quinta-feira, 30 de junho de 2016

Xadrez dos jogos da Justiça e do MPF



Desde o início da Lava Jato, a teoria do fato definia a existência de uma organização criminosa, chefiada por Lula, distribuida entre o núcleo político, o financeiro e o empresarial. Na verdade, os fatos conhecidos são de uma estrutura de empreiteiras, atuando em obras da União, estados e municípios, e financiando todos os partidos. Bastou uma teoria do fato enviesada para direcionar a investigação.
Esse modelo de atuação explica a perseguição a Lula. E não consegue explicar porque, de repente, aparecem Aécio Neves, José Serra, Aloisio Nunes, Antonio Anastasia, Rodoanel, Cidade Administrativa etc., que não cabiam na teoria do fato inicial. Obviamente houve um viés político na definição da teoria do fato inicial.

Luis Nassif
Primeiro, vamos tentar entender características, particularidades, ambições e limitações dos personagens que atuam no lado jurídico da Lava Jato, começando pelo Ministério Público Federal.
A teoria do fato
Um dos grandes feitos recentes do MPF foi a consolidação de uma técnica de investigação chamada de "teoria do fato" – não confundir com o “domínio do fato”.
Consiste em criar uma narrativa inicial, uma teoria inicial que explique o todo. A sistematização da informação facilita na organização dos fatos em torno de uma narrativa lógica.
Mas para ser eficaz - no sentido de se buscar a verdade – a teoria não pode se sobrepor aos fatos. Na medida em que os fatos vão aparecendo, tem que haver ajustes na teoria.
Esse modelo foi introduzido pelo procurador Douglas Fischer, tornou-se sinônimo de sofisticação na investigação e foi adotado pela primeira vez no "mensalão".
Fischer, aliás, foi o autor da livre adaptação da teoria do domínio do fato para condenar os réus da AP 470 – uma interpretação que provocou a indignação do próprio autor, Claus Roxin.
Na verdade, essa teoria do fato é um método intuitivo adotado por qualquer repórter mais experiente.
(...)






Luis Nassif – Jornalista – 09.06.2016.
IN GGN.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Minha primeira geladeira e por que o Brasil de hoje lembra a Inglaterra dos anos 60


estamos falando de uma sociedade com uma noção muito enraizada de hierarquia, onde, de uma maneira ainda leve e superficial, a ordem social está passando por transformações. Óbvio que isso vai gerar uma reação.
No cenário atual, sobram motivos para protestar. Um Estado ineficiente, um modelo econômico míope sofrendo desgaste, burocracia insana, corrupção generalizada, incentivada por um sistema político onde governabilidade se negocia.
A revolta contra tudo isso se sente na onda de protestos. Mas tem um outro fator muito mais nocivo que inegavelmente também faz parte dos protestos: uma reação contra o progresso popular. Há vozes estridentes incomodadas com o fato de que, agora, tem que dividir certos espaços (aeroportos, faculdades) com pessoas de origem mais humilde. Firme e forte é a mentalidade do: "de que adianta ir a Paris para cruzar com o meu porteiro?".

Tim Vickery
Acho que nasci com alguma parte virada para a lua. Chegar ao mundo na Inglaterra em 1965 foi um golpe e tanto de sorte. Que momento! The Rolling Stones cantavam I Can’t Get no Satisfaction, mas a minha trilha sonora estava mais para uma música do The Who, Anyway, Anyhow, Anywhere.
Na minha infância, nossa família nunca teve carro ou telefone, e lembro a vida sem geladeira, televisão ou máquina de lavar. Mas eram apenas limitações, e não o medo e a pobreza que marcaram o início da vida dos meus pais.
Tive saúde e escolas dignas e de graça, um bairro novo e verde nos arredores de Londres, um apartamento com aluguel a preço popular – tudo fornecido pelo Estado. E tive oportunidades inéditas. Fui o primeiro da minha família a fazer faculdade, uma possibilidade além dos horizontes de gerações anteriores. E não era de graça. Melhor ainda, o Estado me bancava.
Olhando para trás, fica fácil identificar esse período como uma época de ouro. O curioso é que, quando lemos os jornais dessa época, a impressão é outra. Crise aqui, crise lá, turbulência econômica, política e de relações exteriores. Talvez isso revele um pouco a natureza do jornalismo, sempre procurando mazelas. É preciso dar um passo para trás das manchetes para ganhar perspectiva.
Será que, em parte, isso também se aplica ao Brasil de 2015?
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Tim Vickery – Colunista da BBC Brasil – 13.11.2015.
IN BBC Brasil.



sábado, 25 de junho de 2016

Os EUA contra a esquerda: teoria conspiratória?


