“PENSADORES”
COMO O BLOGUEIRO REINALDO AZEVEDO, O ASTRÓLOGO OLAVO DE CARVALHO E O FILÓSOFO
LUIZ FELIPE PONDÉ ARREBANHAM SEGUIDORES PARA SUAS TESES CONTRA O POLITICAMENTE
CORRETO, CONTRA AS POLÍTICAS AFIRMATIVAS, OU A FAVOR DO ANTI-ESQUERDISMO. AGORA
COM A COMPANHIA DO SENADOR ÁLVARO DIAS, ELES RECUPERAM UM ANTIGO VÍCIO DA
DIREITA BRASILEIRA: O APOIO A GOLPES NA AMÉRICA LATINA
Heberth Xavier
Há seis anos, o jornal Folha
de S. Paulo publicou uma reportagem na qual mostrava a curva
ascendente da chamada “nova direita” sobre o pensamento brasileiro. As palavras
iniciais do texto, intitulado “Direita, volver!”, foram felizes ao resumir o zeitgeist daquele
início de 2006 no Brasil:
“De repente passou a ser bacana o
sujeito, numa festa ou numa mesa de bar, rodopiar a taça de vinho e desfilar
frases do tipo ‘essa canalha bolchevique do PT não sabe nem falar português’,
seguidas de elogios à atuação de George W. Bush no Iraque ou de incursões
‘teóricas’ das quais a principal lição a ser retirada é que só é pobre quem
quer.”
O clima cultural favorecia esse
grupo, logo apelidado de “nova direita” na própria matéria da Folha.
Dele faziam parte o blogueiro da revista Veja, Reinaldo Azevedo; o
astrólogo (autointitulado filósofo) Olavo de Carvalho; o poeta e jornalista
Nelson Ascher, entre outros.
De lá para cá, passaram-se mais de
seis anos. Alguns nomes de maior ou menor qualidade poderiam ser acrescentados
à lista, como o filósofo Luiz Felipe Pondé, o jornalista Augusto Nunes e alguns
políticos que, antes envergonhados do rótulo, hoje não se esquivam em
reivindicar-se “de direita”.
Não que isso seja necessariamente
ruim, pelo contrário. O que impressiona é como o “novo” rapidamente se tornou
“velho”. Não foi necessária mais do que uma dezena de anos para logo essa
“direita” confundir-se com o retrógrado, com a defesa de golpes, com o
anti-reformismo, com o flerte perigoso com tendências chauvinistas, com o
desprezo a minorias, com a religião “anti-politicamente-correta”, com as
teorias conspiratórias e, nos casos extremos, até com opiniões grotescamente
folclóricas…
E logo a “nova” direita se tornou tão
velha quanto a esquerda pueril que ela tanto criticava e que reduzia realidades
complexas a uma mera equação da luta de classes, da luta do bem contra o
mal. Surgiram pensadores inteligentes e perspicazes nesse campo, gente como os
economistas reformistas Paulo Rabello de Castro ou José Alexandre Scheinkman,
mas eram apenas exceções a confirmar a regra.
O astrólogo e “filósofo” Olavo de
Carvalho é um dos mais “adorados” pelos “novos” direitistas - não poucos, de
fato, são novos cronologicamente falando. A turma de adoradores acompanha tudo
o que Carvalho diz nas redes sociais. Dos Estados Unidos, onde mora atualmente,
o astrólogo defende teses campeãs como a de que a multinacional Pepsi-Cola
seria um dos instrumentos usados pelos defensores do aborto. “Tome Pepsi-Cola e
se torne um abortista terceirizado”, diz o pensador da “nova-velha” direita
brasileira, para quem a fabricante de bebidas está usando “células de fetos
abortados como adoçante nos refrigerantes” - se você não acredita, clique aqui…
Outra arma da “nova-velha” direita é
ser contra qualquer tipo de política afirmativa. Se alguém defende cotas para
mulheres nos partidos políticos, ela contra-argumenta ameaçando o indefeso
interlocutor: “Daqui a pouco vão defender cota para gordos, para canhotos, para
“loiras-burras”, para “ex-BBBs”… A “nova-velha” direita também não gosta muito
de políticas de transferência de rendas (também afirmativas, pois focalizadas)
como o Bolsa Família, pois “estimuladoras da preguiça e da acomodação” - ok,
alguns argumentos são mais sofisticados, mas na prática se reduzem a isso.
Inútil lembra-la que essas políticas foram defendidas pelos liberais de
Chicago, ainda nos anos 1980, como uma forma de compensar os mais pobres pelos
desvios da política chamada neoliberal.
Na economia, por sinal, a
“nova-velha” direita nunca foi tão velha, com o problema de, agora, abusar da
repetição de clichês e bordões. No ano passado, por exemplo, quando o Banco
Central reduziu a taxa básica de juros (Selic), o coro da “nova-velha” direita
ganhou novas vozes, como a do jornalista Carlos Alberto Sardenberg ou a do
economista e articulista deVeja Maílson da Nóbrega. Aos juros
menores, eles brandiam o argumento de que a inflação voltaria. À manutenção da
inflação sob controle nos meses seguintes, silêncio.
Em 2009, na gênese da crise mundial
que dura até hoje, o governo Lula decidiu usar os bancos públicos - Caixa e
Banco do Brasil - para forçar a concorrência a reduzir as taxas na ponta. A
“nova-velha” direita voltou-se contra a medida, sob o argumento de que a
contabilidade das duas instituições não teria como sustentar a intervenção
política de Lula. Na época - como agora -, a chamada “intervenção” realmente
levou os juros bancários para baixo - inclusive entre os bancos privados. No
fim daquele ano, os balanços do BB e da Caixa ficaram no azul, com recorde de
lucro. A “nova-velha” direita silenciou novamente…
A última da “nova-velha” direita
brasileira é aplaudir golpes em países latino-americanos. À guisa de não
repetirem antigos chavões de pouca credibilidade atual, seus representantes
inauguraram novas modalidades golpistas. Em Honduras, ainda que a prisão do
então presidente Manuel Zelaya, em 2009, tenha sido classificada como “golpe”
pela ONU, para a “nova-velha” direita brasileira não foi mais do que o
cumprimento de uma decisão do Poder Judiciário. No Paraguai, teria sido
legítimo o impeachment de Fernando Lugo pelo simples fato de ter sido obra do
Congresso - transformaram um instrumento democrático legítimo (o impeachment)
em fetiche.
Não deixa de ser ridículo - para não
dizer vexatório - assistir a um senador da República, de passado contrário ao
regime militar no Brasil, como é o caso do senador tucano Álvaro Dias,
postar-se como maior defensor mundial do golpe à paraguaia. “Lugo teve
oportunidade de defesa”, disse o senador, referindo-se às 18 horas concedidas a
um presidente eleito para defender-se das acusações. Levantou a bola para seu
rival, ex-companheiro de MDB nos tempos da ditadura militar e também senador
pelo Paraná, o polêmico Roberto Requião: “Num processo de multa de trânsito, o
cidadão paraguaio tem dez dias para apresentar sua defesa e mais cinco para um
recurso”.
Heberth Xavier – Ex-Editor do Estado de Minas e da revista Encontro, hoje responde pelo Minas 247 - 10.07.2012