sexta-feira, 31 de março de 2017

“Escola demais faz mal às crianças”, garante psicólogo português


Eduardo Sá – “O grande desafio de um insucesso – nas crianças como em nós – passa por sabermos se as pessoas que são mais importantes na nossa vida são capazes de conviverem com a nossa tristeza. Na verdade, elas estão sempre lá, ao nosso dispor, mas nem sempre aceitam e acolhem a nossa tristeza. Muitos pais afligem-se com a tristeza dos filhos como se lhes dissessem: se você está triste, você me põe triste… E, quando é assim, uma criança dói-se por estar triste e assusta-se ao sentir que a sua tristeza será estranha ou mais ou menos misteriosa para os seus pais. Isto é: a tristeza é inevitável quando vivemos um fracasso, mas quando as pessoas que nos amam se assustam com a nossa dor, perdura a tristeza que nos assalta e é acrescida pelo desamparo que a falta de acolhimento que ela desencadeou terá merecido. Ora, é muito importante que os pais sintam os filhos. Mas, mais precioso ainda, é que eles percebam que a tristeza ajuda a esclarecer se as pessoas que nos amam nos sabem amar. Sendo assim, a tristeza é o melhor antidepressivo do mundo! Porque quanto podemos estar tristes e mais sentimos que as nossas dores nos dão mais e melhores pais, mais nos tornamos audazes e guerreiros. Tenho medo, portanto, que os pais tenham construído um ideal de um crescimento antidepressivo para os seus filhos e seja isso que mais os deprimem. Ao contrário daquilo que, seguramente, eles desejam. Ao contrário dos perigos que eles vêem ou imaginam à volta da vida das crianças . E ao contrário daquilo que a sua bondade deixaria supor. Sendo assim, pais bondosos não exageram na prevenção da dor. Deixam que o improviso da própria vida faça o seu trabalho porque eles sabem que, no caso de um filho se magoar, eles são quem mais os tornam corajosos, mais audaciosos e mais tenazes. Já, ao contrário, crianças que fogem da dor são crianças que se tornam de “porcelana”: frágeis e fóbicas, portanto. Porque a melhor forma de ficar preso a uma dor é fugir dela“.

Rita Lisauskas
Meu filho tem 4 anos. E nas “rodinhas” de conversa na porta da escola, não se pergunta outra coisa: “Pra qual escola ele vai?” No começo eu não entendia a questão. Eu e meu marido já escolhemos a escola do Samuel – estávamos na porta dela, inclusive – e não passava pela nossa cabeça mudá-lo de instituição. Há jabuticabeiras, animais, aula de música, parques. E ele é muito feliz lá, como já nos disse dezenas de vezes. A escolha não foi por impulso. Antes de efetivar a matrícula conversamos com a diretora sobre alimentação, método de ensino, conflitos e inclusão (ver com meus próprios olhos crianças especiais por lá foi decisivo porque eu sempre quis que meu filho fosse acima de tudo uma pessoa tolerante). E por estar assim tão segura das minhas/nossas escolhas, decidi entender porque essas mães e esses pais estavam tão inquietos.
Uma delas falou sobre a preocupação com o vestibular e, como nesta escola não há ensino médio, não conseguiam saber se a escola era “forte” ou “fraca”. Outros se preocupam com as habilidades futuras das crianças em línguas estrangeiras. Um pai me lembrou que “inglês todo mundo já fala” e contou que foi visitar uma escola que ensina alemão para os pequenos.  Muitos questionam o sistema de ensino, construtivista. “É bom apenas quando eles são menores, depois eles ficam indomáveis, sem regras”, ouvi de uma mãe.
Foi por isso que decidi entrevistar o psicólogo e psicanalista Eduardo Sá, professor da Universidade de Coimbra, Portugal. Fazendo minha ronda diária em portais jornalísticos do mundo, vi que ele estava lançando o livro: “Hoje não vou à escola – Por que os bons alunos não tiram sempre boas notas?”, que já está em negociação para ser publicado também no Brasil. Sá lança a pergunta no texto de divulgação: “Por que é que a escola dá tanto às crianças, mas não necessariamente o que mais precisam?”. Ele defende com unhas e dentes uma escola que dê importância à educação musical e à educação física na mesma medida em que valoriza o ensino da matemática e do português. É contra a lição de casa, a favor do brincar e de passar mais tempo com a família. Eduardo Sá afirma que saber acolher o fracasso dos nossos filhos é de vital importância e decreta: “Escola demais faz mal às crianças”.
(...)





