segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Sob o domínio do capital. Estrangeiro


Ensino superior privado no Brasil apresenta cenário de concentração e domínio de investimentos de fundos internacionais. Como isso pode influenciar a qualidade da educação?

Felipe Rousselet e Glauco Faria
No dia 22 de abril deste ano, foi anunciada a fusão das empresas Kroton Educacional S.A. e Anhanguera Educacional, uma transação que resultou em uma companhia cujo valor de mercado é estimado em R$ 14,1 bilhões. No total, o grupo passa a contar com 800 unidades de ensino superior e 810 escolas privadas associadas à educação básica, distribuídas em todos os estados do Brasil. Ainda que a efetivação da negociação esteja condicionada à aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), trata-se de uma sinalização forte de uma mudança que vem ocorrendo há alguns anos no ensino superior brasileiro, com a financeirização, movida pelo capital estrangeiro, exercendo um papel relevante nesta nova etapa de concentração das empresas do setor educacional no Brasil.
A criação da companhia foi divulgada alguns dias depois de o Cade ter autorizado a aquisição da Unifec, controladora da Universidade do Grande ABC, pela Anhanguera, anunciada em 2011. Dois anos antes, o fundo estadunidense Advent International havia comprado 28% da Kroton, que depois adquiriu a Iuni Educacional. Uma engenharia sofisticada que resultou na formação daquele que é considerado hoje o maior conglomerado da área educacional do mundo. O modelo societário da nova empresa, a Kroton Educacional, estabelece que, dos 24,1% de ações do bloco de controle, 57,48% ficarão a cargo da Kroton, e 42,52% com os acionistas da Anhanguera. Já os demais 75,9% do capital serão pulverizados no mercado. Rodrigo Galindo, atual presidente da Kroton, continuará à frente da nova companhia, enquanto Gabriel Mário Rodrigues, fundador da Universidade Anhembi Morumbi e presidente do Conselho de Administração da rede de universidades Anhanguera, será o chefe deste conselho.
“A Kroton tem por origem o Pitágoras, de Minas Gerais, e depois se juntou com  o grupo Iuni, do Brasil central, e constituiu este aglomerado que se chamou Kroton e que tem um fundo de capital estrangeiro que injeta dinheiro e abriu as ações para o mercado internacional”, conta Celso Napolitano, presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo. “A Anhanguera começou com um conjunto de faculdades isoladas, que tinham esse nome exatamente porque se localizavam nas cidades ao longo da rodovia Anhanguera. Também, a partir daí, foi organizada financeiramente pelo banco Pátria, e no momento de abrir o capital, rodaram o mundo captando dinheiro de vários lugares. Então, na verdade, o que existe nesse cenário é a inserção de capital estrangeiro nesses grupos multinacionais, abertos ou fechados.”
As mudanças na educação superior ganharam força após a redemocratização, em especial depois da promulgação da constituição de 1988, que disciplinou o princípio de autonomia universitária, criando um instrumento importante para as instituições privadas que era a possibilidade de não estar sob a guarda do controle burocrático do antigo Conselho Federal de Educação (CFE), principalmente em relação à criação e extinção de cursos nas sedes e ao remanejamento do número de vagas oferecidas, conforme lembra Helena Sampaio, antropóloga e professora da Faculdade de Educação da Unicamp, no artigo “O setor privado de ensino superior no Brasil: continuidades e transformações”, publicado na Revista Ensino Superior Unicamp. “Essa prerrogativa permitiu à iniciativa privada responder de forma   mais rápida ao atendimento da demanda. Entre 1985 e 1996, o número de universidades privadas mais do que triplicou (de 20 para 64), evidenciando a percepção do setor de que instituições maiores e autônomas, com uma oferta mais diversificada de cursos, teriam vantagens competitivas na disputa da clientela em um mercado estagnado”, diz. “Consistentemente, à medida que o número de universidades particulares crescia, o de estabelecimentos isolados diminuía, evidenciando processos de fusão e/ou incorporação de instituições no setor.”







Felipe Rousselet e Glauco Faria – Agosto de 2013
In Revista Fórum, ed. 124.