quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A delinqüência acadêmica


O problema significativo a ser colocado é o nível de responsabilidade social dos professores e pesquisadores universitários. A não preocupação com as finalidades sociais do conhecimento produzido se constitui em fator de “delinqüência acadêmica” ou da “traição do intelectual”. Em nome do “serviço à comunidade”, a intelectualidade universitária se tornou cúmplice do genocídio, espionagem, engano e todo tipo de corrupção dominante, quando domina a “razão do Estado” em detrimento do povo.

Maurício Tragtenberg
O tema é amplo: a relação entre a dominação e o saber, a relação entre o intelectual e a universidade como instituição dominante ligada à dominação, a universidade antipovo.
A universidade está em crise. Isto ocorre porque a sociedade está em crise; através da crise da universidade é que os jovens funcionam detectando as contradições profundas do social, refletidas na universidade. A universidade não é algo tão essencial como a linguagem; ela é simplesmente uma instituição dominante ligada à dominação. Não é uma instituição neutra; é uma instituição de classe, onde as contradições de classe aparecem. Para obscurecer esses fatores ela desenvolve uma ideologia do saber neutro, científico, a neutralidade cultural e o mito de um saber “objetivo”, acima das contradições sociais.
No século passado, período do capitalismo liberal, ela procurava formar um tipo de “homem” que se caracterizava por um comportamento autônomo, exigido por suas funções sociais: era a universidade liberal humanista e mandarinesca. Hoje, ela forma a mão-de-obra destinada a manter nas fábricas o despotismo do capital; nos institutos de pesquisa, cria aqueles que deformam os dados econômicos em detrimento dos assalariados; nas suas escolas de direito forma os aplicadores da legislação de exceção; nas escolas de medicina, aqueles que irão convertê-la numa medicina do capital ou utilizá-la repressivamente contra os deserdados do sistema. Em suma, trata-se de “um complô de belas almas” recheadas de títulos acadêmicos, de um doutorismo substituindo o bacharelismo, de uma nova pedantocracia, da produção de um saber a serviço do poder, seja ele de que espécie for.
Na instância das faculdades de educação, forma-se o planejador tecnocrata a quem importa discutir os meios sem discutir os fins da educação, confeccionar reformas estruturais que na realidade são verdadeiras “restaurações”. Formando o professor-policial, aquele que supervaloriza o sistema de exames, a avaliação rígida do aluno, o conformismo ante o saber professoral. A pretensa criação do conhecimento é substituída pelo controle sobre o parco conhecimento produzido pelas nossas universidades, o controle do meio transforma-se em fim, e o “campus” universitário cada vez mais parece um universo concentracionário que reúne aqueles que se originam da classe alta e média, enquanto professores, e os alunos da mesma extração social, como “herdeiros” potenciais do poder através de um saber minguado, atestado por um diploma.
A universidade classista se mantém através do poder exercido pela seleção dos estudantes e pelos mecanismos de nomeação de professores. Na universidade mandarinal do século passado o professor cumpria a função de “cão de guarda” do sistema: produtor e reprodutor da ideologia dominante, chefe de disciplina do estudante. Cabia à sua função professoral, acima de tudo, inculcar as normas de passividade, subserviência e docilidade, através da repressão pedagógica, formando a mão-de-obra para um sistema fundado na desigualdade social, a qual acreditava legitimar-se através da desigualdade de rendimento escolar; enfim, onde a escola “escolhia” pedagogicamente os “escolhidos” socialmente.
A transformação do professor de “cão de guarda” em “cão pastor” acompanha a passagem da universidade pretensamente humanista e mandarinesca à universidade tecnocrática, onde os critérios lucrativos da empresa privada, funcionarão para a formação das fornadas de “colarinhos brancos” rumo às usinas, escritórios e dependências ministeriais. É o mito da assessoria, do posto público, que mobiliza o diplomado universitário.
A universidade dominante reproduz-se mesmo através dos “cursos críticos”, em que o juízo professoral aparece hegemônico ante os dominados: os estudantes. Isso se realiza através de um processo que chamarei de “contaminação”. O curso catedrático e dogmático transforma-se num curso magisterial e crítico; a crítica ideológica é feita nos chamados “cursos críticos”, que desempenham a função de um tranqüilizante no meio universitário. Essa apropriação da crítica pelo mandarinato universitário, mantido o sistema de exames, a conformidade ao programa e o controle da docilidade do estudante como alvos básicos, constitui-se numa farsa, numa fábrica de boa consciência e delinqüência acadêmica, daqueles que trocam o poder da razão pela razão do poder. Por isso é necessário realizar a crítica da crítica-crítica, destruir a apropriação da crítica pelo mandarinato acadêmico. Watson demonstrou como, nas ciências humanas, as pesquisas em química molecular estão impregnadas de ideologia. Não se trata de discutir a apropriação burguesa do saber ou não-burguesa do saber, mas sim a destruição do “saber institucionalizado”, do “saber burocratizado” como único “legítimo”. A apropriação universitária (atual) do conhecimento é a concepção capitalista de saber, onde ele se constitui em capital e toma a forma nos hábitos universitários.
A universidade reproduz o modo de produção capitalista dominante não apenas pela ideologia que transmite, mas pelos servos que ela forma. Esse modo de produção determina o tipo de formação através das transformações introduzidas na escola, que coloca em relação mestres e estudantes. O mestre possui um saber inacabado e o aluno uma ignorância transitória, não há saber absoluto nem ignorância absoluta. A relação de saber não institui a diferença entre aluno e professor, a separação entre aluno e professor opera-se através de uma relação de poder simbolizada pelo sistema de exames – “esse batismo burocrático do saber”. O exame é a parte visível da seleção; a invisível é a entrevista, que cumpre as mesmas funções de “exclusão” que possui a empresa em relação ao futuro empregado. Informalmente, docilmente, ela “exclui” o candidato. Para o professor, há o currículo visível, publicações, conferências, traduções e atividade didática, e há o currículo invisível – esse de posse da chamada “informação” que possui espaço na universidade, onde o destino está em aberto e tudo é possível acontecer. É através da nomeação, da cooptação dos mais conformistas (nem sempre os mais produtivos) que a burocracia universitária reproduz o canil de professores. Os valores de submissão e conformismo, a cada instante exibidos pelos comportamentos dos professores, já constituem um sistema ideológico. Mas, em que consiste a delinqüência acadêmica?
A “delinqüência acadêmica” aparece em nossa época longe de seguir os ditames de Kant: “Ouse conhecer.” Se os estudantes procuram conhecer os espíritos audazes de nossa época é fora da universidade que irão encontrá-los. A bem da verdade, raramente a audácia caracterizou a profissão acadêmica. Os filósofos da revolução francesa se autodenominavam de “intelectuais” e não de “acadêmicos”. Isso ocorria porque a universidade mostrara-se hostil ao pensamento crítico avançado. Pela mesma razão, o projeto de Jefferson para a Universidade de Virgínia, concebida para produção de um pensamento independente da Igreja e do Estado (de caráter crítico), fora substituído por uma “universidade que mascarava a usurpação e monopólio  da riqueza, do poder”. Isso levou os estudantes da época a realizarem programas extracurriculares, onde Emerson fazia-se ouvir, já que o obscurantismo da época impedia a entrada nos prédios universitários, pois contrariavam a Igreja, o Estado e as grandes “corporações”, a que alguns intelectuais cooptados pretendem que tenham uma “alma”.[1]