Rita Lisauskas – 07.10.2014
Eduardo Sá - Psicólogo e psicanalista, professor da Universidade de Coimbra.
IN Blog Ser mãe é padecer na internet.



terça-feira, 28 de março de 2017

Terceirização é retrocesso e aprofunda injustiça social, alertam especialistas


Para professores do Instituto de Economia [da Unicamp], flexibilização da legislação decreta o fim de garantias trabalhistas.


Manuel Alves Filho

Caso seja aprovado da forma como está proposto, o Projeto de Lei 4.302 (1998), que permite a terceirização em todas as atividades das empresas, representará um grande retrocesso em relação às garantias trabalhistas e se constituirá em medida de injustiça social. As opiniões são dos professores do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, José Dari Krein e Claudio Salvadori Dedecca, respectivamente. A matéria seria incluída na pauta de votação do Legislativo na tarde desta terça-feira (21). O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou nos últimos dias que o governo dispunha de maioria para aprovar o PL.

De acordo com Krein, ao propor a ampliação da flexibilização da legislação trabalhista, o projeto atende principalmente aos interesses do mercado financeiro. “Pesquisas que analisaram as experiências levadas a cabo por diversos países demonstram que esse mecanismo não gera emprego, como argumentam os defensores da medida. O emprego depende de outros fatores, relacionados à dinâmica da economia”, afirma o docente.

(...)







Manuel Alves Filho – 22.03.2017.

IN Jornal da Unicamp.






A lei da terceirização é boa? Depende se você é patrão ou funcionário


Especialistas afirmam que empresários economizarão às custas do salário do trabalhador.


Gil Alessi

lei da terceirização é boa? A resposta para essa pergunta depende muito da posição no mercado que você ocupa. Ela terá consequências diversas para patrões e trabalhadores, e atingirá de forma diferente o setor público e o privado. De acordo com o texto aprovado na Câmara na noite desta quarta, empresas particulares podem terceirizar todas as atividades, tanto as atividades-meio (que são aquelas que não são inerentes ao objetivo principal da companhia), quanto as atividades-fim, que dizem respeito à sua linha de atuação.

A advogada trabalhista e professora da PUC-SP Fabíola Marques afirma que a nova lei da terceirização só é boa para o patrão, “que vai terceirizar sempre que isso lhe trouxer uma redução de custos". De acordo com ela, a medida trará economia na folha de pagamento e nos encargos trabalhistas das empresas. Mas uma consequência direta dessa economia é “a redução do valor pago ao empregado terceirizado, que terá sua situação precarizada”. Ou seja, se o empresário gasta menos ao terceirizar, o valor pago à companhia contratada – que conta com sua própria hierarquia e também busca o lucro – será menor, e o salário que essa empresa paga a seus funcionários será mais baixo do que o recebido antes.

(...)

Para continuar a leitura, acesse http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/23/politica/1429813406_631060.html

 

 




 

Gil Alessi – 23.04.2015.

IN El País Brasil.



sábado, 25 de março de 2017

Algo de podre no reino da Agroindústria


Na agropecuária, o Brasil escolheu o oposto disso: muito agrotóxico, pouca educação, muita concentração de terra, pouca inovação, muita devastação ambiental, pouca colaboração, muito juro, pouca infraestrutura, muita eficiência, pouco futuro. Nosso sistema nacional de produção de alimentos é decidido nas planilhas de cálculo de corporações como Friboi, JBS e Ambev, que vão sempre decidir pelo custo menor e receita maior, independentemente de qualquer efeito colateral na saúde pública. É um modelo frágil, como vimos na semana passada. 


