quinta-feira, 23 de março de 2017

Crise das humanas enfraquece a democracia



A educação da forma como recomendo ensina habilidades de debate respeitoso que fazem encontros com pessoas de diferentes culturas serem ricos; e também inclui muita aprendizagem sobre religiões e culturas do mundo, desfazendo estereótipos simplistas. Além disso, alimenta a capacidade de se imaginar na posição de outra pessoa. Muito do que se vê hoje é obtusidade dirigida pelo medo e total falta de conhecimento. (...)
Eu não sou contra o ensino de habilidade para o lucro. O primeiro ponto a ser feito é que os líderes de negócios em todo o mundo acreditem que uma cultura empresarial saudável precisa cultivar o pensamento crítico e a imaginação. A inovação é fundamental na economia moderna e nós não temos como obtê-la com o ensino de competências já conhecidos: é preciso incentivar o pensamento arrojado e imaginativo. Outro ponto a ser implementado é que nós não precisamos escolher entre a educação liberal e o foco na técnica. Se seguirmos o sistema que é tradicional na Escócia, EUA e Coreia do Sul, os estudantes escolhem um grande tema e também devem completar uma série de requisitos de educação geral. A lógica por trás disso é que a educação prepara os alunos não apenas para o lucro econômico, mas também para a cidadania e a vida.

  
Grazieli Gotardo
Um manifesto contra a redução das disciplinas humanas da educação, que vêm sendo gradativamente retiradas dos currículos escolares e universitários em detrimento de conteúdos que preparam os alunos apenas para serem economicamente bem-sucedidos. Esse é o alerta do livro Sem fins lucrativos – Por que a democracia precisa das humanidades (Martins Fontes, 2015; 176 p.), de Martha C. Nussbaum, professora emérita de direito e ética da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. O livro defende que é necessário resistir às tentativas de redução do ensino a mera ferramenta do Produto Interno Bruto e que o papel do ensino é proporcionar aos estudantes a capacidade de exercício da cidadania. Nesta entrevista por e-mail, a professora fala um pouco sobre a importância do processo educacional para o pleno exercício da democracia.

Extra Classe – Quando começou o processo de redução das disciplinas de humanas e artes e a priorização do crescimento econômico na educação?
Martha C. Nussbaum  O ataque às humanidades e a preferência por disciplinas mais úteis ao lucro é muito antiga. John Stuart Mill, por exemplo, Reitor da Universidade de St. Andrew, em 1867, descreveu o ensino superior na Grã-Bretanha como um modelo baseado no lucro e argumentou que o sistema tradicional escocês, estruturado nas artes e humanidades, era muito superior. E, claro, mesmo quando as artes liberais foram favorecidas, era apenas para uma elite privilegiada. Foi somente depois da Segunda Guerra Mundial, em que uma lei nos EUA passou a oferecer educação universitária a todos os veteranos, que a ideia de que todos os cidadãos devem ter uma educação em artes tornou-se popular. Mas o ímpeto de deixar a educação superior com uma visão mais estreita ganhou impulso mesmo após a crise econômica de 2008.
(...)




Martha C. Nussbaum – Professora emérita de direito e ética da Universidade de Chicago – Sem data.
Grazieli Gotardo – Entrevistadora.

IN Extraclasse.