Em nome do “atendimento à comunidade”, “serviço público”, a universidade tende cada vez mais à adaptação indiscriminada a quaisquer pesquisas a serviço dos interesses econômicos hegemônicos; nesse andar, a universidade brasileira oferecerá disciplinas como as existentes na metrópole (EUA): cursos de escotismo, defesa contra incêndios, economia doméstica e datilografia em nível de secretariado, pois já existe isso em Cornell, Wisconson e outros estabelecimentos legitimados. O conflito entre o técnico e o humanismo acaba em compromisso, a universidade brasileira se prepara para ser uma “multiversidade”, isto é, ensina tudo aquilo que o aluno possa pagar. A universidade, vista como prestadora de serviços, corre o risco de enquadrar-se numa “agência de poder”, especialmente após 68, com a Operação Rondon e sua aparente democratização, só nas vagas; funciona como tranqüilidade social. O assistencialismo universitário não resolve o problema da maioria da população brasileira: o problema da terra.
A universidade brasileira, nos últimos 15 anos, preparou técnicos que funcionaram como juízes e promotores, aplicando a Lei de Segurança Nacional, médicos que assinavam atestados de óbito mentirosos, zelosos professores de Educação Moral e Cívica garantindo a hegemonia da ideologia da “segurança nacional” codificada no Pentágono.
O problema significativo a ser colocado é o nível de responsabilidade social dos professores e pesquisadores universitários. A não preocupação com as finalidades sociais do conhecimento produzido se constitui em fator de “delinqüência acadêmica” ou da “traição do intelectual”. Em nome do “serviço à comunidade”, a intelectualidade universitária se tornou cúmplice do genocídio, espionagem, engano e todo tipo de corrupção dominante, quando domina a “razão do Estado” em detrimento do povo. Isso vale para aqueles que aperfeiçoam secretamente armas nucleares (M.I.T.), armas químico-biológicas (Universidade da Califórnia, Berkeley), pensadores inseridos na Rand Corporation, como aqueles que, na qualidade de intelectuais com diploma acreditativo, funcionam na censura, na aplicação da computação com fins repressivos em nosso país. Uma universidade que produz pesquisas ou cursos a quem é apto a pagá-los perde o senso da discriminação ética e da finalidade social de sua produção – é uma multiversidade que se vende no mercado ao primeiro comprador, sem averiguar o fim da encomenda, isso coberto pela ideologia da neutralidade do conhecimento e seu produto.
Já na década de 30, Frederic Lilge[2] acusava a tradição universitária alemã da neutralidade acadêmica de permitir aos universitários alemães a felicidade de um emprego permanente, escondendo a si próprios a futilidade de suas vidas e seu trabalho. Em nome da “segurança nacional”, o intelectual acadêmico despe-se de qualquer responsabilidade social quanto ao seu papel profissional, a política de “panelas” acadêmicas de corredor universitário e a publicação a qualquer preço de um texto qualquer se constituem no metro para medir o sucesso universitário. Nesse universo não cabe uma simples pergunta: o conhecimento a quem e para que serve? Enquanto este encontro de educadores, sob o signo de Paulo Freire, enfatiza a responsabilidade social do educador, da educação não confundida com inculcação, a maioria dos congressos acadêmicos serve de “mercado humano”, onde entram em contato pessoas e cargos acadêmicos a serem preenchidos, parecidos aos encontros entre gerentes de hotel, em que se trocam informações sobre inovações técnicas, revê-se velhos amigos e se estabelecem contatos comerciais.
Estritamente, o mundo da realidade concreta e sempre muito generoso com o acadêmico, pois o título acadêmico torna-se o passaporte que permite o ingresso nos escalões superiores da sociedade: a grande empresa, o grupo militar e a burocracia estatal. O problema da responsabilidade social é escamoteado, a ideologia do acadêmico é não ter nenhuma ideologia, faz fé de apolítico, isto é, serve à política do poder.
Diferentemente, constitui, um legado da filosofia racionalista do século XVIII, uma característica do “verdadeiro” conhecimento o exercício da cidadania do soberano direito de crítica questionando a autoridade, os privilégios e a tradição. O “serviço público” prestado por estes filósofos não consistia na aceitação indiscriminada de qualquer projeto, fosse destinado à melhora de colheitas, ao aperfeiçoamento do genocídio de grupos indígenas a pretexto de “emancipação” ou política de arrocho salarial que converteram o Brasil no detentor do triste “record” de primeiro país no mundo em acidentes de trabalho. Eis que a propaganda pela segurança no trabalho emitida pelas agências oficiais não substitui o aumento salarial.
O pensamento está fundamentalmente ligado à ação. Bergson sublinhava no início do século a necessidade do homem agir como homem de pensamento e pensar como homem de ação. A separação entre “fazer” e “pensar” se constitui numa das doenças que caracterizam a delinqüência acadêmica – a análise e discussão dos problemas relevantes do país constitui um ato político, constitui uma forma de ação, inerente à responsabilidade social do intelectual. A valorização do que seja um homem culto está estritamente vinculada ao seu valor na defesa de valores essenciais de cidadania, ao seu exemplo revelado não pelo seu discurso, mas por sua existência, por sua ação.
Ao analisar a “crise de consciência” dos intelectuais norte-americanos que deram o aval da “escalada” no Vietnã, Horowitz notara que a disposição que eles revelaram no planejamento do genocídio estava vinculada à sua formação, à sua capacidade de discutir meios sem nunca questionar os fins, a transformar os problemas políticos em problemas técnicos, a desprezar a consulta política, preferindo as soluções de gabinete, consumando o que definiríamos como a traição dos intelectuais. É aqui onde a indignidade do intelectual substitui a dignidade da inteligência.
Nenhum preceito ético pode substituir a prática social, a prática pedagógica.
A delinqüência acadêmica se caracteriza pela existência de estruturas de ensino onde os meios (técnicas) se tornam os fins, os fins formativos são esquecidos; a criação do conhecimento e sua reprodução cede lugar ao controle burocrático de sua produção como suprema virtude, onde “administrar” aparece como sinônimo de vigiar e punir – o professor é controlado mediante os critérios visíveis e invisíveis de nomeação; o aluno, mediante os critérios visíveis e invisíveis de exame. Isso resulta em escolas que se constituem em depósitos de alunos, como diria Lima Barreto em “Cemitério de Vivos”.
A alternativa é a criação de canais de participação real de professores, estudantes e funcionários no meio universitário, que oponham-se à esclerose burocrática da instituição.
A autogestão pedagógica teria o mérito de devolver à universidade um sentido de existência, qual seja: a definição de um aprendizado fundado numa motivação participativa e não no decorar determinados “clichês”, repetidos semestralmente nas provas que nada provam, nos exames que nada examina, mesmo porque o aluno sai da universidade com a sensação de estar mais velho, com um dado a mais: o diploma acreditativo que em si perde valor na medida em que perde sua raridade.
A participação discente não constitui um remédio mágico aos males acima apontados, porém a experiência demonstrou que a simples presença discente em colegiados é fator de sua moralização.