É tolo pensar que, por trás das crises vividas pelos governos sul-americanos, há apenas o dedo de Washington. Mas é ingênuo desconsiderá-lo, mostra a História.

Franck Gaudichaud
“A todo momento — escreveu em 1959 o jornalista Herbert Matthews — a questão se coloca: se não tivéssemos a America Latina do nosso lado, nossa situação seria dramática. Sem acesso aos produtos e ao mercado latino-americano, os EUA seria reduzidos ao status de potência de segunda classe”. (The New York Times, 26 de abril, 1959). Desta preocupação surge, no início do século XIX, a imagem da região como um “quintal”, que os EUA devem proteger — e submeter — custe o que custar. O projeto, inicialmente, tem o verniz de uma preocupação solidária: em 1823, o presidente James Monroe condena o imperialismo europeu e proclama “a América para os americanos”. Porém, sua doutrina logo transforma-se num instrumento de dominação do Norte sobre o Sul do continente.
Às vezes violento, às vezes discreto, o expansionismo dos EUA na América Latina molda de tal modo a história do continente que diversos intelectuais continuam a ver a mão invisível de Washington por trás de cada obstáculo que faz as forças progressistas da região tropeçarem. Quando procuram os responsáveis por seus problemas domésticos, alguns governos latino-americanos flertam às vezes com teorias conspiratórias. Porém, é preciso notar que o sentimento anti-yankee não caiu do céu no continente de José Marti (1): resulta de mais de 150 anos de ingerência real, de inúmeros golpes e complôs, manifestações de uma vontade de hegemonia que viveu diversas transformações históricas.
Entre 1846 e 1848, o México viu metade de seu território ser anexado pelo seu vizinho ao norte. Entre 1898 e 1934, os militares norte-americanos interviram 26 vezes na América Central: derrubaram presidentes, instalando outros em seu lugar; foi a épcoa do domínio sobre Cuba e Porto Rico (1898); e assumiram o controle do canal interoceânico da antiga província colombiana do Panamá (1903). Abre-se, então, uma fase de imperialismo militar, que seria sucedida pela “diplomacia do dólar” e a captura dos recursos naturais por empresas como a United Fruit Company, fundada em 1899.
A caixa de ferramentas imperiais de Washington não parece necessariamente a um arsenal militar. 
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Franck Gaudichaud – Professor da Universidade de Grenoble-Alpes e vice-presidente da Associação America France-Latina (FAL) – 02.03.2016
Tradução: Cauê Seignemartin Ameni.
IN Outras Palavras.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

As letras da lei


Direitos humanos para humanos direitos? Bandido bom é bandido morto? A advogada Betsy Apple, professora da Universidade Columbia, nunca ouviu essas expressões em suas andanças pelo mundo defendendo Amarildos. “São expressões equivocadas, direitos humanos fortalecem a todos”, diz ela. Como não há uma instituição suprema capaz de julgar as milhares de violações, ela propõe um trabalho interno: “Tudo começa em casa e deve terminar em casa”. Em outras palavras, que cada país garanta uma constituição forte e um judiciário independente.