Denis R. Burgierman 
Minha maior surpresa com o escândalo da carne, na semana passada, foi a surpresa de tanta gente. Sério mesmo que o pessoal não esperava que a indústria mascarasse o cheiro e o gosto da carne vencida, para economizar na matéria-prima e não perder receita das vendas? Cara, desculpa se sou eu a lhe abrir isso, mas é assim mesmo que as coisas têm funcionado.  Especialmente no Brasil. 
O país é uma megapotência agropecuária. Somos os maiores exportadores do mundo de frango, soja, suco de laranja, açúcar, café, suco de frutas, estamos no rumo para nos tornarmos na próxima década os maiores produtores do mundo de todo o setor. Orgulho. Vai, Brasil. 
Mas é engraçado que esse meu orgulho pátrio nem sempre encontra eco nas reações dos amigos que faço pelo mundo. Este mês entrevistei uma sul-africana aqui em São Paulo – almoçamos juntos. Ela ficou aliviada quando viu que o cardápio do evento era massa. “Comemos muito frango brasileiro na África do Sul. Tenho que confessar que eu odeio.” Tenho uma amiga colombiana que sempre que me encontrava fazia questão de me relembrar que o café brasileiro de má qualidade e preço baixo que inundou o mercado internacional quebrou um monte de fazendeiros que faziam cafés incríveis nas montanhas da região onde ela nasceu, nos Andes. 
Engraçado também que uma potência agropecuária, responsável por uma porcentagem considerável de toda a produção mundial de alimentos, abençoada com uma quantidade surreal de recursos naturais, coma tão mal. Em nenhum outro lugar do planeta usa-se tantos agrotóxicos quanto aqui, com consequências imprevisíveis, a longuíssimo prazo. 
(...)

Para continuar a leitura, acesse https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2017/Algo-de-podre-no-reino-da-agroind%C3%BAstria?utm_campaign=a_nexo_2017324&utm_medium=email&utm_source=RD+Station  

 





Denis R. Burgierman – Jornalista – 23.03.2017.
IN Nexo Jornal.


quinta-feira, 23 de março de 2017

Crise das humanas enfraquece a democracia



A educação da forma como recomendo ensina habilidades de debate respeitoso que fazem encontros com pessoas de diferentes culturas serem ricos; e também inclui muita aprendizagem sobre religiões e culturas do mundo, desfazendo estereótipos simplistas. Além disso, alimenta a capacidade de se imaginar na posição de outra pessoa. Muito do que se vê hoje é obtusidade dirigida pelo medo e total falta de conhecimento. (...)
Eu não sou contra o ensino de habilidade para o lucro. O primeiro ponto a ser feito é que os líderes de negócios em todo o mundo acreditem que uma cultura empresarial saudável precisa cultivar o pensamento crítico e a imaginação. A inovação é fundamental na economia moderna e nós não temos como obtê-la com o ensino de competências já conhecidos: é preciso incentivar o pensamento arrojado e imaginativo. Outro ponto a ser implementado é que nós não precisamos escolher entre a educação liberal e o foco na técnica. Se seguirmos o sistema que é tradicional na Escócia, EUA e Coreia do Sul, os estudantes escolhem um grande tema e também devem completar uma série de requisitos de educação geral. A lógica por trás disso é que a educação prepara os alunos não apenas para o lucro econômico, mas também para a cidadania e a vida.

  
Grazieli Gotardo
Um manifesto contra a redução das disciplinas humanas da educação, que vêm sendo gradativamente retiradas dos currículos escolares e universitários em detrimento de conteúdos que preparam os alunos apenas para serem economicamente bem-sucedidos. Esse é o alerta do livro Sem fins lucrativos – Por que a democracia precisa das humanidades (Martins Fontes, 2015; 176 p.), de Martha C. Nussbaum, professora emérita de direito e ética da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. O livro defende que é necessário resistir às tentativas de redução do ensino a mera ferramenta do Produto Interno Bruto e que o papel do ensino é proporcionar aos estudantes a capacidade de exercício da cidadania. Nesta entrevista por e-mail, a professora fala um pouco sobre a importância do processo educacional para o pleno exercício da democracia.

Extra Classe – Quando começou o processo de redução das disciplinas de humanas e artes e a priorização do crescimento econômico na educação?
Martha C. Nussbaum  O ataque às humanidades e a preferência por disciplinas mais úteis ao lucro é muito antiga. John Stuart Mill, por exemplo, Reitor da Universidade de St. Andrew, em 1867, descreveu o ensino superior na Grã-Bretanha como um modelo baseado no lucro e argumentou que o sistema tradicional escocês, estruturado nas artes e humanidades, era muito superior. E, claro, mesmo quando as artes liberais foram favorecidas, era apenas para uma elite privilegiada. Foi somente depois da Segunda Guerra Mundial, em que uma lei nos EUA passou a oferecer educação universitária a todos os veteranos, que a ideia de que todos os cidadãos devem ter uma educação em artes tornou-se popular. Mas o ímpeto de deixar a educação superior com uma visão mais estreita ganhou impulso mesmo após a crise econômica de 2008.
(...)