[1] Kaysen pretende atribuir uma “alma”à corporação multinacional; esta parece não preocupar-se com tal esforço construtivo do intelectual.
[2] Frederic LILGE, The Abuse of Learning: The Failure of German University. Macmillan, New York, 1948


Maurício Tragtenberg – Sociólogo e Professor – 1978
Artigo apresentado no I Seminário de Educação Brasileira, realizado em 1978, em Campinas-SP. Publicado em: TRAGTENBERG, M. Sobre Educação, Política e Sindicalismo. São Paulo: Editores Associados; Cortez, 1990, 2ª ed. – Coleção teoria e práticas sociais, vol 1.
IN “Jornal do Porão” – http://jornaldoporao.wordpress.com/tag/mauricio-tragtemberg/



segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Robert Dahl as mentor


The essay below, on Robert Dahl’s role as mentor and his intellectual relationship with the left was written by Jeff Isaac, professor of political science at the University of Indiana in Bloomington and editor of Perspectives on Politics.

Jeffrey Isaac
I first met Bob Dahl in the fall of 1979 when, as a new graduate student in the Yale political science department, I enrolled in what I came to learn was his most “famous” seminar: “Democracy and its Critics” (Bob’s 1991 book “Democracy and its Critics” shares the basic structure of the seminar). While I had not previously met the man, I was familiar with some of his work, especially “Who Governs?,” and also familiar with his reputation as a “pluralist.” Having studied at Queens College, CUNY with a group of brilliant left-wing professors, I was steeped in neo-Marxism and eager to learn everything I could, and also to argue as much as I could, especially with “pluralists.”
The first thing I encountered in Dahl’s class was his calm smile and his genuine pleasure at all manner of questioning, criticizing and arguing. The first thing I learned in his class was that “democratic theory” was challenging, and interesting, and here was a place where I could really engage the topic with one of its foremost experts. The second thing took a bit longer to learn: That this guy asked really hard questions and was possessed by a depth of thinking and an extraordinary range of knowledge that defied the label “pluralist.” The third thing I learned came rather quickly: This world famous “expert” put on no airs, claimed no intellectual privileges and was extraordinarily down to earth. This guy was no “corporate liberal” (another pejorative of my youth). He genuinely seemed to walk the talk of “democracy,” in the classroom, in the world of Brewster Hall where the political science department he helped to create was housed, and in the world.
I was an energetic, fast-talking, left-wing kid from Queens, a first generation college student drawn to “radical democracy” and “radical political economics” and “radical sociology” and radical politics. I often felt out of place at Yale. But I never felt out of place in Dahl’s classroom or in his office. He welcomed me. He welcomed my incredulity and my critical questions. He welcomed me with a unique combination of utter seriousness and warm-hearted humor. I learned so much in “Democracy and its Critics,” and in his follow-up seminar the next year on “Worker’s Control and Democracy.” I learned an enormous amount about democratic theory, about the workings and the limits of actual liberal democracies — oops, I mean polyarchies! — and about the importance of asking hard questions and of linking empirical and normative inquiry. And I was still unconvinced by either Dahl’s social scientific empiricism or his seemingly sanguine view of the play of interests in societies like our own.
And so I decided to write a dissertation critiquing this empiricism and this “pluralism” and forwarding an explicitly Marxist alternative. A number of my Yale professors were puzzled and indeed skeptical about such a project. Only one was enthusiastic: Bob Dahl. And so Bob Dahl supervised my dissertation, “Power and Marxist Theory” (published, revised, by Cornell University Press in 1987 as “Power and Marxist Theory: A Realist View”). And so Bob Dahl invested countless hours in reading all kinds of material that was far from his comfort zone — Nicos Poulantzas’s “Political Power and Social Classes,” Roy Bhaskar’s “A Realist Theory of Science,” Anthony Giddens’s “A Contemporary Critique of Historical Materialism” — so that he could talk with me about what I was interested in. And so Bob Dahl spent countless hours in his office talking with me about my principal theoretical antagonist—him! We would discuss this guy “Dahl” in the third person, considering the limits of his arguments, speculating about how he might respond to my arguments. This really happened.
For two years. I wrote a dissertation, and then a book, that delivered what I then thought was a “fundamental” critique of Dahl’s democratic theory. And Dahl was my biggest supporter! He supported me with real intellectual engagement and with genuine warmth and humor. He did not coddle me (I am not the coddling type). He often conceded that some of the things I was writing were interesting. He sometimes indicated that I was making a strong argument—and he would always advise me on how to make it stronger. He never told me that he “bought” my overall thesis. Because he didn’t buy it, and I knew that and he knew that I knew that. He simply welcomed me as an interlocutor, and respected me as my own person, and offered me that fine balance of criticism and support that is necessary if a graduate student is to come into his or her own and to complete a dissertation in a meaningful way.
I completed my dissertation and received my doctorate in 1983. I then got a job teaching at Fordham University and eventually set about the task of revising my dissertation for publication as a book. As I undertook these revisions, I discovered that in some important respects I was beginning to rethink aspects of the neo-Marxism that had grounded my work in graduate school. My book contains a final chapter that was not part of the dissertation. This chapter bears a tortured relationship to the rest of the book. In it I gesture towards a perspective that could be better characterized by the adjective democratic than the adjective Marxist. What I had discovered was that my agonistic dialogue with Bob Dahl persisted, a permanent feature of my own mental landscape. I realized that I had learned more from him, taken more from him, than I had ever imagined possible or was even aware of at the time. This was the first time I experienced something that I have often experienced—the insight that something I was thinking or writing could be traced to my conversations with Bob long ago, to questions posed to me back then by him, or to things I had learned through the arduous process of thinking with and against him.