Juliana Sayuri
Fevereiro de 2015, Carnaval, zika e zica alastrados, prisões abarrotadas, protestos abafados e o vídeo de um garoto de 16 anos sendo decapitado port-mortem em Joinville (SC) – a cabeça rolou no Facebook, mas a política ainda não encontrou o corpo -, difícil pensar que a Declaração Universal de Direitos Humanos, assinada em 1948, valha muito. “Direitos Humanos para humanos dirietos”, alguns gostam de dizer.
“Nunca ouvi essa expressão antes...”, espanta-se Betsy Apple, advogada americana diretora da Open Society Justice Initiative, instituição internacional que trabalha dando apoio jurídico para fortalecer o peso da lei em questões de direitos humanos. “Sinceramento não costumo ouvir pessoas de países periféricos dizendo ‘ah, direitos humanos, quem precisa deles?’ Ao contrário. Elas dizem ‘sim, precisamos, mas estamos tentando descobrir como fazê-los funcionar no mundo real’”, relata Appe, que já investigou ondas de estupros na África e desaiou a lei anti-sodomia na Jamaica. Em 2011, liderou uma campanha jurídica da PNG AIDS-Free World que levou o caso dos gays à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, argumentando que, ao criminalizar a homossexualidade, o governo jamaicano violava direitos humanos. Parece óbvio, mas foi a primeira vez em que a lei anti-sodomia, datada de 1864, foi questionada no país.
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Para continuar a leitura e ler toda a entrevista, acesse http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,as-letras-da-lei,10000015250






Juliana Sayuri – De Nova Iorque – 06.02.2016.
Betsy Apple – Advogada estadunidense diretora da Open Society Justice Initiative.
In O Estado de São Paulo, caderno Aliás.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

As dinastias da Câmara


Um estudo da Universidade de Brasília (UnB) publicado no segundo semestre de 2015 analisou os 983 deputados federais eleitos entre 2002 e 2010 para concluir que, no período, houve um crescimento de 10,7 pontos percentuais no número de deputados herdeiros de famílias de políticos, atingindo 46,6% em 2010 – número próximo aos 44% encontrados pela Transparência Brasil no mesmo ano. Logo após a última disputa eleitoral, a ONG divulgou outro levantamento que concluiu que 49% dos deputados federais eleitos em 2014 tinham pais, avôs, mães, primos, irmãos ou cônjuges com atuação política – o maior índice das quatro últimas eleições.

Étore Medeiros
Conhecida por debates acalorados quando se trata de discussões sobre a “família tradicional”, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara foi cenário de um debate inusitado sobre outros tipos de famílias – as de políticos – no fim de outubro, durante a votação do Projeto de Lei nº 6.217, de 2013. Proposta pelo deputado Esperidião Amin (PP-SC), a iniciativa pretende chamar a BR-101 em Santa Catarina de Rodovia Doutora Zilda Arns, excluindo naquele trecho a homenagem ao ex-governador Mário Covas. O nome do paulista batiza todos os quase 5 mil quilômetros da estrada desde setembro de 2001, seis meses após o falecimento do político.
O clima ficou tenso na CCJ. Ninguém diminuía a importância de Zilda Arns, brasileira indicada ao Prêmio Nobel da Paz em 1999, mas muitos se mostravam incomodados com a retirada do nome de um político de uma obra. Durante as discussões, houve exemplos – críticos ou elogiosos – de pontes no Piauí e em Santa Catarina com dois nomes: cada sentido da via para um cacique local. “Há certamente novas rodovias, novas obras que serão construídas em Santa Catarina e a que, de forma consensual, o nome da Zilda Arns poderia ser definido. Se começarmos a abrir aqui um precedente de ratear uma rodovia, uma estrada, para homenagear vários nomes, vai se criar, além de uma atitude desagradável, até um conflito para quem vai pegar o endereço”, protestou o deputado Mainha (SD-PI).
José de Andrade Maia Filho, o Mainha, é filho de José de Andrade Maia, que foi prefeito de municípios do Piauí e suplente de senador. Em Itainópolis, a herança paterna na prefeitura garantiu a Mainha o início da carreira política, em 1996, quando também se elegeu prefeito do município, aos 22 anos. Mas, justiça seja feita, ele não foi o único membro da CCJ a protestar, o que levou ao adiamento da apreciação do projeto. Deputado mais votado na Paraíba em 2014, aos 25 anos, Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), filho do ex-governador e hoje senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), foi um dos que também se posicionaram contra a medida.
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Étores Medeiros – 06.02.2016.
IN Pública – Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo.


sexta-feira, 17 de junho de 2016

'Desfazer o que Lula fez em política externa não é bom para o Brasil’


