Confira abaixo
debate travado entre os filósofos José Arthur Giannotti e Marilena Chaui e veja
como, depois de quase 5 [16] anos, houve uma inversão dos fatos.
Seguem as partes iniciais dos 3 artigos de 2001 que perfazem um rico debate e que merecem ser relidos em uma conjuntura bem diferente...
1.
O dedo em riste do
jornalismo moral
Um partido, ao
negar-se como particular, é levado a minar a existência legítima de outros e,
por isso, se identifica com o Estado; por sua vez, um órgão da mídia que se
pensa como único instrumento da moralidade pública tende a virar partido. Na
distância entre o que ela é empresa particular e guardiã da normatividade
pública, entre sua particularidade e sua universalidade, infiltra-se uma
contradição, que também se resolve no processo.
José Arthur Giannotti
Mais do
que moral, acusar de imoral publicamente uma pessoa pública é ato político. Na
medida em que a política, entre muitas coisas, consiste numa luta entre amigos
e inimigos, ela pressupõe a manipulação do outro, desde logo suporta, portanto,
certa dose de amoralidade. Não há política entre santos, mas já existe entre
sábios, pois, embora devam discutir até o convencimento de todos, até chegar ao
consenso e pronunciar uma verdade relativa, para isso precisam disputar
recursos escassos, de sorte que alguns ficam privilegiados no processo de
provar suas teses.
No entanto, é particularmente na democracia, quando os interesses gerais e comuns são discutidos até que se decida pela maioria, tornando legítima a ação executiva, que se percebe com nitidez sua zona cinzenta da amoralidade.
Na impossibilidade do consenso, a decisão se dá pelo voto. Isso implica obedecer a determinadas regras que asseguram a legitimidade do procedimento, tais como eleger representantes, garantir que a minoria possa vir a ser maioria, determinar prazos, ordem na apresentação das propostas, indicação de comissões e assim por diante.
No entanto, é particularmente na democracia, quando os interesses gerais e comuns são discutidos até que se decida pela maioria, tornando legítima a ação executiva, que se percebe com nitidez sua zona cinzenta da amoralidade.
Na impossibilidade do consenso, a decisão se dá pelo voto. Isso implica obedecer a determinadas regras que asseguram a legitimidade do procedimento, tais como eleger representantes, garantir que a minoria possa vir a ser maioria, determinar prazos, ordem na apresentação das propostas, indicação de comissões e assim por diante.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI18523,41046-Jose+Arthur+Giannotti+x+Marilena+Chaui+confira+o+debate
2.
Acerca da moralidade pública
Qual
o equívoco de Giannotti? Confundir a indeterminação própria da ação política
com uma suposta indefinição de suas regras e deixar nas mãos do governante uma
definição nômade, que varia segundo seus interesses. Por outro lado, ao
desqualificar os partidos políticos e a imprensa, Giannotti desqualifica politicamente
algo mais profundo: a sociedade civil e o conjunto dos cidadãos.
Marilena Chaui
A
confusão entre moral privada e pública produz um obscurecimento acerca da
essência da política, ou seja, faz aparecer o moralismo.
De fato, ao confundir os dois espaços, o moralismo suscita dois equívocos igualmente graves: o de tomar o espaço político segundo os critérios da vida familiar (regida pelo princípio da autoridade pessoal e da afeição) e das relações de mercado (regidas pelo princípio da propriedade privada dos meios de produção), quando, na verdade, a política nasce para responder aos problemas, conflitos e contradições dessas duas esferas privadas, não podendo ser regida pelas mesmas normas que as regem.
E, em segundo lugar, ao se supor que as normas e regras da moralidade privada devem estar em vigência na política, será preciso supor que o espaço político encontra-se definido antes da própria política e que esta é simplesmente, no nível público, a retomada de normas preexistentes, de sorte que perdemos o essencial da política, isto é, a diferença entre o privado e o público, fundadora da política, que a faz ser uma ação nova produzida por uma relação nova; novidade que a faz ser sempre indeterminada quanto ao seu curso, mas não indefinida quanto às suas regras.