Douglas Martin’s New York Times obituary on Bob (Feb. 7, 2014) states that Bob taught generations of students how to think about politics and power, and that his conceptions thus became “standard.” It is true that Bob taught many generations of students. It is also true that he had conceptions, and that he shared them with his students. But these conceptions were never treated as standard. There was no “Dahlean political science” to be learned from Dahl, except this: think hard; work hard; engage the range of arguments; care as much about what is actually happening in the world as about any concept, method or theory; and think for yourself and do your own work.
To this day, people are sometimes surprised to learn that I was Bob’s student and that “Power and Marxist Theory” was written under his supervision. But this is only because they never really knew Bob. For if they had known Bob, they would know that he really was an egalitarian, and a true intellectual, and he took delight in helping his students do their own things, and then in watching them do their own things on their own.
In 1986, the Yale political science department organized a conference in honor of Bob Dahl’s retirement. I was honored to be one of the invited speakers. I gave a deliberately provocative talk in which I argued that Bob had always been a democratic socialist but that unfortunately he had a brief period in the early sixties when he took leave of his senses, wrote his most unfortunate book — “Who Governs?,” the book for which alas he is best known! — and became known as a pluralist. Fortunately, I went on, he soon realized the error of his ways, and returned to being a critic of the U.S. political system.
The talk was half serious. Dahl loved it, he smiled throughout, and he laughed at all the right moments. One of his colleagues from the “Who Governs?” days, who I will not name, interrupted me from the floor, shouting “why don’t you take your socialism back to New York?” Bob didn’t defend me. He didn’t need to; I was quite capable of handling myself, and he knew it. But how could he? Here was one of his beloved students, facing off against another. What was he to say? I never asked him what he thought at that moment, but I’ve always suspected that he was happy, not that we were arguing over his legacy, but that we were arguing about democracy and socialism and the things about which he cared so much.
I vividly recall another experience from that 1986 retirement event in Bob’s honor. It happened over dinner, during a testimonial session. A group of Bob’s older students were sitting together at a table, and one of them rose to toast Bob. He told an off color story about one of the office secretaries “back in the day.” The story was well intentioned. It was also off. I was shocked. And then immediately, without a second to spare, one of the people at my table, Ellen Commisso, leapt up, and offered a brave and brilliant toast: “To Bob Dahl, who taught me about democracy and equality. The Bob Dahl that I studied with treated women as equals, and would never have found such a story funny.” Wow. At that moment I realized something very palpably—that there were different generations of Dahl students, and that they were very different. As I sat there at that table, with Ellen and Jennifer Hochschild and Ian Shapiro, it became clear to me that Bob really had inspired many different kinds of people — and that as the ’60s unfolded, Bob’s strong egalitarian tendencies came more strongly to the fore. I’ll bet that not many people know that one of Bob’s favorite students was the future feminist legal scholar Catherine Mackinnon, and that Mackinnon’s first book, “Sexual Harassment of Working Women,” was published by Yale University Press in 1979 after Bob suggested to the press that they should solicit and review the manuscript. This happened at the same moment that I first met Bob. I had no idea! It was only years later that I learned this story. And it did not surprise me.
The talk I presented at Bob’s retirement event was eventually revised (!) and published, as “Dilemmas of Democratic Theory,” in a festschrift edited by my friend Ian Shapiro and Grant Reher: “Power, Inequality, and Democratic Politics: Essays in Honor of Robert A. Dahl” (Westview 1988). I’d be willing to bet that few have seen this volume, for it was not well promoted, and was published at a time when top scholarly presses would not publish festschrifts. I just re-read my piece, and am shocked at how well it stands up, even if I am no longer a democratic socialist provocateur.
The basic point of that piece is simple: the view that Bob was long a pluralist defender of the American status quo, and that his writings from late 1970’s on about worker’s control, economic inequality, and the “impediments” to democracy in the U.S. represented a departure, was simply wrong. Since his earliest scholarship — his dissertation was entitled “Socialist Programs and Democratic Politics: An Analysis” — Bob had both engaged the political and theoretical traditions of the left, and been a critic of capitalism and the ways that it “impeded” democracy. Dahl’s 1986 “Democracy, Liberty, and Equality,” a collection of essays ranging from the early 1940’s to the 1980’s, illustrates the striking continuity of his concerns about the complicated relationships among capitalism, socialism, and democracy. The volume includes his first published essay, “On The Theory of Democratic Socialism” (1940), a critique of both Soviet-style economic planning and marginalist economics, and a defense of the model of market socialism developed by Oskar Lange; “Workers’ Control of Industry and the British Labor Party,” an article on exactly what its title suggests, originally published in the American Political Science Review (vol. 1, no. 5, October 1947); “Marxism and Free Parties (1948),” a nuanced critique of Marxist thinking about political parties written on the occasion of the centennial of The Communist Manifesto and originally published in Journal of Politics (vol. 10, no. 4); and articles published in the 1980’s on the theme of procedural democracy and the limits of contemporary “polyarchies.”
When Dahl published “A Preface to Economic Democracy” in 1986, he was doing nothing new, except perhaps making clearer to those less familiar with his work that these had always been his concerns. And when he published a number of essays in Dissent magazine about “Democracy in the Workplace” (1984), “Social Reality and ‘Free Markets’ (1990), and “The Ills of the System” (1993), he was simply continuing to write about the things that had always interested him. Indeed, I vividly recall one particular conversation with Bob about Irving Howe’s autobiography, “A Margin of Hope,” shortly after the book was published in 1984. Bob admired Howe and thought the book was terrific; and Bob took particular pleasure in sharing this with me, along with his support for Democratic Socialists of America, because he knew that I was a former student, and friend, of Michael Harrington, another man for whom Dahl had enormous respect.
