sentem à vontade para intimidar professores de uma escola de Sorocaba por discutirem publicamente a obra “Vigiar e Punir”, de Foucault. Há ainda os que conseguiram associar a política de mobilidade urbana da Prefeitura de São Paulo a Cuba. Embora seja risível que certas pessoas confundam “ciclista” com “comunista”, não deixa de ser preocupante quando o ovo da serpente se insinua.
É verdade que as manifestações desse tipo são de grupos esdrúxulos e tão pequenos quanto eram os separatistas paulistas em 1932. Na Guerra Civil contra Getúlio Vargas, a elite paulista queria retomar a liderança do país, e não se separar dele. Mas, para mobilizar as classes médias, ela foi obrigada soltar as “feras” e, depois, não havia como recolocá-las na jaula.
Seria, no entanto, muito cômodo achar que o extremismo de direita não compartilha um terreno comum com o liberalismo moderado. Em 1938 lá estavam os próceres do constitucionalismo paulista envolvidos na intentona integralista contra Vargas. Em 1964 participaram das marchas contra João Goulart e, hoje, não enrubescem nas manifestações de ódio contra Dilma Rousseff.
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Lincoln Secco – Historiador, professor livre-docente de história da USP – 04.12.2015
IN Folha de São Paulo (republicado no  site “Vi o Mundo”).