São crianças que odeiam por identificação aos pais, odeiam porque os
pais odeiam. Xingam porque os pais xingam. Não toleram porque os pais não
toleram. São crianças que, para responderem ao imperativo infantil de se
fazerem amar e admirar por seus pais, odeiam.
(...)
Estamos criando uma geração de apaixonados, e portanto uma geração um
tanto cega. Estamos eliminando o outro como elemento a ser considerado na
ordenação de qualquer gesto humano. Se nenhum desses elementos for suficiente
para reconsiderarmos o que fazemos hoje com a infância, sugiro levar em conta o
que sempre se esquece numa hora dessas, como esquecemos quando estamos
excitados ganhando uma partida de futebol: o outro, a qualquer momento, pode
ser você.
Ilana Katz
Sábado de aleluia. Desci para usar a sala de
ginástica do prédio. Cinco quilômetros depois, olho para a janela que dá vistas
para a piscina e preciso desligar a esteira. Custo a crer no que vejo, mas
vejo. E escuto. Dois irmãos descem para nadar, toalhas de banho, panelinhas,
óculos de natação. E um boneco: o do ex-presidente da república vestido de
presidiário.
Todas as minhas palavras foram embora. Esse pequeno
texto é uma tentativa de reencontrá-las.
Tenho lido um ou outro artigo em blogs e jornais
responsáveis, em que o tema da “politização das crianças” tem sido discutido.
Uma tentativa de alertar aos pais e educadores sobre seu papel fundamental no
exercício da tolerância à diferença, uma vez que as crianças também vivem o
clima de ódio que se instalou no país que habitamos. Não sou a única
impressionada. Ainda bem.
A atmosfera de ódio, no circuito das paixões a que
muitos já tomamos pelo aspecto da torcida de futebol, é sustentada em alguns
dispositivos do mundo adulto. Tudo isso tem cumprido a função de nos fazer crer
que estamos em um grande jogo ou em um seriado de TV. Mas prestem atenção na
analogia: no seriado de TV, o roteiro já está escrito.
O cidadão brasileiro está submetido a propaganda ideológica.
E é sob essa égide que torcemos, comentamos, brigamos. Decidimos, a cada
instante, pelo que é certo ou errado, eliminando toda a complexidade do momento
que atravessamos. Se um dia já fomos 150 milhões de técnicos, que sabíamos como
fazer a seleção brasileira de futebol vencer o resto do mundo, agora somos
todos juízes, usando terminologia pseudo-jurídica como jargão. E para não nos
deixar esquecer um aspecto fundamental do estado das coisas, muitas, mas muitas
pessoas mesmo, usam a camisa da CBF (instituição notoriamente envolvida em
casos de corrupção) para ocupar o espaço público, povoado de apaixonados que
pedem cadeia para os corruptos.
(...)
Para
continuar a leitura, acesse http://blogdaboitempo.com.br/2016/03/31/o-que-os-adultos-fazem-quando-politizam-a-infancia-e-ensinam-as-criancas-a-odiar/
Ilana Katz – Psicanalista, doutora em Psicologia e Educação pela FE/USP, pós-doutoranda
no LATESFIP/USP. Participa do MPASP (Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde
Pública) – 31.03.2016.
IN Blog da Boitempo.