In 2003 I was appointed chair of my department at Indiana University. For years I had corresponded with Bob about my frustrations with the department, my belief that I was better off writing for Dissent magazine, and my sense that the political science discipline had become too thoroughly professionalized (he agreed). And now I was chair of a large, research-oriented, Midwestern political science department. One of the first things I did was to invite Bob– along with his devoted wife Ann– to visit Bloomington, and to give our department’s prestigious endowed Hyneman Lecture. Bob was already in his late 80s at the time. He had never before visited Bloomington and he was not traveling much anymore. But he had been a friend of Charles Hyneman’s, and he had a talk on James Madison — a Madisonian critique of American democracy — that he wished to give. And so he came. I am certain the main reason he came was for me, because I invited him, and he knew how important it was to me and for my goals for the department that he come. He was very devoted to this former student of his; I know that I am not alone among his former students in reporting such devotion. His talk was terrific. There were two dinners, some lunches, a number of receptions. Every one of my colleagues got to meet and spend time with him. He was so engaged, so charming.
Three things stand out in my memory.
The first was how kind, gracious and warm he was to my family. He had always asked about my children. Now he was meeting them. He was a mensch, and he and Ann were wonderful to spend time with.
The second was an interval, during one of the dinners, when he and Ann went off to the side for around a half an hour to talk with Lin Ostrom and Vincent Ostrom. They talked about self-governance, and Bob’s experiences growing up in Alaska and Vincent’s experiences as a consultant for constitutional reform in Alaska. These people were not old friends. They were old colleagues. They did not know each other well. But they knew that they shared some deep commitments; that they had made major contributions to political science; and that their time was passing. It was an extraordinary, moving moment.
The third was the response of our graduate students. They simply could not believe how intellectually agile, wide-ranging, and genuinely open Bob was. He thoroughly engaged them. He represented, and personified, the best that political science can be.
Bob’s visit was the high point of my career as a political scientist.
In the intervening years I corresponded with Bob a few times a year. I saw him once at an APSA conference. I visited with him on a few occasions when my friend Ian Shapiro invited me to give talks at Yale. In the last few years the contact diminished. The last time I visited New Haven, Conn., Bob was unable to see me.
I was not surprised to learn of his passing. He was old. He lived a long and rich life. He was a towering figure in his discipline. He had a loving family. He had adventures, as a young man in Alaska, and as a still young man serving as a “point man” for his infantry battalion during WWII, for which he repeatedly went behind enemy lines to do reconnaissance. Reconnaissance: That seems appropriate.
Bob Dahl was one of a kind. He was also a member of a generation of political scientists that contributed so much to the political science discipline, and that then came to worry about the limits of that contribution and about the ways it had gone awry. Bob’s first entry into this discussion was early and rather prescient: his famous 1961 APSR article, “The Behavioral Approach in Political Science: An Epitaph for a Monument to a Successful Protest.” Bob was a proud leader of the behavioral revolution. He believed in a certain kind of scientific rigor, and he also believed that quantitative methods were an important tool of political analysis. At the same time, he was a “problem-driven” political scientist if ever there was one. He wrote on a wide range of topics—urban politics, the control of nuclear weapons, the normative bases of democratic legitimacy, economic democracy, political parties, democracy and democratization in comparative perspective. He employed a wide range of methods. He published innumerable articles and books, and wrote major books that were seminal to three subfields of political science — “A Preface to Democratic Theory” (political theory), “Who Governs?” (American politics) and “Polyarchy” (comparative politics). Indeed his work straddled and bridged the conventional subfields, none of which could encompass his thinking. His work was animated by three convictions: that the problem of democratization — the institutionalizing and deepening of democracy — is the preeminent problem of our time; that political science ought to be broad, and think big, and creatively combine empirical and normative inquiry into the problems of our time; and that political science research, if is conceived sharply and written well, can make a difference in the world.
These are personal reflections. And so I’ll end on a very personal note. Jennifer Hochschild studied with Bob Dahl in the mid-late 1970’s. I studied with Bob in the early eighties. Is it a coincidence that two of the first three editors in the history of Perspectives on Politics were students of Bob? When Jennifer and I sat together at Bob’s retirement dinner in 1986, and then contributed to his 1988 festschrift, neither of us could anticipate that she would found a journal like Perspectives, and that each of us would edit it.
But we did know that we were both students of Bob’s and that, along with the many other students of Bob’s in attendance, from across the generations, we were bearers of a special political science legacy. It is humbling to think about this. It is also empowering. Bob Dahl was a towering political scientist who was also a down to earth man and citizen. He was a mensch. And in his rich life he bequeathed to us ideas, and values, and an exemplary way of being in the world. He will be missed. And he will also always be present for those of us who had the privilege of knowing him and learning from him, and for our students, and for all who participate in the modern discipline of political science that he did so much to help to create.


