Desde que o PT perdeu
sua aureola puritana de partido da ética, boa parte da classe media e media
alta intelectualizada de origem na esquerda achou por bem abandonar o barco e
mostrar-se apolítico. (...) O que esses ex-esquerdistas não perceberam foi seu
próprio processo de vulgarização, muito mais forte que qualquer Partido
envolvido em escândalos de corrupção. Ao se distanciarem das bases do Partido e
ao defenderem e praticarem o voto nulo ou o voto descomprometido deixaram-se
render pelo discurso da elite despolarizada, mesquinha, orgulhosa e soberba que
sempre foi alvo das suas criticas.
Luis
Vita
Num dia qualquer, numa livraria
qualquer, dessas onde a classe intelectualizada faz o lançamento do livro do
amigo, ou vai buscar a ultima moda da neurolinguística, eu passava para tomar
um café e roubar uns minutos de internet. Mas, ao invés de entreter-me com a
rede, encontrei um amigo de outra data cercado de companhia. Gentilmente fui
convidado a juntar-me ao grupo e apresentado como cientista político analista
de qualquer coisa que me atribuía certo exagero de currículo. Isso bastou para
que o papo mudasse rapidamente para política, que passou numa magnitude
assustadora para os escândalos de corrupção, chegou à crise mundial com toda
facilidade que a desconexão permitia, até finalizar com considerações
brilhantemente enfeitadas com frases de efeito e jargões para discutir a
miséria das eleições.
Pessoas graduadas, pós-graduadas, bem empregados e
com acesso a todo o tipo de informação que se dispõe a buscar, pagavam R$ 3,50
numa xícara de café sem nenhum constrangimento, esses seres abençoados pela
Fortuna (não a riqueza, mas a Deusa grega) tinham orgulho de dizer que a
política era assunto menor e tratavam-na com a aversão digna dos ignorantes.
"Ora, os políticos são todos iguais. Existe
ainda alguma diferença entre eles?"
Quando eu disse sim, existe, e muita, fui logo
interrompido. Claro que ninguém ali estava interessado em discutir política,
mas em expor seu desprezo pelo tema, o que fatalmente reforçava o status de
superioridade em relação a assuntos menores, talvez mundanos que não seriam
adequados aos membros de certo Olimpo intelectualizado frequentador de
livrarias, cafés e bistrôs descolados. Não estou descrevendo ignorantes mal
formados ou mal intencionados que nunca leram obras clássicas ou não
dimensionam o peso das questões publica. Não! Estou descrevendo o comportamento
de pessoas bem formadas, que leram Platão, Aristóteles e o a história da
democracia ocidental desde suas origens; talvez no original, em grego. E o que
essas pessoas bem informadas e intelectualizadas dizem da política hoje?
Repetem as besteiras escritas nos jornais e difundidas pelas bocas mais
vulgares da opinião publica nacional.
Desde que o PT perdeu sua aureola puritana de
partido da ética, boa parte da classe media e media alta intelectualizada de
origem na esquerda achou por bem abandonar o barco e mostrar-se apolítico. A
moda agora para pagar de descolado dos assuntos políticos e interessado em
assuntos públicos, como se uma coisa fosse distante da outra. Os barbudinhos
partidarizados agora fazem pouco sucesso nas rodas de debates e só têm alguma
chance se fizerem parte de um Partido radicalizado, entretanto, se houver
alguma ligação entre política e realidade conjuntural, o interlocutor logo
passa a ser taxado como o chato da conversa. Defender o PT então nessas rodas
seria o mesmo que suicídio social.
O que esses ex-esquerdistas não perceberam foi seu
próprio processo de vulgarização, muito mais forte que qualquer Partido
envolvido em escândalos de corrupção. Ao se distanciarem das bases do Partido e
ao defenderem e praticarem o voto nulo ou o voto descomprometido deixaram-se
render pelo discurso da elite despolarizada, mesquinha, orgulhosa e soberba que
sempre foi alvo das suas criticas.
Weber já dizia: ser neutro é optar pelo mais forte.
Quando os escândalos de corrupção surgiram em distintos governos do PT e essa
categoria social se afastou do Partido lavando suas mãos, ajudaram
a fortalecer duas tendências: primeiro, o Partido tornou-se cada vez mais
vulnerável a ação dos corruptos e, segundo, esse segmento intelectualizado dos
cidadãos de esquerda ou que se definem como esquerda tornou-se tão conservador
quanto qualquer reacionário.
Até entendo a opção das categorias sociais
intelectualizadas em afastar-se da política. São de classe media, moram nas
regiões centrais, usam transporte publico quando convém, mas têm carro e
dinheiro pra pagar taxi, não precisam de CEUs porque podem colocar seus filhos
em escolas privadas, moram em edifícios com proteção reforçada e nem precisam
saber o que é GCM, têm opções de lazer e são capazes de fazer viagens programadas
para fugir de São Paulo quando a cidade se torna inóspita. Então não faz a
menor diferença se o futuro prefeito for Serra ou Russomano. A vida dessas
pessoas pouco ou quase nada vai mudar e eles ainda terão muitos assuntos para
os bistrôs. Entendo mas não admito, porque dizer que Haddad vai ser igual aos
outros é no mínimo estupidez.
Pode ser que um governo de esquerda não faça tanta
diferença em relação ao modo de vida das pessoas que se impressionam com a
corrosão da moral estampada na pagina 3 da Folha de São Paulo. Mas são os
governos de esquerda que ainda mantém o dialogo com movimentos sociais e esses
governos não podem ser igualados a conservadores e aventureiros como igualamos
diferentes latas de atum desconhecidas que se colocam enfileiradas lado a lado
na prateleira do supermercado. Perdoem-me os meus amigos da classe media que se
denominam de esquerda com quem fatalmente tomo café nas livrarias descoladas da
cidade, mas não esta em discussão nosso marasmo político ou nosso modo de vida
blasé. Tem muito mais em jogo nessa eleição e diz respeito a uma proporção
gigantesca de movimentos sociais que precisam do apoio, do envolvimento e dos
votos de seus antigos aliados esquerdistas.
Haddad precisa disso para recolocar os movimentos
sociais no poder e buscar políticas para incorporar as carências dos mais
necessitados na agenda de São Paulo.
Luis Vita – Cientista social e professor universitário –
04.10.2012
IN
“Blog Espaço público e cotidiano” – http://luisvita.blogspot.com.br/2012/10/defesa-do-voto-em-fernando-haddad-em.html