David Tothkopf – “Sobre as críticas às políticas do governo de esquerda, a questão é: qual governo? Lula, no auge de sua popularidade, fez mais para aumentar o peso do Brasil no cenário mundial do que qualquer presidente do Brasil, seja por abrir embaixadas e consulados pelo mundo, seu papel de liderança, Celso Amorim e o Itamaraty envolvidos nos assuntos mais importantes e dizendo 'o Brasil é um dos países mais importantes do mundo e temos que ser tratados desta forma'. Aderir à ideia dos Brics foi outro componente disso, a diplomacia Sul-Sul, e também o fato de que as coisas estavam funcionando no Brasil.
Dilma não tinha muito tato para isso, Antonio Patriota era ótimo, mas ela não o empoderou, controlou muito, houve tensões com o Itamaraty. Depois veio Mauro Vieira, que era também muito capaz, mas era muito claro que ela estava com problemas na maior parte do tempo em que ele foi chanceler. De novo, se há um problema interno, isso se transfere para a política externa”.

Luiza Bandeira
As medidas que "desfazem" ações dos governos do PT - como parte da guinada na política externa brasileira proposta pelo novo ministro das Relações Exteriores, José Serra - não são boas para o país, na visão do editor de uma das principais revistas dedicadas a relações internacionais do mundo, a Foreign Policy.
"Se Serra acha que reformar a política externa é desfazer o que o Lula fez, ele não está agindo em nome dos interesses do Brasil", disse à BBC Brasil David Rothkopf, em referência à possibilidade de fechamento de embaixadas abertas em gestões anteriores.
Após assumir o posto de chanceler do governo interino de Michel Temer, Serra criticou o que chamou de "partidarismo" da política externa dos governos do PT e indicou que, além de buscar uma gestão focada em comércio internacional, possivelmente fecharia embaixadas abertas por Lula em países da África e do Caribe.
Para Rothkopf, Lula "fez mais para aumentar o peso do Brasil no cenário mundial do que qualquer presidente do Brasil". Ele também dá crédito ao ex-chanceler Celso Amorim - que chegou a chamar de "provavelmente o melhor chanceler do mundo" em um artigo em 2009 - pelo papel em transformar o país em um ator de peso no cenário internacional.
O CEO e editor da Foreign Policy, no entanto, critica a excessiva complacência do governo com o regime de Hugo Chávez sob Lula e a perda de importância da política externa sob Dilma.
(...)
Para continuar a leitura e ler toda a entrevista, acesse http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36334715?ocid=socialflow_facebook

 

 

 




 

Luiza Bandeira – 20.05.2016.
David Tothkopf – CEO e Editor da Foreign Policy.
IN BBC Brasil.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Pela primeira vez, maioria dos negros está no ensino médio


Apesar do avanço, a população negra ainda está em desvantagem na educação. O índice de 51% de jovens no ensino médio já havia sido alcançado pelos brancos em 2001 (atualmente, 65% estão nessa etapa de ensino).

Fábio Takahashi
Pela primeira vez, a maioria dos jovens negros conseguiu chegar ao ensino médio. Mas ainda em proporção menor do que os brancos -e os dois grupos enfrentam problemas de aprendizagem.
Os dados foram tabulados pelo Instituto Unibanco a partir de bases do IBGE e do Ministério da Educação.
O levantamento considera negros todos os que declaram preta ou parda a cor de sua pele. Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), no ano passado 51% da população de 15 a 17 anos nesse grupo estava no ensino médio. Dez anos antes, esse índice era de 34%.
O fator que mais explica esse avanço, segundo o instituto, é a redução da reprovação e da evasão dos negros no ensino fundamental.
(…)





Fábio Takahashi – 20.11.2015.
In Folha de São Paulo (Republicado em Rede Nossa São Paulo).



Percentual de jovens negros no ensino médio dobra em 13 anos

No total da população de 15 a 17 anos sem estudar, 19% já completaram o ensino médio. Na população branca, esse percentual é de 28%, superior ao verificado entre os negros (15%).