Jeffrey  Isaac – Professor Isaac was an undergraduate at Queens College, CUNY, and from there went to Yale University, from which he received his Ph.D. in 1983. Since 1987 he has taught at Indiana University and lived in Bloomington. He recently served two terms as department chair (2003-2009) – 11.02.2014



sábado, 27 de dezembro de 2014

Na FAO, Graziano aposta em políticas adotadas no Brasil


Graziano – “O mundo passa hoje por uma reação ao movimento de comoditização que se seguiu à globalização. No setor de alimentos, a globalização financeira restringiu o número de produtos [cultivados e comercializados]. Quatro commodities respondem por 80% do consumo mundial de alimentos hoje: milho, trigo, soja, arroz. Inclua a batata e esse percentual vai a 90%. Ou seja, é uma concentração brutal. Produtos com importância regional foram abandonados. É o caso das leguminosas. Veja o feijão brasileiro, um produto altamente proteico, mas sem mercado internacional. Quando falta feijão no Brasil é uma dificuldade imensa achar onde comprar.”

Luciano Máximo
O título de principal formulador do programa Fome Zero e o apoio maciço dos governos brasileiro, africanos e latino-americanos deram ao agrônomo José Graziano da Silva, de 64 anos, a incumbência de conduzir os esforços globais para reverter um cenário sombrio onde ainda hoje cerca de 840 milhões de pessoas em todo o planeta aparecem sem as devidas condições de se alimentar ao menos três vezes por dia.
Alçado a diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em janeiro de 2012, Graziano chega ao terceiro ano de mandato apostando na difusão de políticas públicas de segurança alimentar adotadas no Brasil para vencer a fome no mundo.
Em um dos intervalos da 3ª Conferência Regional da FAO para América Latina e Caribe, que aconteceu no começo deste mês na capital chilena, Graziano disse ao Valor que a FAO não se priva de usar o "temperinho brasileiro" da merenda escolar fornecida por pequenos produtores, do programa de compras públicas de alimentos de agricultores familiares e da formação de empresas estatais de abastecimento (nos moldes da Conab).
Cada vez mais o organismo multilateral liderado pelo ex-ministro extraordinário de Combate à Fome do governo Lula estimula governos em todo o mundo a lançar mão dessas políticas para combater a fome. Sob a gestão de Graziano, pelo menos oito países da América Latina e do Caribe adotaram uma dessas três experiências. A seguir, os principais trechos da entrevista:
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Luciano Máximo – 23.05.2014
IN Valor Econômico.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

A militarização do sistema penitenciário brasileiro


O intenso processo de crescimento da população encarcerada no Brasil e a correspondente degradação das condições de habitabilidade das prisões criam um campo propício para o aumento das tensões entre os presos, e entre estes e as autoridades. Algumas ações voltadas para garantir a ordem e a disciplina no interior das prisões têm sido merecedoras de atenção pelo grau de militarização que representam. (...) Além dessa presença militar direta no cotidiano das prisões, observa-se a contratação de muitos policiais militares para os cargos de diretoria das unidades prisionais. Postos relevantes na hierarquia das secretarias de estado (Secretaria da Justiça, da Administração Penitenciária...) são também ocupados por policiais militares. Com muita frequência, as escolas penitenciárias recorrem aos policiais militares para a formação dos agentes em condicionamento físico e defesa pessoal.

