quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Verdade, memória e reconciliação



O Trabalho permitiu à Comissão Nacional da Verdade concluir que as graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado, especialmente nos 21 anos da ditadura instaurada em 1964, foram resultado de uma ação generalizada e sistemática do estado, configurando crimes contra a humanidade.
Nessa conduta estatal, o protagonismo foi das forças armadas. Seu exercício envolveu cadeias de comando originadas nos gabinetes dos presidentes e ministros militares, como está fartametne demonstrado no relatório.
Pedro Dallari
Neste 10 de dezembro (de 2014), Dia Internacional dos Direitos Humanos, a CNV (Comissão Nacional da Verdade) chega ao final de suas atividades e entrega à presidente da República seu relatório, contendo a descrição do trabalho realizado, a apresentação dos fatos examinados, as conclusões e as recomendações.
Cumpre, assim, determinação da lei n. 12.528/11, que criou a CNV e fixou para ela o objetivo de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas de 1946 a 1988 – período entre as duas últimas Constituições democráticas brasileiras –, com a finalidade de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
Nos seus dois anos e sete meses de existência, a CNV se dedicou à busca e à pesquisa de documentos, ouviu mais de um milhar de depoimentos, efetuou diligências em locais de repressão, realizou dezenas de sessões e audiências públicas por todo o território nacional, dialogou intensamente com a sociedade.
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Pedro Dallari – Membro da Comissão Nacional da Verdade e Professor – 10.12.2014
IN Folha de São Paulo, Tendências e Debates.




Dar cabo



“Eram outros tempos”, “O mudo estava polarizado”, dizem os que querem minimizar cabos de vassouras com fios desencapados. Verdade, o mundo estava polarizado, e o Brasil também, mas o embate ocorria dentro do campo democrático. Então veio o golpe de 64 e aqueles que temiam por aqui uma improvável Cuba de Fidel nos impuseram a certeza de uma Nicarágua dos Somoza, um Haiti de Papa e Baby Doc, uma República Dominicana de Trujillo. (...)
Se você tem um pai, uma filha ou um irmão morto e quer ver os assassinos na cadeia, está sendo ‘revanchista’?

Antonio Prata
Aos oito anos de idade, descobri que o ser humano não prestava.. Estava no banco de trás do carro, descendo a 23 de Maio, li “Abaixo a ditadura!” num muro e perguntei pro meu pai o que significava aquilo. Meu pai, cuja particularíssima pedagogia baseava-se no princípio de que as crianças deviam ser tratadas como adultos, sem filtros, me deu uma resposta bem detalhada. Meia hora mais tarde, tendo passado pelos porões do Doi-Codi, pelo pau de arara, pela coroa de Cristo, pela cadeira do dragão e por minha prima Julieta, aos 20 anos, sendo violentada com um cabo de vassoura e um fio desencapado na ponta, cheguei, lívido, em casa.
Durante a ditadura, milhares de brasileiros sofreram horrores semelhantes aos de minha prima. Centenas não sobreviveram. O relatório da Comissão Nacional da Verdade, publicado na última quarta (10), traz o assunto novamente à tona. Felizmente, pois apesar de essas histórias serem há muito conhecidas e documentadas, apesar de boa parte de seus responsáveis estarem vivos, há quem ache que o melhor é deixar tudo para trás.
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Antonio Prata – Cronista – 15.12.2014
IN Folha de São Paulo.






Falsas vítimas


As forças armadas brasileiras devem decidir se querem ser uma instituição à altura das exigências de uma sociedade democrática ou um clube de defesa de torturadores, estupradores e assassinos.


Vladimir Safatle
Depois de pressões vindas de váriso setores da sociedade pelo reconhecimento dos excessos cometidos por ambos os lados, o governo alemão resolveu inaugurar um memorial aos oficiais da Gestapo mortos por miliantes comunistas alemães.
“Devemos colocar o problema da ascensão do nazismo em seu contexto. Afinal, havia o medo da ameaça comunista, por pouco uma revolução comunista não eclodiu na Alemanha. Claro que ninguém apoia o nazismo, mas do outro lado não havia apenas santos”, disse a chanceler Angela Merkel na inauguração.
Não, esta não é uma notícia verdadeira. Mas, guardada as devidas proporções, alguns querem nos levar a um raciocínio parecido diante das exigências postas pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade.
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Vladimir Safatle – filósofo e professor da USP – 16.12.2014
IN Folha de São Paulo.