quinta-feira, 7 de abril de 2016

O que os adultos fazem quando politizam a infância e ensinam as crianças a odiar

 

São crianças que odeiam por identificação aos pais, odeiam porque os pais odeiam. Xingam porque os pais xingam. Não toleram porque os pais não toleram. São crianças que, para responderem ao imperativo infantil de se fazerem amar e admirar por seus pais, odeiam.
(...)
Estamos criando uma geração de apaixonados, e portanto uma geração um tanto cega. Estamos eliminando o outro como elemento a ser considerado na ordenação de qualquer gesto humano. Se nenhum desses elementos for suficiente para reconsiderarmos o que fazemos hoje com a infância, sugiro levar em conta o que sempre se esquece numa hora dessas, como esquecemos quando estamos excitados ganhando uma partida de futebol: o outro, a qualquer momento, pode ser você.
  
Ilana Katz
Sábado de aleluia. Desci para usar a sala de ginástica do prédio. Cinco quilômetros depois, olho para a janela que dá vistas para a piscina e preciso desligar a esteira. Custo a crer no que vejo, mas vejo. E escuto. Dois irmãos descem para nadar, toalhas de banho, panelinhas, óculos de natação. E um boneco: o do ex-presidente da república vestido de presidiário.
Todas as minhas palavras foram embora. Esse pequeno texto é uma tentativa de reencontrá-las.
Tenho lido um ou outro artigo em blogs e jornais responsáveis, em que o tema da “politização das crianças” tem sido discutido. Uma tentativa de alertar aos pais e educadores sobre seu papel fundamental no exercício da tolerância à diferença, uma vez que as crianças também vivem o clima de ódio que se instalou no país que habitamos. Não sou a única impressionada. Ainda bem.
A atmosfera de ódio, no circuito das paixões a que muitos já tomamos pelo aspecto da torcida de futebol, é sustentada em alguns dispositivos do mundo adulto. Tudo isso tem cumprido a função de nos fazer crer que estamos em um grande jogo ou em um seriado de TV. Mas prestem atenção na analogia: no seriado de TV, o roteiro já está escrito.
O cidadão brasileiro está submetido a propaganda ideológica. E é sob essa égide que torcemos, comentamos, brigamos. Decidimos, a cada instante, pelo que é certo ou errado, eliminando toda a complexidade do momento que atravessamos. Se um dia já fomos 150 milhões de técnicos, que sabíamos como fazer a seleção brasileira de futebol vencer o resto do mundo, agora somos todos juízes, usando terminologia pseudo-jurídica como jargão. E para não nos deixar esquecer um aspecto fundamental do estado das coisas, muitas, mas muitas pessoas mesmo, usam a camisa da CBF (instituição notoriamente envolvida em casos de corrupção) para ocupar o espaço público, povoado de apaixonados que pedem cadeia para os corruptos.
(...)






Ilana Katz – Psicanalista, doutora em Psicologia e Educação pela FE/USP, pós-doutoranda no LATESFIP/USP. Participa do MPASP (Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública) – 31.03.2016.
IN Blog da Boitempo.