terça-feira, 21 de março de 2017

Falsas memórias e identificação de testemunhas (Entrevista com Elizabeth F. Loftus)


Elizabeth Loftus – “Todos os dias, nos Estados Unidos, centenas de pessoas viram réus em ações penais após ser identificadas por testemunhas entre uma fileira de pessoas ou algumas fotos. Milhares de estudos têm demonstrado que certas condições aumentam as chances de alguém ser identificado por equívoco (Wells, Memon & Penrod, 2006). Mesmo militares altamente treinados podem ser induzidos, a partir de sugestões, a identificar equivocadamente uma pessoa que os interrogou 30 minutos antes, de forma agressiva (Morgan et al, 2013). Alguns fatores nós temos que simplesmente aceitar, pois o sistema judicial não pode mudá-los – por exemplo, a relativa falta de confiabilidade de identificações interraciais. No entanto, o sistema judicial pode alterar outros fatores, como as instruções que são dadas às testemunhas antes de um reconhecimento pessoal entre vários suspeitos.
Preocupado com o crescente número de casos com condenações equivocadas baseadas em falsas memórias, o Departamento de Justiça Norte-Americano lançou um guia nacional de coleta e preservação de evidências testemunhais (Technical Working Group for Eyewitness Evidence, 1999)”.

Carlo Velho Masi
Memória é a aquisição (recordação, lembrança, recuperação), a formação, a conservação e a evocação de informações. O acervo das memórias de cada um é o que nos converte em indivíduos (IZQUIERDO, 2002), é o que constitui nossa identidade e possibilita nossa comunicação. A memória está na origem de todo o ato cognitivo.
As memórias humanas são feitas, armazenadas e evocadas por redes de células nervosas (neurônios), sendo, portanto, moduláveis pelas emoções, pelo nível de consciência e pelos estados de ânimo. Elas podem ser de curto ou de longo prazo[1]. A memória é maleável, seletiva e mutável.
O estudo da memória só adquiriu maior relevância científica a partir do início do séc. XX, quando se iniciam estudos empíricos com listas de palavras vinculadas a associações cerebrais. Apenas na década de 90, os experimentos começaram a ser direcionados para a recuperação de memórias de fatos traumáticos, o que passou a repercutir não só no meio científico. Rapidamente, os pesquisadores passaram a se interessar pela inexatidão da memória e pelos motivos pelos quais ocorreriam distorções nas recordações[2].
Essas pesquisas direcionaram-se àquelas circunstâncias em que pessoas normais passam a lembrar de fatos específicos que nunca ocorreram em suas vidas, ou ocorreram de forma distinta, como se efetivamente tivessem ocorrido. Não se tratam, portanto, de mentiras ou fantasias das pessoas, mas de informações ou eventos que não ocorreram na realidade, mas foram introjetados como se tivessem ocorrido.
A mentira é algo deliberado, um ato consciente. De outra banda, a falsa memória é algo espontâneo, que o agente crê honestamente lembrar. Ao contrário do que possa parecer, falsas memórias são fruto de um funcionamento absolutamente normal, e não patológico, da memória humana.
Para o Direito, que ainda se baseia muito na prova testemunhal, ou seja, na memória de pessoas, o tema adquire especial relevância na identificação de suspeitos e na reconstituição de acontecimentos, sobretudo porque nem sempre é possível produzir uma prova científica para o uso em processos judiciais. No Brasil, especificamente, ainda existe um sério déficit nas investigações de fatos delitivos, que resultam na baixa qualidade das provas técnicas produzidas, remetendo a reconstituição fática quase que exclusivamente às palavras de determinadas pessoas. Por esse motivo, o estudo da neurociência e da psicologia cognitiva assume um papel fundamental. 
(…)
É preciso ter em conta que a narrativa de uma testemunha pode ter sido sugestionada ou induzida, e certamente sofreu com o transcurso do tempo, de maneira que deve ser bem investigada para aferir sua real credibilidade. Quando uma história é contada por terceiros, como terapeutas, policiais, juízes, promotores ou advogados, a tendência é incorporar detalhes sensoriais para ajudar a distinguir entre as memórias verdadeiras e aquelas advindas da imaginação. Esses detalhes são usados falsamente como informações de que o relato seria baseado em memórias autênticas. Entretanto, os estudos de LOFTUS (2003) demonstram que falsas memórias são muito convincentes, justamente porque podem ser muito detalhadas e afirmadas pela pessoa com segurança e emoção.
LOFTUS (1996) explica que o surgimento de falsas memórias está intimamente atrelado ao tempo. Quando a memória original começa a desaparecer, a infiltração de falsas memórias é maior. Uma desinformação ou informações equivocadas que podem complementar, contaminar ou distorcer a memória. Falsas informações são utilizadas naturalmente não apenas através de diálogos com perguntas sugestivas, mas também quando falamos com alguém que (conscientemente ou inadvertidamente) apresenta uma versão equivocada de um evento passado. Uma vez instalada a falsa memória, a pessoa torna-se extremamente confiante naquilo que acredita ter vivenciado. Isso ocorre em reconhecimentos, quando a vítima afirma categoricamente que aquele foi o autor do delito, quando em realidade o que ela guarda em sua memória original não seria suficiente para tanto.
(...)
Para continuar a leitura – e ler toda a entrevista com a pesquisadora Elizabeth L. Loftus – , acesse http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/falsas-memorias-no-processo-penal-parte-1/ (a entrevista está dividida em 6 partes)







Carlo Velho Masi – Advogado criminalista, mestre em Ciências Criminais - 28.05.2015.
Elizabeth L. Loftus – Ph.D. em Psicologia pela Universidade de Standford (Califórnia, EUA), Professora do Departamento de Psicologia e Comportamento Social na Universidade de Irvine (Califórnia, EUA).
IN Canal Ciências Criminais.