Diante da torrente infindável de denúncias, é preciso admitir a
possibilidade de que o comportamento denunciado não seja de fato desviante, mas
sim o comportamento-padrão dos mandatários eleitos no Brasil. Haveria razões
bastante objetivas para isso (...), a bem da verdade, pelo menos na forma
predominante nas revelações da delação da Odebrecht, eles tendem a ocorrer em
quase todos os países do mundo: a venda de decisões, oculta sob doações
eleitorais quase sempre legais, corrompe a democracia no planeta inteiro. Nossa
principal peculiaridade reside no fato de que só no Brasil o teto para as
doações é proporcional à renda do doador, abrindo brecha para a doação de
milhões por uma única fonte e empurrando a elite política para um indecoroso
beija-mão junto a doadores poderosos. Além desse, outro de nossos problemas,
hoje em estudo no Congresso, decorre da falta de regulamentação do lobby.
(...)
Assim como foi o Cruzado, a Lava-Jato é um mal. Não é preciso
passarmos por ela pra aperfeiçoarmos o combate à corrupção. Talvez, de fato, a
Lava-Jato seja ainda mais danosa. Pois a inflação, à época do Cruzado, subia.
Mas o nosso combate à corrupção, por sua vez, vinha melhorando.
Bruno P. W. Reis
Não, eu não quis dizer Plano Real. Eu quis dizer Plano Cruzado mesmo. Ao
desorganizar o sistema político, a Lava-Jato solapa as condições institucionais
para um combate eficaz à corrupção, assim como a desorganização das
expectativas produzida pelo congelamento de preços e providências correlatas em
1986 deteriorou as condições de controle da inflação pela política econômica.
Em ambos os casos trata-se de um espasmo de euforia demagógica seguido de
deterioração do ambiente institucional, prejudicando a consecução dos objetivos
a que ambas as empreitadas ostensivamente se dedicavam. Se persistir a
instabilidade política em que mergulhamos nos últimos dois anos, não haverá
qualquer razão para esperar melhoria progressiva no combate à corrupção.
Assim como o Cruzado deixou de se ocupar das causas mais permanentes da
inflação, a Lava-Jato não traz consigo qualquer consideração sobre as causas
dos ilícitos que ela investiga. Não se pergunta sobre os atributos do sistema
institucional que favorecem as chances eleitorais daqueles envolvidos em
esquemas agressivos de movimentação financeira escusa. Quando seus protagonistas
fazem qualquer sugestão, limitam-se a pedir novos poderes de investigação e
penas mais severas aos transgressores, ameaçando descaracterizar o Direito
brasileiro com heterodoxias como restrições ao Habeas Corpus e aceitação de
prova ilícita.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://novosestudos.com.br/a-lava-jato-e-o-plano-cruzado-do-combate-a-corrupcao/
Bruno P. W. Reis – Cientista Político – abril de 2017.
IN Novos Estudos CEBRAP.