domingo, 3 de abril de 2016

O Brasil perante o abismo


O país está imerso numa profunda degradação institutucional.

Ignácio Cano
América Latina é terra de sociedades desiguais e estados fracos, que arrecadam pouco e enfrentam dificuldades para aplicar o estado de direito. Esse é o cenário propício para o surgimento de caudilhismos que nos salvem periodicamente de nós mesmos. Por isso, qualquer projeto de futuro positivo para a região deveria passar pelo fortalecimento das instituições.
O Brasil, depois de anos de crescimento econômico e inclusão social, está imerso agora numa grave crise econômica e política que ameaça não apenas com o retrocesso desses avanços recentes, mas com uma profunda degradação institucional.
As raízes da crise institucional atual foram geradas ao longo do tempo. Cabe se perguntar, por exemplo, por que a Constituição brasileira deixou uma questão tão delicada como a substituição do chefe do Executivo por conta de uma lei pré-constitucional, de 1950, que emprega termos tão vagos quanto "honra e decoro do cargo", e que agora está sendo interpretada, no meio do turbilhão, pelo Supremo Tribunal Federal.
No processo de polarização crescente que o país vive, a política fica cada vez mais judicializada e a Justiça se politiza, de forma que os limites entre as duas esferas são cada vez mais tênues.
Assim, assistimos há meses à tentativa de derrubada da presidente em função da sua impopularidade, apelando simultaneamente a motivos políticos e a argumentos jurídicos, estes últimos sem maior sustentação. Num regime presidencialista, como o que o Brasil adotou plebiscitariamente, a solução para um governo impopular é a espera por novas eleições. Se irregularidades contábeis, que obviamente devem ser corrigidas de acordo com as determinações do Tribunal de Contas da União (TCU), forem motivo suficiente para derrubar um governo, não haverá mais governo legal nesse país. E se o Governo federal for interrompido dessa forma, nenhum Governo futuro poderá ter sossego, de forma que os caçadores de hoje poderão se tornar caça no dia de amanhã.
(...)




Ignácio Cano – Professor da UERJ, especialista em Segurança Pública – 17.03.2016.
IN El País Brasil.