O Brasil, porém, está
em transição. Os anos passam e o país se torna cada vez mais americanizado, no
sentido social da expressão. Sim, quando se define sociedade democrática, à
maneira de Tocqueville e Roberto DaMatta, não se está falando de democracia
política, mas de democracia na sociedade, de aburguesamento geral dos
indivíduos. Com o passar do tempo e à medida que melhoram de vida, todos se tornam
pequenos proprietários, de suas residências, de seus automóveis, passam a
preferir previsibilidade e contínua expansão de sua capacidade de consumo.
É isso que está
ocorrendo hoje no Brasil e que incomoda enormemente um segmento que não se
sente representado pelo PT na Presidência da República. Afinal, para esse
segmento, em breve serão 16 anos consecutivos sem que o comando máximo da nação
seja exercido por uma pessoa que o represente. É doloroso. O resultado concreto
disso é mais doloroso ainda.
Alberto Carlos Almeida
Aprendi com Alexis de Tocqueville e Roberto DaMatta que uma sociedade
democrática é aquela em que os homens são parecidos em sua maneira de agir, de
pensar e em suas ambições, em que não há grande diferença entre ricos e pobres,
e o acesso aos bens e a possibilidade de tê-los é mais ou menos a mesma para
todos. Segundo Tocqueville, um dos sinais do caráter democrático da sociedade
americana era que, lá, todos se tratavam pelo pronome "you", e não se
usavam os pronomes de tratamento gentleman, Mister ou Sir. Os EUA sempre foram
o oposto do Reino Unido, onde até hoje a formalidade marca as relações
pessoais. Quanto mais igualitária uma sociedade é, segundo Tocqueville, menor
os sinais de diferenciação entre os homens.
Roberto DaMatta, mostrei isso em meu livro "A Cabeça do
Brasileiro", é o Tocqueville brasileiro. Sua obra irretocável e
paradigmática tem vários ensinamentos para os interpretes do Brasil. Uma das
mais importantes é o caráter hierárquico de nossa sociedade. No Brasil, todos
querem saber o sobrenome de novos conhecidos, sua origem social (é bem verdade
que esse comportamento já foi mais disseminado). Nos EUA, ninguém pergunta de
qual família você é. Isso não importa, pois a origem social de todas as pessoas
é muito semelhante.
DaMatta consagrou o caráter hierárquico de nossa sociedade ao revelar e interpretar o uso da expressão "você sabe com quem está falando?" Para muitos, é a chamada carteirada. É, porém, mais que isso. A expressão é utilizada em uma situação de grande desnível social, quando alguém importante, influente ou que conhece uma pessoa no governo, interage com outra pessoa sem tais credenciais e deseja evitar cumprir uma regra geral e universal. A expressão "você sabe com quem está falando?" só faz sentido e tem aceitação em sociedades muito desiguais, nas quais a ética igualitária seja fraca. A expressão oposta, utilizada nos EUA, uma sociedade genuinamente igualitária, é "quem você pensa que é?". O Brasil é o país do que "você sabe com quem está falando" e os EUA, o país do "quem você pensa que é?". O primeiro é muito desigual, o segundo é muito igualitário.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www.valor.com.br/cultura/3758520/dores-do-parto-de-uma-nova-sociedade
Alberto Carlos Almeida – Sociólogo, Diretor do Instituto Análise e autor de “A Cabeça do
Brasileiro”– 31.10.2014
IN Valor Econômico.