A pauta
que predomina, ancorada no monopólio privado dos meios de comunicação, é a da
corrupção e, por tabela, a da desqualificação do Estado.
Emir Sader
Que Estado queremos?
A disputa política no Brasil entre o bloco de
forças em torno do governo e o bloco opositor se expressa também nas interpretações
sobre o que é o Brasil hoje, para onde ele caminha, quais são seus principais
problemas e, como decorrência disso, o que representa cada um desses blocos.
A direita no Brasil foi reorganizada pelo governo
FHC, que assumiu as teses liberais atualizadas para a era da globalização.
Recolhendo as teses lançadas por Collor, que localizavam nas regulamentações
estatais os obstáculos para que a economia voltasse a crescer, ele arremeteu
centralmente contra o Estado. As duas figuras do atraso, da ineficiência e do
desperdício eram os carros fabricados aqui, tipificados como “carroças” e os
“marajás”, apontados como modelos da burocracia ineficiente e, ao mesmo tempo,
culpada pelos gastos excessivos do Estado, razoes da inflação e da alta
tributação.
Era a versão brasileira do diagnóstico de Reagan,
segundo o qual o Estado não era a solução, mas o problema. Foi recolocada a
polarização Estado/mercado como central. Quando FHC disse que ia “virar a
página de getulismo no Brasil”, se referia, com clareza a isso: o enterro do
projeto desenvolvimentista que tinha no Estado seu motor fundamental e a
afirmação da centralidade do mercado – tese central do neoliberalismo.
Entre as privatizações, a abertura acelerada do
mercado interno, a precarização das relações de trabalho, a centralidade do
ajuste fiscal, o Tratado de Livre Comercio com os Estados Unidos – a nova
direita desenhou seus paradigmas.
Quando Lula triunfou, essas teses se revestiram do
anúncio dos riscos do estatismo da elevação dos gastos estatais, da elevação da
inflação e dos impostos, da apropriacao e utilização do Estado pelo PT e por
sindicalistas, com a correspondente corrupção. Tudo girava em torno da condenação
do Estado e de suas formas de regulação econômica, de afirmação de direitos
sociais, de indução do crescimento econômico, de redistribuição de renda.
As denúncias econômicas foram uma constante: o
estatismo, que geraria falta de confiança no empresariado, desequilíbrio nas
contas publicas, inflação, excessiva tributação, o que condenaria o pais à
estagnação econômica ou à inflação. Essa a vertente econômica da guerra contra
o Estado.
A cara política tem sido o tema da corrupção, que
teria no Estado seu lugar privilegiado, a origem da corrupção. Quanto mais
Estado, maior risco de corrupção. O governo do PT representaria esse risco.
O tema do “mensalão” cristalizou essa
interpretação. Seria a prova concreta das suas teses. O PT teria se valido dos
cargos no Estado para fazer negociatas e teria sido pego. A direita – com a sua
vertente midiática assumindo a direção política – montou uma operação de
marketing politico de grande sucesso: no imaginário de boa parte das pessoas
ficou a imagem de que parlamentares iam ao Palácio do Planalto com uma mala
vazia, subiam a uma sala próxima à da presidência da república, enchiam de
dinheiro e saiam, mensalmente.
Sem interpretação alternativa do que havia ocorrido
e sem espaços na mídia monopolista para se defender, o PT foi vítima de um
massacre midiático. A simples menção do tema coloca o PT na defensiva e coloca
a iniciativa nas mãos da direita.
Para esta, seria a chave da explicação do Brasil hoje: a criminalização do Estado, da política, dos partidos – e do PT, em particular. Com a cumplicidade vergonhosa do STF e o monopólio dos meios de comunicação, a operação de marketing politico continua a render frutos para a direita.
Para esta, seria a chave da explicação do Brasil hoje: a criminalização do Estado, da política, dos partidos – e do PT, em particular. Com a cumplicidade vergonhosa do STF e o monopólio dos meios de comunicação, a operação de marketing politico continua a render frutos para a direita.
A direita acreditava que tinha encontrado a via
para derrotar o governo Lula – seja por um impeachment ou por uma derrota
eleitoral de um governo enfraquecido. Foi vítima – e segue sendo – das suas
próprias ilusões. Não se dava conta que o problema central do Brasil é o da
desigualdade, da pobreza, da miséria. Assim, não tinha capacidade para ver que
as politicas sociais do governo começavam a dar resultado, que o aparente
isolamento politico do governo tinha uma compensação mais do suficiente no
apoio social que o governo conquistava.
Primeiro o medo das reações populares diante de uma
eventual proposta de impeachment do Lula, depois a derrota eleitoral em 2006 –
fizeram fracassar o plano político da direita. Mas ela ficou reduzida e
esse tema, ao que se somou, posteriormente, o terrorismo econômico.
Para o bloco do governo a questão central do Brasil
é a da desigualdade, da pobreza, da miséria. O Brasil é o país mais desigual do
continente mais desigual do mundo, apesar dos grandes avanços na ultima década.
Esse é o objetivo central do crescimento econômico, do próprio modelo econômico
e das políticas sociais – que constituem o núcleo estratégico essencial do
governo, seu eixo articulador.
Mesmo quando a economia brasileira sofre um processo de estagnação, como acontece atualmente, o governo não apenas manteve, como estendeu e aprofundou as políticas sociais, revelando como se revertia a forma tradicional de encarar desenvolvimento econômico e distribuição de renda.
Mesmo quando a economia brasileira sofre um processo de estagnação, como acontece atualmente, o governo não apenas manteve, como estendeu e aprofundou as políticas sociais, revelando como se revertia a forma tradicional de encarar desenvolvimento econômico e distribuição de renda.
Para quem olha os problemas confrontados –
corrupção ou desigualdade social -, a questão parece ter clara definição: apesar
de todos os avanços de mais de uma década, o Brasil segue sendo o país mais
desigual do continente mais desigual. Mas a pauta que predomina, ancorada no
monopólio privado dos meios de comunicação, e’ a da corrupção e, por tabela, a
da desqualificação do Estado – que é o verdadeiro tema por trás das denuncias
de corrupção.
Por isso o tema do Estado se tornou central na era
neoliberal: o Estado como o problema – como o redefiniu Ronald Reagan e os do
Consenso de Washington e do pensamento único – ou o Estado como indutor do
crescimento econômico e garantia dos direitos sociais de todos.
Emir Sader – 30.11.2013
IN
Blog do Emir – http://www.cartamaior.com.br/?/Blog/Blog-do-Emir/A-disputa-de-agenda-corrupcao-ou-desigualdade-social-/2/29691