Martha C. Nussbaum – Professora emérita de direito e ética da Universidade de Chicago – Sem data.
Grazieli Gotardo – Entrevistadora.

IN Extraclasse.

terça-feira, 21 de março de 2017

Falsas memórias e identificação de testemunhas (Entrevista com Elizabeth F. Loftus)


Elizabeth Loftus – “Todos os dias, nos Estados Unidos, centenas de pessoas viram réus em ações penais após ser identificadas por testemunhas entre uma fileira de pessoas ou algumas fotos. Milhares de estudos têm demonstrado que certas condições aumentam as chances de alguém ser identificado por equívoco (Wells, Memon & Penrod, 2006). Mesmo militares altamente treinados podem ser induzidos, a partir de sugestões, a identificar equivocadamente uma pessoa que os interrogou 30 minutos antes, de forma agressiva (Morgan et al, 2013). Alguns fatores nós temos que simplesmente aceitar, pois o sistema judicial não pode mudá-los – por exemplo, a relativa falta de confiabilidade de identificações interraciais. No entanto, o sistema judicial pode alterar outros fatores, como as instruções que são dadas às testemunhas antes de um reconhecimento pessoal entre vários suspeitos.
Preocupado com o crescente número de casos com condenações equivocadas baseadas em falsas memórias, o Departamento de Justiça Norte-Americano lançou um guia nacional de coleta e preservação de evidências testemunhais (Technical Working Group for Eyewitness Evidence, 1999)”.

Carlo Velho Masi
Memória é a aquisição (recordação, lembrança, recuperação), a formação, a conservação e a evocação de informações. O acervo das memórias de cada um é o que nos converte em indivíduos (IZQUIERDO, 2002), é o que constitui nossa identidade e possibilita nossa comunicação. A memória está na origem de todo o ato cognitivo.
As memórias humanas são feitas, armazenadas e evocadas por redes de células nervosas (neurônios), sendo, portanto, moduláveis pelas emoções, pelo nível de consciência e pelos estados de ânimo. Elas podem ser de curto ou de longo prazo[1]. A memória é maleável, seletiva e mutável.
O estudo da memória só adquiriu maior relevância científica a partir do início do séc. XX, quando se iniciam estudos empíricos com listas de palavras vinculadas a associações cerebrais. Apenas na década de 90, os experimentos começaram a ser direcionados para a recuperação de memórias de fatos traumáticos, o que passou a repercutir não só no meio científico. Rapidamente, os pesquisadores passaram a se interessar pela inexatidão da memória e pelos motivos pelos quais ocorreriam distorções nas recordações[2].
Essas pesquisas direcionaram-se àquelas circunstâncias em que pessoas normais passam a lembrar de fatos específicos que nunca ocorreram em suas vidas, ou ocorreram de forma distinta, como se efetivamente tivessem ocorrido. Não se tratam, portanto, de mentiras ou fantasias das pessoas, mas de informações ou eventos que não ocorreram na realidade, mas foram introjetados como se tivessem ocorrido.
A mentira é algo deliberado, um ato consciente. De outra banda, a falsa memória é algo espontâneo, que o agente crê honestamente lembrar. Ao contrário do que possa parecer, falsas memórias são fruto de um funcionamento absolutamente normal, e não patológico, da memória humana.
Para o Direito, que ainda se baseia muito na prova testemunhal, ou seja, na memória de pessoas, o tema adquire especial relevância na identificação de suspeitos e na reconstituição de acontecimentos, sobretudo porque nem sempre é possível produzir uma prova científica para o uso em processos judiciais. No Brasil, especificamente, ainda existe um sério déficit nas investigações de fatos delitivos, que resultam na baixa qualidade das provas técnicas produzidas, remetendo a reconstituição fática quase que exclusivamente às palavras de determinadas pessoas. Por esse motivo, o estudo da neurociência e da psicologia cognitiva assume um papel fundamental. 
(…)
É preciso ter em conta que a narrativa de uma testemunha pode ter sido sugestionada ou induzida, e certamente sofreu com o transcurso do tempo, de maneira que deve ser bem investigada para aferir sua real credibilidade. Quando uma história é contada por terceiros, como terapeutas, policiais, juízes, promotores ou advogados, a tendência é incorporar detalhes sensoriais para ajudar a distinguir entre as memórias verdadeiras e aquelas advindas da imaginação. Esses detalhes são usados falsamente como informações de que o relato seria baseado em memórias autênticas. Entretanto, os estudos de LOFTUS (2003) demonstram que falsas memórias são muito convincentes, justamente porque podem ser muito detalhadas e afirmadas pela pessoa com segurança e emoção.
LOFTUS (1996) explica que o surgimento de falsas memórias está intimamente atrelado ao tempo. Quando a memória original começa a desaparecer, a infiltração de falsas memórias é maior. Uma desinformação ou informações equivocadas que podem complementar, contaminar ou distorcer a memória. Falsas informações são utilizadas naturalmente não apenas através de diálogos com perguntas sugestivas, mas também quando falamos com alguém que (conscientemente ou inadvertidamente) apresenta uma versão equivocada de um evento passado. Uma vez instalada a falsa memória, a pessoa torna-se extremamente confiante naquilo que acredita ter vivenciado. Isso ocorre em reconhecimentos, quando a vítima afirma categoricamente que aquele foi o autor do delito, quando em realidade o que ela guarda em sua memória original não seria suficiente para tanto.
(...)
Para continuar a leitura – e ler toda a entrevista com a pesquisadora Elizabeth L. Loftus – , acesse http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/falsas-memorias-no-processo-penal-parte-1/ (a entrevista está dividida em 6 partes)







