Elizabeth Loftus –
“Todos os dias, nos Estados Unidos, centenas de pessoas viram réus em ações
penais após ser identificadas por testemunhas entre uma fileira de pessoas ou
algumas fotos. Milhares de estudos têm demonstrado que certas condições
aumentam as chances de alguém ser identificado por equívoco (Wells, Memon &
Penrod, 2006). Mesmo militares altamente treinados podem ser induzidos, a
partir de sugestões, a identificar equivocadamente uma pessoa que os interrogou
30 minutos antes, de forma agressiva (Morgan et al, 2013). Alguns fatores nós
temos que simplesmente aceitar, pois o sistema judicial não pode mudá-los – por
exemplo, a relativa falta de confiabilidade de identificações interraciais. No
entanto, o sistema judicial pode alterar outros fatores, como as instruções que
são dadas às testemunhas antes de um reconhecimento pessoal entre vários
suspeitos.
Preocupado com o crescente número de casos com condenações equivocadas
baseadas em falsas memórias, o Departamento de Justiça Norte-Americano
lançou um guia nacional de coleta e preservação de evidências testemunhais
(Technical Working Group for Eyewitness Evidence, 1999)”.
Carlo Velho Masi
Memória é a aquisição (recordação, lembrança,
recuperação), a formação, a conservação e a evocação de informações. O acervo
das memórias de cada um é o que nos converte em indivíduos (IZQUIERDO, 2002), é
o que constitui nossa identidade e possibilita nossa comunicação. A memória
está na origem de todo o ato cognitivo.
As memórias humanas são feitas, armazenadas e
evocadas por redes de células nervosas (neurônios), sendo, portanto, moduláveis
pelas emoções, pelo nível de consciência e pelos estados de ânimo. Elas podem
ser de curto ou de longo prazo[1]. A memória é maleável, seletiva e mutável.
O estudo da memória só adquiriu maior relevância
científica a partir do início do séc. XX, quando se iniciam estudos empíricos
com listas de palavras vinculadas a associações cerebrais. Apenas na década de
90, os experimentos começaram a ser direcionados para a recuperação de memórias
de fatos traumáticos, o que passou a repercutir não só no meio científico.
Rapidamente, os pesquisadores passaram a se interessar pela inexatidão da
memória e pelos motivos pelos quais ocorreriam distorções nas recordações[2].
Essas pesquisas direcionaram-se àquelas
circunstâncias em que pessoas normais passam a lembrar de fatos específicos que
nunca ocorreram em suas vidas, ou ocorreram de forma distinta, como se
efetivamente tivessem ocorrido. Não se tratam, portanto, de mentiras ou
fantasias das pessoas, mas de informações ou eventos que não ocorreram na
realidade, mas foram introjetados como se tivessem ocorrido.
A mentira é algo deliberado, um ato consciente.
De outra banda, a falsa memória é algo espontâneo, que o agente crê
honestamente lembrar. Ao contrário do que possa parecer, falsas memórias são
fruto de um funcionamento absolutamente normal, e não patológico, da memória
humana.
Para o Direito, que ainda se baseia muito na
prova testemunhal, ou seja, na memória de pessoas, o tema adquire especial
relevância na identificação de suspeitos e na reconstituição de acontecimentos,
sobretudo porque nem sempre é possível produzir uma prova científica para o uso
em processos judiciais. No Brasil, especificamente, ainda existe um sério
déficit nas investigações de fatos delitivos, que resultam na baixa qualidade
das provas técnicas produzidas, remetendo a reconstituição fática quase que
exclusivamente às palavras de determinadas pessoas. Por esse motivo, o estudo
da neurociência e da psicologia cognitiva assume um papel fundamental.
(…)
É preciso ter em conta que a narrativa de uma
testemunha pode ter sido sugestionada ou induzida, e certamente sofreu com o
transcurso do tempo, de maneira que deve ser bem investigada para aferir sua
real credibilidade. Quando uma história é contada por terceiros, como
terapeutas, policiais, juízes, promotores ou advogados, a tendência é
incorporar detalhes sensoriais para ajudar a distinguir entre as memórias
verdadeiras e aquelas advindas da imaginação. Esses detalhes são usados
falsamente como informações de que o relato seria baseado em memórias
autênticas. Entretanto, os estudos de LOFTUS (2003) demonstram que falsas
memórias são muito convincentes, justamente porque podem ser muito detalhadas e
afirmadas pela pessoa com segurança e emoção.
LOFTUS (1996) explica que o surgimento de falsas
memórias está intimamente atrelado ao tempo. Quando a memória original começa a
desaparecer, a infiltração de falsas memórias é maior. Uma desinformação ou
informações equivocadas que podem complementar, contaminar ou distorcer a
memória. Falsas informações são utilizadas naturalmente não apenas através de
diálogos com perguntas sugestivas, mas também quando falamos com alguém que
(conscientemente ou inadvertidamente) apresenta uma versão equivocada de um
evento passado. Uma vez instalada a falsa memória, a pessoa torna-se
extremamente confiante naquilo que acredita ter vivenciado. Isso ocorre em
reconhecimentos, quando a vítima afirma categoricamente que aquele foi o autor
do delito, quando em realidade o que ela guarda em sua memória original não
seria suficiente para tanto.
(...)
Para continuar a leitura – e ler toda a entrevista com
a pesquisadora Elizabeth L. Loftus – , acesse http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/falsas-memorias-no-processo-penal-parte-1/ (a entrevista está dividida em 6 partes)
Carlo Velho Masi – Advogado criminalista, mestre em Ciências Criminais - 28.05.2015.
Elizabeth L. Loftus – Ph.D. em Psicologia pela Universidade de Standford (Califórnia, EUA),
Professora do Departamento de Psicologia e Comportamento Social na Universidade
de Irvine (Califórnia, EUA).
IN Canal Ciências Criminais.