Agência Brasil
Mais da metade dos brasileiros de 15 a 17 anos que se autodeclaram pretos ou pardos estavam no ensino médio (51%) em 2014, segundo levantamento feito pelo Instituto Unibanco com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgada na semana passada. 
Em 2001, esse percentual era de 25%. No mesmo período, a proporção de jovens brancos no ensino médio cresceu 14 pontos percentuais – chegando a 65%.
(…)





Agência Brasil – 20.11.2015.
IN Agência Brasil.

domingo, 12 de junho de 2016

Gênero, número e grau


A subordinação mais profunda opera por meios simbólicos, invisível mesmo para as vítimas. Pierre Bourdieu mostra, em "A Dominação Masculina", como a diferença anatômica entre os sexos é inculcada desde a infância como desnível de capacidades, produzindo sentimento de superioridade nos meninos e de inferioridade nas meninas. São ambos educados para desenvolverem as sensibilidades condizentes. Eles brincam de luta, elas de casinha. Deles se espera que sejam durões, delas, que se mostrem delicadinhas. A hierarquia se naturaliza.
Fugir do roteiro é perigoso.
  
Angela Alonso
É assim desde Adão e Eva, Bentinho e Capitu. No Gênesis, é da mulher o pecado original –provar da árvore do conhecimento–, punido com as dores do parto. O Dom Casmurro, supondo-se traído, mata socialmente a esposa com a pena do exílio. A dominação patriarcal é traço da cristandade em geral e de nossa sociedade em particular. Fundo e duradouro.
O fenômeno causa consternação episódica, quando descamba em violência física extrema, vide o espancamento que converteu Maria da Penha –a homenageada no nome da lei– em paraplégica. E comove conforme o número: uma mulher não basta, é preciso várias, vide episódio no Piauí. A não ser que seja vítima de muitos, como no estupro de uma adolescente por três dezenas de marmanjos.
Casos assim chocam. Mas logo mídia e opinião pública se enfastiam. Sobram as feministas, apenas toleradas e tidas por chatas recalcadas. No cotidiano sem graça, longe das câmeras, volta a toada, que pouco mudou desde os tempos de Machado de Assis: a supremacia física, moral, profissional, financeira dos homens sobre as mulheres.
O noticiário associa a dominação de gênero a pancadões de gente pobre e ignorante. Mas ela não se apega a classes. É transversal. Nos estratos altos se camufla. Entre cultos, ganha licença poética. Puxe pela memória: Roman Polanski, Gerald Thomas, Johnny Depp, Alexandre Frota. O último jamais elaboraria justificativas no nível dos primeiros, mas o ato é o mesmo.
O abuso a lei pune. Mas, na prática, muitos juízes pensam como o primeiro delegado do caso da estuprada por 33. Em vez de inquirir os agressores, perguntou à moça se era adepta de sexo grupal. Sai de cena a violência masculina, entra em pauta a moralidade feminina.
(...)






Angela Alonso – Presidente do Cebrap  e professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo – 05.06.2016.
IN Folha de São Paulo (republicado em IHU Unisinos)


sexta-feira, 10 de junho de 2016

"Escolas sem partido" ou Pensamento Único?


a Escola Sem Partido (ou, melhor dita, Escola de Pensamento Único) é um projeto para silenciar vozes, buscar estabilidades e criar novos espaços de conforto e conformismo social, cultural e intelectual. A instabilidade, o diferente, a emergência incomodam. Discutir as desigualdades sociais, o feminismo, a discriminação sexual, entre outros assuntos, é provocar instabilidades nesse sistema de histórias e pensamentos únicos. Doutrinação ideológica está presente nas escolas desde sempre com seus conteúdos, com seus discursos, com suas relações. O pensar crítico é outro papo.