Carlo Velho Masi – Advogado criminalista, mestre em Ciências Criminais - 28.05.2015.
Elizabeth L. Loftus – Ph.D. em Psicologia pela Universidade de Standford (Califórnia, EUA), Professora do Departamento de Psicologia e Comportamento Social na Universidade de Irvine (Califórnia, EUA).
IN Canal Ciências Criminais.

domingo, 19 de março de 2017

José Arthur Giannotti x Marilena Chaui: o debate


Confira abaixo debate travado entre os filósofos José Arthur Giannotti e Marilena Chaui e veja como, depois de quase 5 [16] anos, houve uma inversão dos fatos.


Seguem as partes iniciais dos 3 artigos de 2001 que perfazem um rico debate e que merecem ser relidos em uma conjuntura bem diferente...

1.
O dedo em riste do jornalismo moral

Um partido, ao negar-se como particular, é levado a minar a existência legítima de outros e, por isso, se identifica com o Estado; por sua vez, um órgão da mídia que se pensa como único instrumento da moralidade pública tende a virar partido. Na distância entre o que ela é empresa particular e guardiã da normatividade pública, entre sua particularidade e sua universalidade, infiltra-se uma contradição, que também se resolve no processo.
José Arthur Giannotti
Mais do que moral, acusar de imoral publicamente uma pessoa pública é ato político. Na medida em que a política, entre muitas coisas, consiste numa luta entre amigos e inimigos, ela pressupõe a manipulação do outro, desde logo suporta, portanto, certa dose de amoralidade. Não há política entre santos, mas já existe entre sábios, pois, embora devam discutir até o convencimento de todos, até chegar ao consenso e pronunciar uma verdade relativa, para isso precisam disputar recursos escassos, de sorte que alguns ficam privilegiados no processo de provar suas teses.

No entanto, é particularmente na democracia, quando os interesses gerais e comuns são discutidos até que se decida pela maioria, tornando legítima a ação executiva, que se percebe com nitidez sua zona cinzenta da amoralidade.

Na impossibilidade do consenso, a decisão se dá pelo voto. Isso implica obedecer a determinadas regras que asseguram a legitimidade do procedimento, tais como eleger representantes, garantir que a minoria possa vir a ser maioria, determinar prazos, ordem na apresentação das propostas, indicação de comissões e assim por diante.
(...)


2.
Acerca da moralidade pública

Qual o equívoco de Giannotti? Confundir a indeterminação própria da ação política com uma suposta indefinição de suas regras e deixar nas mãos do governante uma definição nômade, que varia segundo seus interesses. Por outro lado, ao desqualificar os partidos políticos e a imprensa, Giannotti desqualifica politicamente algo mais profundo: a sociedade civil e o conjunto dos cidadãos.

Marilena Chaui
A confusão entre moral privada e pública produz um obscurecimento acerca da essência da política, ou seja, faz aparecer o moralismo.

De fato, ao confundir os dois espaços, o moralismo suscita dois equívocos igualmente graves: o de tomar o espaço político segundo os critérios da vida familiar (regida pelo princípio da autoridade pessoal e da afeição) e das relações de mercado (regidas pelo princípio da propriedade privada dos meios de produção), quando, na verdade, a política nasce para responder aos problemas, conflitos e contradições dessas duas esferas privadas, não podendo ser regida pelas mesmas normas que as regem.

