Feito sob a ótica da ciência política, o objetivo
do estudo americano é mostrar que instituições democráticas participativas -
como a literatura acadêmica classifica o OP -, além de ajudar a melhorar a
governança, têm impacto no desenvolvimento econômico de uma localidade por
focar o bem-estar de camadas mais pobres da população.
Luciano Máximo
Característica comum dos
orçamentos públicos no Brasil é a pouca capacidade que governos têm para
investir, descontados gastos com folha de pagamento e despesas obrigatórias.
Dos cerca de R$ 3 bilhões do Orçamento de 2014 de Guarulhos, na Grande São
Paulo, sobram para investimentos somente R$ 180 milhões. Ainda assim, é a
população da cidade quem decide como gastar 25% desse montante, R$ 42 milhões.
Em Belo Horizonte, também serão os moradores da cidade que escolherão como usar
R$ 115 milhões da conta de investimento da prefeitura este ano, valor que
representa mais de 15% do total da rubrica.
Assim como outras 351 prefeituras
brasileiras, Guarulhos e Belo Horizonte adotam o orçamento participativo (OP)
como parte de sua política de planejamento orçamentário. Graças a essa prática,
todos esses municípios se destacam - na comparação com cidades sem participação
popular na decisão sobre os destinos dos recursos públicos - por gastarem mais
com saúde e saneamento básico, terem melhor desempenho na redução da
mortalidade infantil e por registrarem maior presença de organizações da
sociedade civil interagindo com o poder público.
Essas são as principais
conclusões do estudo "Improving Social Well-Being Through New Democratic
Institutions", dos pesquisadores americanos Michael Touchton e Brian
Wampler, do Departamento de Ciência Política da Boise State University, do
Estado de Idaho (EUA)
Com base em dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Banco Mundial, os
pesquisadores analisaram indicadores sociais e dezenas de variáveis de 253
cidades brasileiras de mais de 100 mil habitantes que adotaram o orçamento
participativo entre 1989 e 2010. Em seguida foram feitas comparações com
municípios que não optaram pelo OP. Os modelos estatísticos elaborados apontam
que a presença dessa modalidade orçamentária gera crescimento de 6% nos gastos
municipais com saúde e saneamento sempre na comparação com cidades similares
sem OP.
"Nossos controles
estatísticos também mostram que, se o orçamento participativo está ativo por
oito anos ou mais, sem interrupção, a estimativa da taxa desse gasto é até 23%
maior que em cidades sem planejamento com participação popular", diz o
cientista político Brian Wampler, que estuda o orçamento participativo
brasileiro há pelo menos 15 anos e é autor do livro "Democracy in Brazil:
Popular Participation, Social Justice, and Interlocking Institutions".
O estudo também permite verificar
que a presença de OP nas cidades estudadas está associada à redução mais
acelerada da mortalidade infantil. Municípios com orçamento participativo por
pelo menos quatro anos têm um desempenho 11% melhor no indicador de saúde em
relação a cidades que não adotam a prática. Adoção do OP por oito anos ou mais
significa queda 19% maior do indicador de saúde, aponta o levantamento.
"É natural que as primeiras
intervenções de experiências do orçamento participativo no Brasil ocorram em
áreas vulneráveis. Ao dar início a um processo de mudança dessas áreas só pode
resultar em melhorias de indicadores e da vida das pessoas", avalia Pier
Senesi, secretário-adjunto de Gestão Compartilhada de Belo Horizonte.
Um exemplo de comparação livre -
sem considerar os controles de variáveis do estudo - pode ser feito entre
Guarulhos e Mogi das Cruzes, cidades industriais com mais de 100 mil habitantes
na região metropolitana de São Paulo. Com orçamento participativo desde 2001, a
primeira tem um gasto per capita em saúde R$ 654,98 contra R$ 482,28 da
segunda, que não adota o OP, de acordo com dados de 2011 elaborados pelo
Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad). O desempenho dos dois
municípios na redução da mortalidade infantil também favorece Guarulhos: a
queda do indicador em 15 anos foi de 60% contra baixa de 50% verificada em Mogi
no mesmo período.