Pedro Henrique Oliveira Gomes
Para o projeto Escola Sem Partido, discutir feminismo e homofobia é doutrinação ideológica e imposição da ideologia de gênero nas escolasi. Como reflexo da sociedade, as escolas são espaços nos quais a opressão às mulheres e a discriminação sexual são constantes. Na maioria dos casos, as ações e as reações são silenciadas e banalizadas. Será necessário promover tal discussão nas escolas? A seguir, veremos algumas pesquisas sobre o assunto. Certamente, nos mostrarão a urgência da discussão na sociedade e nas escolas.
Segundo dados do Mapa da Violência 2015ii, de Julio Jacobo Waiselfisz, entre 2003 e 2013, o número de vítimas do sexo feminino mortas no Brasil passou de 3.937 para 4.762, incremento de 21,0% na década. As 4.762 mortes em 2013 representam 13 homicídios femininos diários. Quando analisamos os casos de feminicídio, a população negra é vítima prioritária. Em 2014, o Sistema Único de Saúde atendeu 23.630 casos de violência sexual, a maioria envolvendo crianças e adolescentes. Segundo informações presentes no estudo “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”iii, de 2013, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 2006 para combater a violência contra a mulher, não teve impacto no número de mortes por esse tipo de agressão.
Quando o assunto é escola, os dados sobre assédio ou violência contra mulheres estudantes são escassos ou inexistentes, nas secretarias de educação. Já sobre discriminação contra homossexuais os dados são preocupantes. Em pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo, 32% dos homossexuais entrevistados afirmaram sofrer preconceito dentro das salas de aula e também que os educadores ainda não sabem reagir apropriadamente diante das agressões no ambiente escolar, que podem ser físicas ou verbais.iv Os dados, segundo os pesquisadores, convergem com aqueles apresentados em pesquisa do ministério da Educação, que ouviu 8.283 estudantes na faixa etária de 15 a 29 anos, no ano letivo de 2013, em todo o país, e constatou que 20% dos alunos não querem colega de classe homossexual ou transexual.
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Pedro Henrique Oliveira Gomes - Professor-pesquisador na escola Sá Pereira (Rio de Janeiro) e organizador do projeto Cine Debate Educação – 29.05.2016.
IN Outras Palavras.

terça-feira, 7 de junho de 2016

O fim do ciclo progressista?


Na região latino-americana como um todo, dois eventos marcaram positivamente o ano de 2015. Em primeiro lugar, a reintegração de Cuba ao sistema inter-americano, enterrando de vez um dos últimos vestígios da Guerra Fria na América Latina. E não menos importante e significativo do fim daquela ordem, o processo de paz em curso na Colômbia. Não sabemos o que esperar de 2016, mas também, como já dito acima, não podemos concluir com certeza que o ciclo progressista iniciado em 2000 encontrou o seu limite. Os dois eventos acima sugerem que mesmo quando existem fortes restrições sistêmicas há espaço para a agência humana

Maria Regina Soares de Lima e Letícia Pinheiro
Desde os anos 60 a região tem passado por diferentes ciclos político-econômicos e sociais. Nos anos 60 e início dos 70 a América do Sul experimentou o ciclo dos regimes autoritários. Iniciando-se com a Argentina, seguiram-se os golpes no Brasil, Uruguai e Chile. Mas nem todas as democracias sul-americanas sucumbiram aos golpes militares. E nem todos eles foram iguais no grau de repressão e eliminação das instituições políticas existentes.  Os ciclos políticos sugerem a força da indução de agentes sistêmicos, porém as diferenças nos seus efeitos demonstram que estas interagem com as forças domésticas provocando diferentes resultados políticos ou econômicos locais. No final dos 80 e início dos 90 a região conheceu o ciclo das transições para a democracia. Novamente as diferenças entre os casos da Argentina e do Brasil demonstram a interação entre as forcas sistêmicas e as condições domésticas na produção de eventos ligeiramente distintos. No primeiro caso, o processo foi de uma transição por falência do regime autoritário, com a derrota militar na Guerra das Malvinas, ao passo que no brasileiro a transição foi negociada com os atores do antigo regime num caso de transição por transação à moda espanhola.
(...)
Para continuar a leitura e ler toda a entrevista, acesse http://observatorio.iesp.uerj.br/images/pdf/boletim/Boletim_OPSA_n_04_2015.pdf






Maria Regina Soares de Lima e Letícia Pinheiro – Professoras e pesquisadoras de Ciências Sociais – Dezembro de 2015.
IN Boletim OPSA (Observatório Político Sul Americano), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos Universidade do Estado do Rio de Janeiro IESP/UERJ, n. 04.