E, em segundo lugar, ao se supor que as normas e regras da moralidade privada devem estar em vigência na política, será preciso supor que o espaço político encontra-se definido antes da própria política e que esta é simplesmente, no nível público, a retomada de normas preexistentes, de sorte que perdemos o essencial da política, isto é, a diferença entre o privado e o público, fundadora da política, que a faz ser uma ação nova produzida por uma relação nova; novidade que a faz ser sempre indeterminada quanto ao seu curso, mas não indefinida quanto às suas regras.

É isso que a palavra "república" sinaliza e significa. Por isso mesmo o Estado não é nem pode ser uma grande família nem uma grande empresa: se for, não há política possível. Em outras palavras, a moralidade política se define pelas ações e pelo curso das ações numa lógica nova que não é a da autoridade (como na família) nem a da força (como no mercado), mas a do poder.
(...)




 3.
Para a virtuosa Marilena
Preocupo-me com os ares de moralismo irracional e desvairado que, em nome da moral, nega a legitimidade da política no seu caráter de jogo, pois já sabemos que essa negação leva ao terror. Temo qualquer programa político que se arme centrado na bandeira da moralidade. Nada mais pretendo do que resgatar uma política republicana, em que cada instituição há de agir dentro dos limites que lhe são próprios, respeitando cuidadosamente os limites das outras.

José Arthur Giannotti
O artigo "Acerca da moralidade pública", que Marilena Chaui, colega e amiga, publicou na Folha de 24 deste mês ("Tendências/Debates") me deixou muito contente. É tão caudaloso e complicado quanto o meu, indício de como esses assuntos não podem ser tratados irrefletidamente por meio de poucas palavras e pedem do leitor certa dose de esperteza.

Ambos concordamos que entre moral e política existe uma zona de indefinição a ser coberta pela prática, o que por sua vez abre novas zonas indefinidas. Não entendo, assim, os "reparos severos" que me faz. Nós dois partimos do princípio de que esse trabalho de costura deve ser feito pela opinião e instituições públicas. Quem as mobiliza no cumprimento dessa tarefa?

Marilena passa a enunciar vários institutos aos quais, segundo ela, recuso o direito de exercer essa função. E daí conclui ser meu equívoco "confundir a indeterminação própria da ação política com a suposta indefinição de suas regras e deixar nas mãos do governante uma definição nômade, que varia segundo seus interesses".
(...)





José Arthur Gianotti – Professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). 
Marilena Chaui – Professora de filosofia política e história da filosofia moderna da USP.
Textos publicados em maio de 2001, no jornal Folha de S. Paulo (Republicados em 2005).
IN Folha de São Paulo (republicados pelo Migalhas).


quinta-feira, 16 de março de 2017

Universities should ban PowerPoint — It makes students stupid and professors boring

PowerPoint slides are toxic to education for three main reasons:
1. Slides discourage complex thinking. Slides encourage instructors to present complex topics using bullet points, slogans, abstract figures and oversimplified tables with minimal evidence. They discourage deep analysis of complex, ambiguous situations because it is nearly impossible to present a complex, ambiguous situation on a slide. This gives students the illusion of clarity and understanding.
2. Reading evaluations from students has convinced me that when most courses are based on slides, students come to think of a course as a set of slides. Good teachers who present realistic complexity and ambiguity are criticised for being unclear. Teachers who eschew bullet points for graphical slides are criticised for not providing proper notes.
3. Slides discourage reasonable expectations. When I used PowerPoint, students expected the slides to contain every detail necessary for projects, tests and assignments. Why would anyone waste time reading a book or going to a class when they can get an A by perusing a slide deck at home in their pyjamas?

Paul Ralph
Do you really believe that watching a lecturer read hundreds of PowerPoint slides is making you smarter?
I asked this of a class of 105 computer science and software engineering students last semester.
An article in The Conversation recently argued universities should ban PowerPoint because it makes students stupid and professors boring.
I agree entirely. However, most universities will ignore this good advice because rather than measuring success by how much their students learn, universities measure success with student satisfaction surveys, among other things.
What is so wrong with PowerPoint?
(...)

