o jornalista Breno Altman condena a aplicação de
uma lei antiterrorismo para conter as manifestações e os protestos de grupos
como os black blocs, que mataram o cinegrafista Santiago Andrade; "Não
resta dúvida que os black
blocs são erva daninha a ser extirpada das lutas sociais", diz
ele; "outra coisa, porém, é responder ao fenômeno da violência de grupos
minoritários com o recrudescimento da repressão estatal e adoção de legislação
especial"; Altman contesta o senador Jorge Viana (PT-AC), que defende a
votação da lei que tipifica o terrorismo no Brasil; "leis repressivas, ao
forjar cenários de exceção, são um câncer para a democracia", diz Altman.
Breno Altman
A comoção provocada pela morte do cinegrafista
Santiago Andrade tem produzido importantes debates sobre violência política. Um
dos focos dessa discussão é desmascarar a prática black bloc como veneno no interior de alguns
movimentos sociais, ao sabor dos que desejam criminalizar a mobilização popular
e tonificar o aparato repressivo do Estado.
Somam-se a esta tática mascarada tanto uma
franja niilista, marginal e bem-vestida da juventude quanto a infiltração
policial, com o apoio da mão de gato do conservadorismo. A todos une a ideia do
caos. Para os garotos da baderna, fuzarca é a alegoria do que entendem por
rebelião. No dicionário dos marmanjos da reação, significa chance para
desgastar o governo às vésperas de eleições presidenciais.
Não é novidade histórica. Casos de conduta similar
são numerosos. Na Comuna de Paris, em 1871, a burguesia francesa abriu as
portas das cadeias, oferecendo a determinados presos o caminho da liberdade em
troca de tocarem o rebu nas ruas governadas pelo proletariado francês. Agregado
aos provocadores policiais, um razoável número de delinquentes deu os braços a
certas correntes anarquistas e, juntos, barbarizaram a autoridade das
instituições comunais. De bandeja, serviram o pretexto que ampliou a audiência
do discurso de restauração da ordem, finalmente imposta pela aliança entre o
exército alemão e as elites locais, que esmagou a Comuna.
Não resta dúvida, portanto, que os black blocs são erva daninha a ser extirpada das
lutas sociais. Na melhor das hipóteses, praticam esbulho de representatividade
ao assumir papel violento que não lhes foi delegado por ninguém, favorecendo os
mais tresloucados inimigos do povo. Na pior, comportam-se como criminosos
rasteiros e devem ser punidos como manda a lei. Os indivíduos que cometerem
atos delituosos devem ser identificados, detidos e levados às barras dos
tribunais.
Outra coisa, porém, é responder ao fenômeno da
violência de grupos minoritários com o recrudescimento da repressão estatal e
adoção de legislação especial. Assim estão atuando, por exemplo, senadores –
incluindo o petista Jorge Viana, do Acre – desejosos de acelerar a aprovação da
Lei Antiterrorista, que endurece penas e tipifica situações excepcionais de
combate ao protesto tido como violento.
Afora demagogia com a morte, a iniciativa deve ser
condenada por ser um atentado contra a democracia. Compreensível que o
assassinato de um trabalhador estimule sensação, entre diversos setores da
sociedade, de que algo precisa ser feito para evitar que a tragédia se repita.
Mas não é aceitável que a resposta faça o jogo da direita mais vulgar, cuja
lógica é fortalecer as casamatas judiciárias e policiais do Estado, em
detrimento da participação cidadã e da soberania popular.
O conservadorismo, portanto, sabe bem o que quer e
dispõe suas peças com coerência. Mas homens e mulheres progressistas, quando
caem nesta esparrela, cometem – ou repetem – erros históricos.
O primeiro entre estes equívocos é aceitar o
diagnóstico de que exista uma epidemia de violência política no país,
fruto da guerra psicológica diuturna que a velha mídia trava contra o PT e o
governo. Medidas especiais são apenas para cenários extraordinários. Estamos
diante de casos graves, porém pontuais e isolados, que podem ser adequadamente
enfrentados pelas leis e instituições atualmente disponíveis. Ao comprar a
análise do caos, quem o faz ajuda a destacar agenda que interessa às forças
reacionárias.
O segundo erro é não compreender que a ação de
patotas marginais, como os black
blocs, tem sua origem e é alimentada pela violência
descontrolada das polícias militares estaduais, herança maldita da ditadura. A
repressão às manifestações é o caldo de cultura no qual o anarquismo de
boutique encontra alguma legitimidade política e social. Mais que isso: são as
armas de agentes do Estado que, incomparavelmente, produzem mais vítimas e
mortes. Leis que ampliem a repressão produzirão mais violência contra o povo em
movimento. O que o país mais precisa é um esforço concentrado para
desmilitarizar as polícias, denunciando e punindo seus abusos, como preâmbulo
da repactuação no qual todas as classes e partidos renunciem à violência
como instrumento de luta política.
O terceiro tropeço é a ignorância histórica. Ou é
possível esquecer o que aconteceu na Espanha, durante o governo do socialista
Felipe González, quando foi adotada a lei antiterrorista, para combater a
guerrilha basca, liderada pela ETA? Primeiro, foram reprimidos os combatentes
armados. Depois, todos os agrupamentos ou movimentos pacíficos acusados de
serem simpáticos ou até de dialogarem com os insurgentes. Por fim, com os
Grupos Antiterroristas de Libertação, os GAL, foi criado um esquadrão da morte
clandestino para fazer o serviço sujo. Esse quadro, a propósito, foi um dos
motivos que levou, naquele momento, à ruina do PSOE de González: para
trilhar por esse caminho, o eleitorado prefere quem é historicamente do ramo.
Outros exemplos poderiam ser dados. Bastante
conhecido é o caso norte-americano, após a aprovação do Patriot Act e a abertura da prisão de Guantánamo, em
resposta aos atentados contra o World Trade Center, em 2001. O atropelo contra
direitos civis passou a ser marca contemporânea da crescente limitação do
regime de liberdades previsto na Constituição dos Estados Unidos.
São incontáveis, enfim, as evidências que leis
repressivas, ao forjar cenários de exceção, são um câncer para a democracia,
alimentando mecanismos de criminalização da participação popular e suas
organizações. Nada poderia ser pior ao avanço do processo de reformas. Qualquer
perspectiva de esquerda, não importa as circunstâncias, ou tem no protagonismo
social o seu sal da terra ou estará fadada ao fracasso.
Breno Altman –
Jornalista, diretor do site Opera Mundi – 11.02.2014
IN Brasil 247 – http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/129850/Altman-mais-repress%C3%A3o-%C3%A9-programa-antidemocr%C3%A1tico.htm