No confronto entre capitais com e
sem orçamento participativo, Belo Horizonte tem gasto per capita em saúde de R$
885,13 contra cerca de R$ 405 de Salvador. A capital mineira reduziu a
mortalidade infantil em 65% nos últimos 15. Já Salvador teve desempenho próximo
de 40%.
Feito sob a ótica da ciência
política, o objetivo do estudo americano é mostrar que instituições
democráticas participativas - como a literatura acadêmica classifica o OP -,
além de ajudar a melhorar a governança, têm impacto no desenvolvimento
econômico de uma localidade por focar o bem-estar de camadas mais pobres da
população.
"A maioria das pessoas que
participam do orçamento participativo vem das classes C e D, é uma chance para
melhorar de vida, conseguir coisas que nunca tiveram, como um posto de saúde,
uma creche ou coleta de esgoto. Os ricos e a classe média precisam pouco do
município, têm escola privada, plano de saúde até segurança privada. Cobram o
Estado por outros meios", diz Wampler.
Kátia Lima, diretora do
Departamento de Orçamento Participativo da prefeitura de Guarulhos, confirma que
as plenárias do OP são dominadas por pessoas da periferia, mas mesmo assim
algumas obras escolhidas beneficiam todas as regiões da cidade, como é o caso
de projetos recentes de áreas de lazer na região central e unidades de
tratamento de esgoto.
"A cidade teve um
crescimento forte e desordenado. A periferia ficou 40 anos sem investimentos.
Os 12 anos da experiência do orçamento participativo é uma forma de corrigir
essa trajetória, mas nós estamos sempre pensando em possibilidades de aumentar
a participação popular, não importa a classe social do cidadão", diz
Kátia.
No Jardim Cumbica, na periferia
de Guarulhos, na entrada do Centro de Educação Unificado (CEU) equipado com
quadra esportiva e até piscinas novas e com um teatro em construção, a dona de
casa Lena Cláudia diz, ao chegar para uma reunião de pais e mestres, que a
escola é um bom exemplo na cidade. "O povo pôde escolher, o governo só vai
saber o que o povo precisa se perguntar para a gente."
Desde 2001, foram feitas 1.400
obras em Guarulhos oriundas de decisões populares. No ano passado, 5.000
pessoas presentes nas plenárias do OP na cidade elegeram 126 projetos, que
estão em fase de estudos pela prefeitura e devem ser entregues em até dois
anos. A maior parte das demandas, 43, ainda é relacionada a obras de
infraestrutura, como pavimentação de ruas e ligações de esgoto. Mas as
cobranças têm mudado ao longo do ano. "Temos tido mais demandas nas áreas
de cultura e lazer, segurança e mobilidade e transportes do que no
passado", comenta Kátia.
Uma das cidades pioneiras na
adoção do orçamento participativo no Brasil junto com Porto Alegre, Belo
Horizonte comemora 20 anos da prática neste ano. Na capital mineira há duas
maneiras de o cidadão participar das decisões sobre como gastar parte dos
recursos financeiros municipais: uma é por meio das tradicionais reuniões e
plenárias; a outra é através da internet, com votação em sistema on-line,
usando o título de eleitor.
A prefeitura separou R$ 50
milhões para o Orçamento Participativo Digital neste ano. Quase dez mil
belo-horizontinos usaram seus computadores, ou aplicativos específicos para
tablets e smartphones, para escolher a reurbanização e modernização de 18
espaços públicos da cidade. "Com a tecnologia esperamos mais participação.
Agora estamos indo a campo para consultar as comunidades, depois técnicos vão
percorrer os espaços para fazer o esboço das intervenções, o projeto executivo
e, ato contínuo, a abertura da licitação e a execução da obra", conta Pier
Senesi.
Link para o estudo (em inglês): www.migre.me/hJsYl
Luciano Máximo – 11.02.2014