 

 

 

Paul Ralph – 23.06.2015.
In Business Insider. 

terça-feira, 14 de março de 2017

Voto facultativo seria ruim, dizem acadêmicos


"Vamos pegar o caso americano. Quem normalmente não comparece? Hispânico, negro, pobre –você exclui os que já estão excluídos socialmente", afirmou Couto. "Então, a probabilidade no voto facultativo é você aumentar a exclusão dos que já são socialmente excluídos", concluiu.
De acordo com os dois acadêmicos, quando o voto passa a ser voluntário, a grande disputa passa a ser sobre quem vai votar.
"Os políticos se organizam para fazer seus eleitores votar e fazer com que os adversários não votem", explicou Limongi.
Para ele, a proposta do voto facultativo desconsidera a experiência política brasileira na época da República Velha (1889 - 1930), em que "a participação era muito baixa e toda controlada pelo sistema político".

Paula Reverbel
"Existe essa visão elitista, que acha que [o voto facultativo] vai tirar o eleitorado que sustentou a corrupção e que vai sobrar o eleitor iluminado, frequentador da faculdade de filosofia da USP –não. Não vai rolar, não é assim que as coisas são."
A opinião foi dada nesta segunda-feira (7) por Fernando Limongi, pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e professor do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo), que argumentava contra a adoção do voto facultativo.
Ao lado de Cláudio Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, ele participou de debate realizado pela Folha e pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) para fazer um balanço das eleições municipais.
O evento foi parte da série Seminários Ilustríssima.
(...)




Paula Reverbel – 07.11.2016.
Fernando Limongi – Cientista político, professor da USP e pesquisador do CEBRAP.
Cláudio Couto – Cientista político, professor da FGV-SP
IN Folha de São Paulo.


sábado, 11 de março de 2017

Os ataques em escala internacional às empresas líderes da engenharia brasileira


Vamos entender as obviedades. As maiores empresas de construção pesada, a indústria naval e os conglomerados econômicos complexos do Brasil estão parados. Poderíamos pensar que interromper as obras e suspender os contratos é um ato de Justiça, em função da corrupção endêmica nos contratos “batizados” através de diretores técnicos de carreira e suas indicações políticas. Mas a evidência é oposta. A União poderia decretar a intervenção nas empresas, poderíamos haver tentado aprovar leis que favorecessem o controle – ou maior controle – dos trabalhadores das grandes empresas em suas rotinas produtivas e assegurar a manutenção dos empregos através da sequência das obras e encomendas. Deu-se exatamente o oposto.

Blog Rogério Cerqueira Leite
Existe uma diferença gritante entre “teoria da conspiração” e prática conspiratória. Entendo que bastam algumas observações pontuais para fazer a lógica da obviedade. O texto que segue tem as devidas ponderações legais, por isso a cautela necessária. Vale observar que ao reconhecer que houve participação do Império no golpe no Brasil, não me alinho ao lulismo, tampouco a condenáveis práticas empresariais, menos ainda ao ‘batismo nos contratos’ como prática regular brasileira e nem nego a condição de que agentes nacionais (domésticos) possam aplicar golpes e também contra golpes. A conspiração que vem de cima encontra eco ou não, é bem sucedida ou não, de acordo com cada sociedade e seus agentes coletivos nacionais. Infelizmente, no Brasil, o golpe aplicado pelo BraZil deu certo (para eles). Vamos aos pontos.
1) Existem pessoas com certo prestígio cibernético alegando que há uma teoria da conspiração na internet brasileira em relação a participação dos EUA no golpe parlamentar que derrubou o governo reeleito de Dilma Rousseff. Os Estados Unidos, embora correspondam a 12% de nossa balança comercial – perdendo em quase o dobro para os 21% de volume de trocas com a China, tem plenas condições de exercer hegemonia e projeção de poder em termos ideológico-culturais, institucionais, militares e financeiros sobre toda a América Latina, o Brasil incluído.
(...)






Rogério Cerqueira Leite – 17.01.2017.
IN Blog de Rogério Cerqueira Leite.


quarta-feira, 8 de março de 2017

Democracia e Democracias


Instituições, porém, não são imunes a ataques dos que visam corrompê-las. Por essa razão, não existe democracia consolidada. A história política da democracia americana, a mais longeva do mundo, é prova disso. (...)O processo democrático é a melhor forma de resolver pacificamente conflitos de interesse. As diferentes instituições das democracias existentes buscam incentivar comportamentos desejáveis. Mas não são onipotentes. A sobrevivência da democracia requer negociação, paciência e muita tolerância. Eleger o presidencialismo de coalizão como vilão do momento que vivemos é tirar o foco de onde deveríamos mantê-lo. 


