estamos falando de uma sociedade
com uma noção muito enraizada de hierarquia, onde, de uma maneira ainda leve e
superficial, a ordem social está passando por transformações. Óbvio que isso
vai gerar uma reação.
No cenário atual,
sobram motivos para protestar. Um Estado ineficiente, um modelo econômico míope
sofrendo desgaste, burocracia insana, corrupção generalizada, incentivada por
um sistema político onde governabilidade se negocia.
A revolta contra tudo
isso se sente na onda de protestos. Mas tem um outro fator muito mais nocivo
que inegavelmente também faz parte dos protestos: uma reação contra o progresso
popular. Há vozes estridentes incomodadas com o fato de que, agora, tem que
dividir certos espaços (aeroportos, faculdades) com pessoas de origem mais
humilde. Firme e forte é a mentalidade do: "de que adianta ir a Paris para
cruzar com o meu porteiro?".
Tim
Vickery
Acho que
nasci com alguma parte virada para a lua. Chegar ao mundo na Inglaterra em 1965
foi um golpe e tanto de sorte. Que momento! The Rolling Stones cantavam I Can’t Get no Satisfaction,
mas a minha trilha sonora estava mais para uma música do The Who, Anyway, Anyhow, Anywhere.
Na minha
infância, nossa família nunca teve carro ou telefone, e lembro a vida sem
geladeira, televisão ou máquina de lavar. Mas eram apenas limitações, e não o
medo e a pobreza que marcaram o início da vida dos meus pais.
Tive
saúde e escolas dignas e de graça, um bairro novo e verde nos arredores de
Londres, um apartamento com aluguel a preço popular – tudo fornecido pelo
Estado. E tive oportunidades inéditas. Fui o primeiro da minha família a fazer
faculdade, uma possibilidade além dos horizontes de gerações anteriores. E não
era de graça. Melhor ainda, o Estado me bancava.
Olhando
para trás, fica fácil identificar esse período como uma época de ouro. O
curioso é que, quando lemos os jornais dessa época, a impressão é outra. Crise
aqui, crise lá, turbulência econômica, política e de relações exteriores.
Talvez isso revele um pouco a natureza do jornalismo, sempre procurando
mazelas. É preciso dar um passo para trás das manchetes para ganhar perspectiva.
Será
que, em parte, isso também se aplica ao Brasil de 2015?
(...)
Para
continuar a leitura, acesse http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151110_tim_vickery_geladeira_brasil_rb
Tim
Vickery – Colunista da BBC Brasil – 13.11.2015.
IN BBC Brasil.