Desde o início da
crise, em seis anos de colapso neoliberal, o Brasil criou cerca de 14 milhões
de empregos - sendo 1,1 milhão no ano passado.
Saul Leblon
A
expressão ‘siga o dinheiro’, comum em filmes policiais, ilustra a percepção
correta, adiantada por Adam Smith, de que a moeda desenha estradas invisíveis
na sociedade.
Rastreando-as
é possível desvendar aquilo que não se oferece imediatamente à vista.
Pelos
caminhos do dinheiro circulam desde carregamentos lícitos, como safras, a
armamentos, sonegações fiscais, drogas, favores políticos e outras miunças.
Os
bancos são o entreposto de serviços desse trânsito.
Ademais
de concederem abrigo seguro e rentável ao fluxo –eventualmente
lavá-lo das marcas do caminho-- tem o poder de gerar e direcionar novos volumes
de tráfego, em emissões de crédito desdobradas da carga ociosa em seus
depósitos.
Esse
notável replicador conecta-se a outros entroncamentos por onde o dinheiro
graúdo viaja em primeiro classe, engordando sua existência (às
vezes acometida de emagrecimentos súbitos causados pela gula tóxica).
O
conjunto forma o que se chama de sistema financeiro.
Pelo
calibre dos interesses que reúne, a abrangência da ramificação e o poder
de influencia que exerce , constitui uma espécie de governo invisível da
sociedade.
O
governo invisível não quer a reeleição de Dilma.
Pesquisa
feita com duas dezenas de expressivos dirigentes dessa constelação, ao abrigo
do anonimato, como manda o ofício, constata que o ‘Setor financeiro quer
mudança no Planalto’, informa o jornal Valor Econômico desta 3a feira (21.01.2014).
As
relações entre o governo invisível e o visível (qualquer que seja ele)
desenvolvem-se em um amplo gradiente.
Oscilam
da extrema cordialidade a variados graus de inevitáveis
fricções, em se tratando de duas ordens distintas se representação
do mosaico social.
O
governo invisível acha que o governo Dilma atrapalha o seu sistema viário -
ainda que longe de comprometer o valor corrigido e real da frota, como atestam
as taxas de juros do país, entre as três mais altas do mundo.
Prefere-se,
indica o Valor, que o Estado seja gerido por centuriões de integral
confiança, a exemplo daqueles que assessoram Aécio Neves, como o ex-presidente
do BC tucano, Armínio Fraga; ou o economista Gianetti Fonseca, ligado a
Marina Silva e Campos.
Em
síntese, gente que aplique como se deve a regra do tripé, a saber:
inflação
na meta (leia-se, juros altos); câmbio livre (leia-se, nenhum controle sobre o
fluxo volátil de capitais) e equilíbrio fiscal (leia-se, arrocho para garantir
os juros dos rentistas).
A esse
conjunto, o naipe liberal credita a chave da ‘estabilidade econômica’.
A
quebra especulativa do sistema financeiro mundial sugere que o sagrado
tridente com o qual o governo invisível pretende tanger o visível não
entrega necessariamente o que promete.
O
problema da instabilidade do capitalismo mostrou-se mais uma vez inerente
ao próprio sucesso do sistema que encoraja ditos agentes racionais e alçarem
voos cada vez mais cego, altos e inseguros.
A
ausência de regulação disciplinadora levou-os na crise recente de volta às
correntezas de vento exploradas originalmente pelo charlatão italiano
Charles Ponzi.
Imigrante
pobre nos EUA dos anos 20, Ponzi descobriu que podia fazer uma espécie de
arbitragem com a diferença de preços dos selos, mais caros nos EUA que na
Europa.
Nasceria
assim o bisavô do atual carry trade ( aplicação financeira que consiste em
tomar dinheiro a uma taxa de juros em um país e aplicá-lo em outro, de taxas
maiores).
Ponzi
captava dinheiro nos EUA para comprar selos na Europa e revendê-los no mercado
americano.
A
diferença era embolsada pelo investidor com a promessa de rendimentos
trimestrais que oscilavam de 50% a até 100%.
O
negócio floresceu rapidamente gerando filas na porta de Ponzi, que
contratou dezenas de agentes captadores movidos promessas de bônus
milionários.
A roda
da bicicleta passou a girar como se imagina.
De uma
captação inicial da ordem de US$ 6 mil, em fevereiro de 1920, saltaria para a
faixa dos US$ 400 mil em maio.
Dois
meses depois transitava na casa dos seis zeros.
Ponzi
descobriu que ganharia mais sem desperdiçar recursos com os selos.
Abaixo
os intermediários: pagava a fila de ontem com os recursos captados hoje.
No
final de 1920, o negócio foi desmascarado, levou milhares à ruína e Ponzi à cadeia,
como charlatão financeiro.
Poucos
se deram conta de que estava ali também um filho típico daqueles tempos
de sucesso inebriante dos mercados financeiros sem lei.
O
sentido ficou mais claro nove anos mais tarde quando a Bolsa de Nova Iorque
quebrou deflagrando uma crise mundial da qual o capitalismo só se livrou com
a Segunda Guerra.
A
memória seletiva dos rapazes do mercado e dos vulgarizadores da superior
eficiência dos livres mercados ajuda a entender como depois quase
um século, a bicicleta girou em falso novamente, dando um tombo global no
mercado em 2007/2008.
Sucessores
avulsos de Ponzi ,como Bernard Maddoff, estavam presentes. Mas,
sobretudo, uma miríade institucional.
O que
são, afinal, os derivativos a não ser fundos indexados a outros
fundos, cujo lastro efetivo repousa sobre material de qualidade tão sofrível
quanto os selos- fantasia de Ponzi? Ou o recheio das sub-primes do boom
imobiliário norte-americano?
A
banca brasileira –e seus p0rta-interesses na mídia e na política-- considera
que a intervenção disciplinadora do Estado nos mercados compromete a
eficiência e corrói a estabilidade do sistema.
Prefere
Dilma fora e a lubrificação do país por gente do ramo.
A
Depressão norte-americana de 1929 esfarelou a indústria e despejou metade da
mão de obra na rua.
Seis
anos após o colapso de 2008 da ordem neoliberal, a OIT informa que existe um
estoque de 202 milhões de desempregados no mundo (62 milhões
adicionados pela crise); 839 milhões de trabalhadores vivem com menos de US$
2/dia e 48% do emprego atual é precário.
Vai
piorar: espera-se um acréscimo de mais 13 milhões de demitidos à legião
disponível até 2018.
O
Brasil criou cerca de 14 milhões de empregos desde o início da crise
mundial (sendo 1,1 milhão no ano passado, saldo carimbado como um
fracasso pelo jornalismo isento).
Os
bancos preferem o modelo de estabilidade espanhol: 26% de taxa de
desemprego.
Jornais,
a exemplo da Folha, já cogitaram seriamente Ruanda (45% de taxa de pobreza)
como referência de país ‘top reformer’ –um dos mais receptivos a
mudanças amigáveis ao ambiente dos negócios.
A
saúde dos mercados e a deriva da sociedade, como se vê, não soam
contraditórias a certa concepção de estabilidade.
Antes,
exprimem uma tendência mais geral de um capitalismo que deixado à própria
sorte, mais que nunca vai operar em condições de baixa demanda efetiva, elevado
desemprego e especulação solta na esfera financeira.
Ademais
dos candidatos sabidos, a disputa de outubro coloca em confronto essas duas concepções
de governo: a visível e a invisível.
Saul Leblon – 22.01.2014