sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O caminho da inclusão


Se existe algum bem na polarização das últimas eleições é que ela mostra os conflitos reais que racham a sociedade contemporânea brasileira: a contradição entre as classes sócias no projeto de construção de uma sociedade para 20% e o projeto inconcluso e incipiente de um Brasil para a maioria da população. A segunda “abolição da escravatura” - hoje não mais de uma raça, mas de uma grande classe de excluídos - proposta por Joaquim Nabuco há mais de cem anos é hoje mais atual que nunca. (...)  A última década de crescimento econômico brasileiro, depois de 30 anos de estagnação, foi obra do esforço e do trabalho da parte de baixo da população, que logrou dinamizar a economia e a sociedade como um todo. Com um mínimo de estímulo, foram as classes populares e voluntariosas que encheram de estímulo e vigor uma sociedade estagnada e decadente.

Jessé de Souza
O Brasil de hoje está diante de nova escolha histórica que pode decidir seu futuro.
Essa escolha se refere a dois modelos de sociedade distintos. O primeiro, que ainda é o dominante, foi gestado em outro momento decisivo de nossa história, um desses momentos raros em que a escolha entre caminhos alternativos possíveis se realiza e se congela depois em uma espécie de “destino” para as gerações futuras. Esse momento foi o golpe de 1964 e das forças que o apoiaram, que optou por construir um modelo de moderna sociedade de consumo para 20% da população. Essa opção histórica foi consolidada nos anos 1990 com o governo FHC.
O segundo modelo representa o anseio das forças derrotadas em 1964 por uma sociedade mais inclusiva. Modelo esse que vingou na esfera política nos últimos 12 anos, ainda que longe de deter a hegemonia na esfera pública que constrói a “opinião pública” e, portanto, não detém o efetivo controle da prática econômica e social. Afinal, existem limites claros para um Estado reformador em meio a uma sociedade conservadora. Ainda que esse segundo modelo tenha conseguido incluir, de modo precário e instável, outros 20% adicionais da população no mercado de consumo e reduzido formas extremas de miséria material, seu desenvolvimento se deu de modo errático, incompleto, sem efetivo planejamento e ao sabor das conjunturas. A fragilidade das conquistas realizadas pelo segundo modelo é explicada pela manutenção da força social e econômica do modelo anterior, as quais se mantiveram intocadas mesmo depois da eventual perda do poder político.
Para que compreendamos a força inabalada do modelo dominante, mesmo com a perda eventual do poder político, é preciso compreender como funciona a íntima e orgânica relação entre economia e a política. A pedra de toque para que possamos perceber esse jogo, sempre mantido cuidadosamente nas sombras, é o mote da “corrupção e ineficiência estatal” contraposta à suposta virtude e eficiência do mercado. Essa é, na realidade, a “única bandeira” de legitimação do modelo excludente de sociedade ainda no poder real. Esse é, afinal, o único pretexto por meio do qual os interesses mais privados do 1% mais rico podem ser travestidos em suposto interesse geral.
Na verdade, o mercado capitalista, aqui e em qualquer lugar, sempre foi uma forma de “corrupção organizada”, começando com o controle dos mais ricos acerca da própria definição de crime: criminoso passa a ser o funcionário do Estado ou o batedor de carteira pobre enquanto o especulador de Wall Street – a matriz da Avenida Paulista - que frauda balanços de empresas e países e arruína o acionista minoritário embolsa, hoje mais que antes da crise, bônus milionários.
Enquanto os primeiros vão para a cadeia, o segundo, que às vezes arrasa a economia de países inteiros, ganha foto na capa da Time como financista do ano.
Quem é que ganha, na verdade, com a corrupção tornada legal do mercado e celebrada como mérito? É isso que o cidadão feito de tolo não vê.
(...)
Para continuar a leitura, acesse  http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,o-caminho-da-inclusao,1582278








Jessé de Souza – Doutor em Sociologia pela Universidade de Heidelberg, na
Alemanha, e professor titular da Universidade Federal Fluminense – 25.10.2014

IN O Estado de São Paulo.