É isso que a palavra "república" sinaliza e significa. Por isso mesmo o Estado não é nem pode ser uma grande família nem uma grande empresa: se for, não há política possível. Em outras palavras, a moralidade política se define pelas ações e pelo curso das ações numa lógica nova que não é a da autoridade (como na família) nem a da força (como no mercado), mas a do poder.
De fato, ao confundir os dois espaços, o moralismo suscita dois equívocos igualmente graves: o de tomar o espaço político segundo os critérios da vida familiar (regida pelo princípio da autoridade pessoal e da afeição) e das relações de mercado (regidas pelo princípio da propriedade privada dos meios de produção), quando, na verdade, a política nasce para responder aos problemas, conflitos e contradições dessas duas esferas privadas, não podendo ser regida pelas mesmas normas que as regem.
E, em segundo lugar, ao se supor que as normas e regras da moralidade privada devem estar em vigência na política, será preciso supor que o espaço político encontra-se definido antes da própria política e que esta é simplesmente, no nível público, a retomada de normas preexistentes, de sorte que perdemos o essencial da política, isto é, a diferença entre o privado e o público, fundadora da política, que a faz ser uma ação nova produzida por uma relação nova; novidade que a faz ser sempre indeterminada quanto ao seu curso, mas não indefinida quanto às suas regras.
É isso que a palavra "república" sinaliza e significa. Por isso mesmo o Estado não é nem pode ser uma grande família nem uma grande empresa: se for, não há política possível. Em outras palavras, a moralidade política se define pelas ações e pelo curso das ações numa lógica nova que não é a da autoridade (como na família) nem a da força (como no mercado), mas a do poder.
(...)
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3.
Para a virtuosa Marilena
Preocupo-me
com os ares de moralismo irracional e desvairado que, em nome da moral, nega a
legitimidade da política no seu caráter de jogo, pois já sabemos que essa
negação leva ao terror. Temo qualquer programa político que se arme centrado na
bandeira da moralidade. Nada mais pretendo do que resgatar uma política
republicana, em que cada instituição há de agir dentro dos limites que lhe são
próprios, respeitando cuidadosamente os limites das outras.
José
Arthur Giannotti
O artigo "Acerca da moralidade pública", que
Marilena Chaui, colega e amiga, publicou na Folha de 24 deste mês
("Tendências/Debates") me deixou muito contente. É tão caudaloso e
complicado quanto o meu, indício de como esses assuntos não podem ser tratados
irrefletidamente por meio de poucas palavras e pedem do leitor certa dose de
esperteza.
Ambos concordamos que entre moral e política existe uma zona de indefinição a ser coberta pela prática, o que por sua vez abre novas zonas indefinidas. Não entendo, assim, os "reparos severos" que me faz. Nós dois partimos do princípio de que esse trabalho de costura deve ser feito pela opinião e instituições públicas. Quem as mobiliza no cumprimento dessa tarefa?
Marilena passa a enunciar vários institutos aos quais, segundo ela, recuso o direito de exercer essa função. E daí conclui ser meu equívoco "confundir a indeterminação própria da ação política com a suposta indefinição de suas regras e deixar nas mãos do governante uma definição nômade, que varia segundo seus interesses".
Ambos concordamos que entre moral e política existe uma zona de indefinição a ser coberta pela prática, o que por sua vez abre novas zonas indefinidas. Não entendo, assim, os "reparos severos" que me faz. Nós dois partimos do princípio de que esse trabalho de costura deve ser feito pela opinião e instituições públicas. Quem as mobiliza no cumprimento dessa tarefa?
Marilena passa a enunciar vários institutos aos quais, segundo ela, recuso o direito de exercer essa função. E daí conclui ser meu equívoco "confundir a indeterminação própria da ação política com a suposta indefinição de suas regras e deixar nas mãos do governante uma definição nômade, que varia segundo seus interesses".
(...)
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José Arthur Gianotti – Professor
emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e
presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Marilena Chaui – Professora
de filosofia política e história da filosofia moderna da USP.
Textos
publicados em maio de 2001, no jornal Folha de S. Paulo (Republicados em 2005).
IN Folha
de São Paulo (republicados pelo Migalhas).