domingo, 5 de junho de 2016

Apocalipse do jornalismo



Normas e técnicas jornalísticas não são meros enfeitos para códigos ou lições esquecidas nos bancos da escola. São peças essenciais para a sobrevivência da democracia. Na lava-jato, o que deveria motivar uma custosa operação de checagem independente e edição autônoma derivou numa repetição inglória dos piores momentos do jornalismo do passado. A audição generosa e justa do chamado outro lado das denúncias, tanto na apuração de informações como em sua edição, não existiu.
O abuso de reportagens baseadas exclusivamente em fontes mantidas em sigilo tornou-se regra. Vazamentos com objetivo manipulatório foram a tônica. (...)
Não pode haver fracasso maior para quem ao longo dos anos aspirou a se legitimar como instituição pilar de uma jovem democracia. Veículos de mídia cederam ao populismo que inflama os ódios de classe e leva o país a vivenciar mais um golpe contra as instituições.

Mário Vítor Santos
A ruptura institucional em via de ser completada no Brasil é resultado direto da degradação do jornalismo posto em prática por quase todos os meios de comunicação no país. Os cuidados éticos foram sacrificados a tal ponto que o jornalismo promove a derrubada de uma presidente até agora considerada honesta.
Jornalismo deve informar os fatos de pontos de vista diferentes e contrários, encarnar ideias em disputa, canalizar o entrechoque de versões, sublimar antagonismos.
Veículos brasileiros, ao contrário, quase todos em dificuldades financeiras e assediados pelos novos hábitos do público, uniram esforços na defesa de uma ideia única. Compactaram-se em exageros, catastrofismo e idiossincrasias. Agruparam-se de um lado só da balança, fortes para nocautear um governo, mas fracos para manter sua própria razão de existir, a autonomia.
Poderia ser diferente.
(...)






Mário Vítor Santos – Jornalista ex-Ombudsman da Folha de São Paulo – 18.05.2016.
IN Folha de São Paulo.


quinta-feira, 2 de junho de 2016

O que deu errado? Não culpemos as instituições



O que temos hoje é um cabo de guerra entre um governo fragilizado pelo baixo desempenho da economia e pelas denúncias de seu envolviemnto em práticas corruptas e uma oposição desleal, ou seja, aquela que, segundo os manuais de ciÊncia política, não aceitam as regras do jogo. Vejamos.
A origem da crise está na vitória do PT nas eleições de 2014. O país enfrentava sérios problemas econômicos que ameaçavam os ganhos obtidos pela população por mais de uma década. A baixa popularidade do governo expressava o descontentamento com a situação. Além disso, denúncias de um esquema de corrupção na petrobrás, liderado pelo partido do governo, alimentavam as manchetes jornalísticas diariamente.
Ao final do processo, o PSDB, principal partido de oposição, não aceitou a sua quarta derrota na disputa presidencial. (...). 
Nascia daí o objetivo que mais tarde se tornaria claro, o objetivo de não permitir que a presidenta concluísse seu mandato, custe o que custasse.

Argelina Cheibub Figueiredo
A pergunta feita a mim pela Folha não foi por acaso. Sempre argumentei que as instituições representativas e de governo brasileiras – ou seja, o presidencialismo, o federalismo, o sistema proporcional de lista aberta e o multipartidarismo – não constituíam obstáculo para o funcionamento e a mudança de políticas públicas em governos de coalizão.
A centralização decisória estabelecida na Constituição de 1988, com o aumento dos poderes legislativos do Executivo, e o fortalecimento dos líderes partidários inscritos no regimento da Câmara dos Deputados podem funcionar como instrumentos de barganha entre o governo e a sua base parlamentar, resultando em apoio congressual sistemático e na capacidade do governo de aprovar suas propostas legislativas.
Por isso, sempre fui contra mudanças drásticas das nossas instituições representativas e de governo, pois elas garantem o acesso das demandas da população ao centro decisório e mais equilíbrio entre os poderes.
(...)






Argelina Cheibub Figueiredo – Cientista Política, Professora da UERJ – 13.05.2016.
IN Folha de São Paulo.