Este
processo de desertificação de ruas, praças e parques tornam as cidades ainda
mais inseguras, numa espiral decrescente que realimenta o despovoamento do
espaço público. Voltados para áreas internas e controladas, lojas, residências,
serviços e locais de lazer e cultura, como cinemas e teatros, deixam de se
abrir para as calçadas públicas – quando elas existem – que se transformam em
corredores vazios onde caminhar entre veículos em alta velocidade e altos muros
reforçam a sensação de solidão e medo.
Nabil Bonduki
A cidade como lugar aberto e democrático onde “se respira o ar da
liberdade”, como era entendida desde a Idade Média, vem sendo destruída pela
crescente criação de empreendimentos segregados da malha urbana. Como castelos
medievais, as cidades brasileiras estão se transformando numa somatória de
áreas segmentadas, muradas, controladas por guaritas policiadas e por circuitos
internos de televisão, num verdadeiro “big brother” urbano, que nos remete à
apavorante sociedade em que os cidadãos são vigiados 24 horas.
A suposta falta de segurança é o argumento principal para este
verdadeiro aparthaid urbano, que imita as sociedades racistas e divididas por
conflitos étnicos e políticos. A ausência do Estado e o medo, difundido por
programas televisivos, geram negócios imobiliários que se utilizam do marketing
de segurança para vender produtos que se alimentam ainda da desigualdade e do
preconceito social, que assolam não só as classes média e alta de uma sociedade
muito desigual, como até mesmo setores populares que começam a ter alguma
capacidade de consumo.
Aos empreendimentos que já nascem segregados, como shoppings centers,
condomínios residenciais fechados, centros empresariais e seletos aglomerados
de lazer, se somam iniciativas ilegais de fechamento de áreas públicas como
ruas, loteamentos, vilas e conjuntos habitacionais, patrocinadas por
associações de moradores e, muitas vezes, apoiadas pelas próprias prefeituras.
Espaços públicos que, por lei, deveriam estar abertos a todos os cidadãos, são
fechados por grades, muros, e cancelas. Taxas a título de condomínio – que
legalmente inexistem – são cobradas ilegalmente de moradores por associações
administradoras, numa dupla tributação que vem criando dívidas impagáveis e
fortes conflitos entre os moradores adeptos e contrários a este tipo de
iniciativa.
Este conceito de segurança está sendo colocado em xeque pela onda de
assaltos a shoppings centers e a condomínios de luxo em São Paulo. Ao contrário
do que muitos imaginavam, estes espaços fechados e segregados não garantem a
almejada proteção. Desde o início de 2010, em São Paulo, 15 shoppings foram
assaltados, com trocas de tiros, mortos e feridos; 11 condomínios de luxo foram
invadidos por quadrilhas armadas, que tomaram por várias horas o controle do
lugar, se apropriando das guaritas e dos circuitos internos de segurança para
promover um arrastão sistemático de todo o prédio.
Este modelo urbano, que vem se consolidando no Brasil, baseado em
bankers fortificados e armados, ao contrário de garantir a segurança, desnudam
uma cidade cada vez mais insegura. Sua lógica se combina com uma mobilidade
feita exclusivamente por automóveis individuais, que levam as pessoas de
estacionamento a estacionamento, sem nenhum contato direto com o espaço
público. Alguns paraísos do consumo sofisticado, como shoppings de luxo, não
permitem mais o acesso a pé. À sua volta, longos muros criam ruas esvaziadas.
Este processo de desertificação de ruas, praças e parques tornam as
cidades ainda mais inseguras, numa espiral decrescente que realimenta o
despovoamento do espaço público. Voltados para áreas internas e controladas,
lojas, residências, serviços e locais de lazer e cultura, como cinemas e
teatros, deixam de se abrir para as calçadas públicas – quando elas existem –
que se transformam em corredores vazios onde caminhar entre veículos em alta
velocidade e altos muros reforçam a sensação de solidão e medo.
Será possível alterar essa tendência que levará ao desaparecimento da
cidade como o lugar da liberdade, da democracia e do convívio humano aberto e
sem descriminação? Evidências criam alguma esperança. No debate sobre a nova
lei de parcelamento do solo, que há anos se processa no Congresso Nacional,
várias entidades têm se posicionado contra a regulamentação dos condomínios
fechados, que até hoje inexiste na legislação. O Ministério Público tem
promovido ações exigindo a abertura de ruas, loteamentos, praias e espaços
púbicos apropriados por particulares ou associações privadas. Moradores de
loteamentos fechados irregularmente lutam na justiça contra o pagamento de
taxas de condomínios formados sem seu consentimento.
Cresce a consciência de que é necessário reverter este processo. Algumas
práticas cotidianas resistem ao desaparecimento da vida urbana. Jovens, de
diferentes segmentos sociais, se apropriam de espaços públicos, com se vê nos
finais de tarde entre a Avenida Paulista, a Rua Augusta e a Praça Roosevelt, em
São Paulo e em tantos “pedaços” de outras cidades brasileiras, como nas orlas
marítimas. Namoram, passeiam e se divertem num espaço seguro porque povoado. É
crescente o número de pessoas que praticam caminhadas em ruas das cidades.
O comércio de rua, livres das altas taxas que pagam em shoppings,
resistem dando vida aos bairros e oferecendo produtos e serviços mais baratos.
Ruas se especializam na venda de produtos especializados, como eletrônicos ou
madeiras. Na falta de espaços públicos de qualidade, postos de gasolina e suas
lojas de conveniência se transformaram em ponto de referência nas noites
quentes, mostrando que as pessoas querem viver em cidades abertas, mesmo quando
inexistem ambientes adequados. Ciclistas lutam para ganhar espaço e segurança
nas vias públicas, ainda apropriadas de forma individual e privada pelos
automóveis. Transporte coletivo de qualidade tornou-se objeto de desejo para um
crescente setor que já percebeu que é insustentável todos se deslocarem por
automóveis.
Reverter o modelo urbano que vem se consolidando no país, baseado em
territórios fechados, espaços públicos desertos, na segregação social e no
carro como o principal modo de mobilidade, é uma necessidade civilizadora.
Felizmente, há alguma luz no final do túnel.
Nabil Bonduki – Urbanista, docente e pesquisador da Universidade de São Paulo desde 1986, foi Superintendente de Habitação Popular da Prefeitura de SP (1989-92), vereador (2002-4), consultor de política urbana e habitação em vários municípios e coordenador técnico da Consultoria do Plano Nacional de Habitação (2007-9), Secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (2011-12), e atualmente (2012) é candidato a vereador em São Paulo No. 13.633– 18.08.2010
IN “Carta Capital” – http://www.cartacapital.com.br/sociedade/uma-cidade-aberta-e-segura/?autor=154
"Via Emancipar" recomenda o voto no candidato. Para reforçar o convencimento, vale a leitura de um artigo mais denso chamado: "Da reforma à sustentabilidade urbana: por um novo modelo de desenvolvimento para São Paulo", IN http://www.nabil.org.br/wp-content/uploads/2012/09/uma-agenda-de-sustentabilidade-para-S%C3%A3o-Paulo-no-seculo-XXI-Artigo-Nabil-Bonduki.pdf , onde são apresentadas mais perspectivas para a melhoria da vida na cidade de São Paulo. Mais informações em: http://www.nabil.org.br/.