Fernando Salla, Marcos Alvarez
Em outubro de 2012, o Massacre do Carandiru completará vinte anos. Policiais militares do estado de São Paulo, em 1992, invadiram a Casa de Detenção, localizada na capital, no bairro do Carandiru, onde acontecia um motim de presos. O Carandiru, um dos maiores presídios do mundo naquela época, abrigava cerca de 7 mil presos em instalações com capacidade aproximada para 3.200. A intervenção foi sangrenta, e o saldo, de 111 presos mortos.
Esse lamentável episódio, que até hoje não tem nenhum responsável punido, abriu momentaneamente o debate público e político sobre o papel das forças policiais militares nos presídios. Por força de lei, como responsáveis pelo policiamento preventivo e repressivo nas ruas, as forças policiais militares sempre participaram das rotinas prisionais, tanto na segurança externa (muralhas) como na escolta, no momento da remoção de um preso de um local para outro. Excepcionalmente, elas atuam na contenção de tumultos e rebeliões.
Apesar do mal-estar provocado, esse massacre não colocou um ponto final nas intervenções desastrosas de forças militares em revoltas prisionais. Pelo contrário, a impunidade dos responsáveis e a ausência de um debate político sobre esses acontecimentos estimularam direta e indiretamente a militarização do sistema penitenciário, ou seja, a tendência de tratar as questões prisionais sobretudo como problemas de segurança e de contenção, inclusive com o fortalecimento da corporação policial-militar e de seus membros na definição e aplicação de rumos para a política punitiva e para a gestão do próprio sistema penitenciário.
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Para continuar a leitura, acesse http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1126






Fernando Salla – Sociólogo, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV - USP)
Marcos Alvarez – Professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisador do NEV-USP – março de 2012
IN Le Monde Diplomatique Brasil.
  

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Censo inédito aponta violações aos direitos humanos nos manicômios judiciários do país


Um em cada quatro indivíduos em medida de segurança não deveria estar internado e 21% da população encarcerada cumpre pena além do tempo previsto. Estudo recenseou 3.989 indivíduos de 26 prisões do país.

Luciana Barreto
Passar pelos pesados portões de ferro de um manicômio judiciário é quase sempre um caminho sem volta. Entre muros e omissões, milhares de vidas seguem invisíveis aos olhos do Estado e da sociedade. Abandonados e anônimos, duplamente marginalizados - seja pelo estigma do transtorno mental seja pela situação delinquência -, os loucos infratores no Brasil sequer configuravam um número. É o que revela o primeiro mapeamento dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico do país, que identificou 3.989 pessoas internadas nas 26 unidades do país.
Mais da metade são negros, pobres e com baixa escolaridade, homens e mulheres com epilepsia, esquizofrenia, retardo mental, transtornos afetivos, de personalidade, da preferência sexual ou devido ao uso de álcool e outras drogas, segundo a classificação psiquiátrica que fundamenta os atos infracionais. Passados noventa anos da criação dos hospitais-presídios no país, uma pesquisa inaugural traz o primeiro perfil nacional de uma população esquecida: A custódia e o tratamento psiquiátrico - Censo 2011 - estudo idealizado e coordenado pela professora Debora Diniz, do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), e financiado pelo Ministério da Justiça.
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Para continuar a leitura, acesse http://www.unbciencia.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=558%3Acenso-inedito-compoe-perfil-dos-loucos-infratores-no-brasil&catid=35%3Aservico-social

Luciana Barreto – da Secretaria da Comunicação – 14.12.2012
IN UNB. 

sábado, 20 de dezembro de 2014

Licença para matar


Criado sob o manto da repressão, o auto de resistência se transformou numa espécie de salvo conduto para matar, que ainda perdura, 45 anos após sua invenção e 29 anos após a volta da democracia. O que se viu ao longo de todos esses anos foi a ampliação do uso do instrumento, a ponto de, em 2014, deixar de ser exceção para virar regra. Hoje, as vítimas prioritárias do auto de resistência não são mais os estudantes da geração de 68, os "terroristas" dos anos de chumbo, mas a juventude negra, pobre e moradora das periferias.

Paulo Teixeira
A pena de morte foi abolida da lei brasileira com a Proclamação da República, em 1889. O último brasileiro punido oficialmente com a pena capital foi o escravo Francisco, no município de Pilar, no interior de Alagoas, em 28 de abril de 1876, condenado pelo assassinato de um coronel e sua esposa. Faz 138 anos, portanto, que a Justiça não manda ninguém para a forca, como aconteceu com Francisco, nem para a guilhotina, a fogueira, a cadeira elétrica ou a injeção letal. Na prática, no entanto, a pena de morte jamais deixou de ser adotada no Brasil.

Centenas morreram torturados, sob a responsabilidade do Estado, nos dois períodos de ditadura que vitimaram o país no século passado: o Estado Novo (1937-1945) e o regime militar (1964-1985). Outras centenas ainda morrem, todos os anos, sob tortura ou em execuções sumárias, por iniciativa de maus policiais, aos quais interessa menos cumprir a lei do que "matar vagabundo" ou "fazer justiça com as próprias mãos". Esses mesmos agentes contratados pelo Estado para promover a segurança pública nem sempre se sujeitam à mesma legislação pela qual deveriam zelar. Pressão, ódio, medo, euforia, destempero ou despreparo entram na conta do extermínio. Mas é sobretudo a certeza da impunidade que lhes permite puxar o gatilho – duas, três, oito vezes – e eliminar um suspeito, muitas vezes alvejado nas costas ou na nuca, e voltar ao trabalho no dia seguinte, impunes e impávidos, para serem recebidos com sorrisos cúmplices do chefe e dos colegas.
Essa certeza de impunidade chama-se auto de resistência.
O auto de resistência surgiu no antigo estado da Guanabara, hoje Rio de Janeiro, em outubro de 1969, como um instrumento administrativo a ser utilizado no registro de civis mortos em confronto com a polícia, especificamente quando houvesse resistência à prisão. A hipótese era de que, ao oferecer resistência, o suposto bandido poria em risco a vida do policial, o que tornaria legítimo o uso de força letal. Em outras palavras, o policial agiria em legítima defesa ao executar um suspeito que resiste. E, se agiu em legítima defesa para conter um criminoso que resistiu à prisão, não deveria se sujeitar aos trâmites habituais a que respondem os civis acusados de homicídio. Ou seja: ocorrência em que houve auto de resistência, culminando ou não com a morte da vítima, não é investigada. Nos anos seguintes, muitos opositores da ditadura tombaram por "resistir à prisão" – nus, encarcerados, com fios elétricos amarrados nas partes íntimas.
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Para continuar a leitura, acesse http://www.teoriaedebate.org.br/materias/sociedade/licenca-para-matar?page=full#sthash.W7GUvIyb.dpuf








Paulo Teixeira
 – Deputado federal pelo PT de São Paulo – 26.11.2014.
IN Revista Teoria e Debate, ed. 130.


quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Verdade, memória e reconciliação



O Trabalho permitiu à Comissão Nacional da Verdade concluir que as graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado, especialmente nos 21 anos da ditadura instaurada em 1964, foram resultado de uma ação generalizada e sistemática do estado, configurando crimes contra a humanidade.
Nessa conduta estatal, o protagonismo foi das forças armadas. Seu exercício envolveu cadeias de comando originadas nos gabinetes dos presidentes e ministros militares, como está fartametne demonstrado no relatório.
Pedro Dallari
Neste 10 de dezembro (de 2014), Dia Internacional dos Direitos Humanos, a CNV (Comissão Nacional da Verdade) chega ao final de suas atividades e entrega à presidente da República seu relatório, contendo a descrição do trabalho realizado, a apresentação dos fatos examinados, as conclusões e as recomendações.
Cumpre, assim, determinação da lei n. 12.528/11, que criou a CNV e fixou para ela o objetivo de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas de 1946 a 1988 – período entre as duas últimas Constituições democráticas brasileiras –, com a finalidade de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
Nos seus dois anos e sete meses de existência, a CNV se dedicou à busca e à pesquisa de documentos, ouviu mais de um milhar de depoimentos, efetuou diligências em locais de repressão, realizou dezenas de sessões e audiências públicas por todo o território nacional, dialogou intensamente com a sociedade.
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Pedro Dallari – Membro da Comissão Nacional da Verdade e Professor – 10.12.2014
IN Folha de São Paulo, Tendências e Debates.




Dar cabo



“Eram outros tempos”, “O mudo estava polarizado”, dizem os que querem minimizar cabos de vassouras com fios desencapados. Verdade, o mundo estava polarizado, e o Brasil também, mas o embate ocorria dentro do campo democrático. Então veio o golpe de 64 e aqueles que temiam por aqui uma improvável Cuba de Fidel nos impuseram a certeza de uma Nicarágua dos Somoza, um Haiti de Papa e Baby Doc, uma República Dominicana de Trujillo. (...)
Se você tem um pai, uma filha ou um irmão morto e quer ver os assassinos na cadeia, está sendo ‘revanchista’?

Antonio Prata
Aos oito anos de idade, descobri que o ser humano não prestava.. Estava no banco de trás do carro, descendo a 23 de Maio, li “Abaixo a ditadura!” num muro e perguntei pro meu pai o que significava aquilo. Meu pai, cuja particularíssima pedagogia baseava-se no princípio de que as crianças deviam ser tratadas como adultos, sem filtros, me deu uma resposta bem detalhada. Meia hora mais tarde, tendo passado pelos porões do Doi-Codi, pelo pau de arara, pela coroa de Cristo, pela cadeira do dragão e por minha prima Julieta, aos 20 anos, sendo violentada com um cabo de vassoura e um fio desencapado na ponta, cheguei, lívido, em casa.
Durante a ditadura, milhares de brasileiros sofreram horrores semelhantes aos de minha prima. Centenas não sobreviveram. O relatório da Comissão Nacional da Verdade, publicado na última quarta (10), traz o assunto novamente à tona. Felizmente, pois apesar de essas histórias serem há muito conhecidas e documentadas, apesar de boa parte de seus responsáveis estarem vivos, há quem ache que o melhor é deixar tudo para trás.
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Antonio Prata – Cronista – 15.12.2014
IN Folha de São Paulo.






Falsas vítimas


As forças armadas brasileiras devem decidir se querem ser uma instituição à altura das exigências de uma sociedade democrática ou um clube de defesa de torturadores, estupradores e assassinos.


Vladimir Safatle
Depois de pressões vindas de váriso setores da sociedade pelo reconhecimento dos excessos cometidos por ambos os lados, o governo alemão resolveu inaugurar um memorial aos oficiais da Gestapo mortos por miliantes comunistas alemães.
“Devemos colocar o problema da ascensão do nazismo em seu contexto. Afinal, havia o medo da ameaça comunista, por pouco uma revolução comunista não eclodiu na Alemanha. Claro que ninguém apoia o nazismo, mas do outro lado não havia apenas santos”, disse a chanceler Angela Merkel na inauguração.
Não, esta não é uma notícia verdadeira. Mas, guardada as devidas proporções, alguns querem nos levar a um raciocínio parecido diante das exigências postas pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade.
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Vladimir Safatle – filósofo e professor da USP – 16.12.2014
IN Folha de São Paulo.