Argelina Cheibub Figueiredo
Recentemente nossa democracia sofreu um revés. E, como sempre, as instituições políticas são responsabilizadas. O principal alvo de crítica desta vez é o presidencialismo de coalizão. De acordo com uma lógica tortuosa, estabelece-se uma relação entre a existência de corrupção e governos que constroem maioria por meio da distribuição de cargos aos partidos. Governos de coalizão em qualquer lugar no mundo são assim formados. Controlar postos governamentais é uma das maneiras pela qual os partidos podem ter influência nas políticas públicas. Alguns governos de coalizão são corruptos, outros não. Dentre os partidos de um mesmo governo, uns são corruptos, outros não. Da mesma forma, alguns governos unipartidários são corruptos, outros não.
Coalizões se formam com o fim de garantir votos no Congresso dos partidos que dela participam. Não é isso, porém, que gera governos corruptos. Maiorias são construídas para que políticas que emergiram do processo eleitoral sejam aprovadas. Nomeações visando objetivos espúrios, como a blindagem de ministros de conduta duvidosa, não são inerentes a governos de coalizão, seja no presidencialismo ou no parlamentarismo. Bipartidarismo e governos unipartidários não resolvem problemas de corrupção. Podem até agravá-los. As causas da corrupção devem ser buscadas em outros lugares. Mais uma vez pretende-se jogar a criança fora junto com a água do banho.
(...)






Argelina Cheibub Figueiredo – Cientista Política, Professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – 17.02.2017.
IN Valor Econômico.

segunda-feira, 6 de março de 2017

A (triste) profecia do PT: do Colégio Eleitoral de 1985 às eleições indiretas de 2017


Nessa triste imaginação aqui proposta, o importante não é discutir se a maioria do PT participará ou não da eleição indireta. O fundamental está na própria existência dessa dúvida. Não que nos anos 1980 a posição do PT de não ajudar na eleição de Tancredo Neves tenha sido um consenso absoluto. É sabido que três dos oito parlamentares petistas votaram no Colégio Eleitoral, e pouca gente se lembra que o partido fez um plebiscito junto às bases para decidir se participava ou não daquele processo, com vitória de mais de 80% pelo boicote ao pacto das elites. A situação atual, contudo, é totalmente diferente. Nenhum petista tem certeza de que o PT recusaria esse tipo de conciliação. Pelo contrário, a maioria do PT vem dando seguidos sinais de que pretende reverter a sua expulsão do sistema político pactuando com quem o expulsou. Os exemplos são muitos e graves. 
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O que temos é uma ruptura (cada vez mais profunda) entre o Partido dos Trabalhadores e as produções democráticas oriundas das lutas sociais.

Josué Medeiros
Imaginemos o futuro. Alvejado por denúncias e fragilizado por uma persistente crise econômica e social, Temer cai. Cenário cada vez mais plausível, embora não saibamos ainda o quão provável seja, pois o golpista mantém absoluto controle do parlamento e sua agenda neoliberal garante o apoio da burguesia e dos mercados. Por consequência, parlamentares devem se reunir para escolher o próximo presidente, reforçando a crise democrática em nosso país. Na mídia, os “especialistas” falam em “unidade nacional”, em “pacificar o país”, em última chance para superar a “herança nefasta do PT”. 
 
O nome de “consenso” é o de Nelson Jobim, personagem que condensa predicados úteis às várias facções da coalizão golpista: foi ministro do STF, conhece bem o Partido da Justiça; jamais foi acusado de corrupção, o que é bom para a classe média; foi ministro da defesa e tem excelente trânsito com os militares; foi ministro de diferentes governos, e circula bem no sistema político; foi constituinte, um dos chefe do “centrão”, articulação fundamental para limitar nossa democracia; defende reformas constitucionais (menos impostos e gastos sociais) que agradam o empresariado. A vitória de Jobim como salvador da pátria é garantida. Quase toda a elite o apoia. Há apenas uma fração mais radicalizada da direita que lançou uma candidatura extremista. 
 
Nesse cenário fictício, a maioria dos dirigentes e parlamentares do PT defende que o partido ajude na pactuação nacional. Algumas de suas lideranças participam, inclusive, das articulações que ungiram o nome de Jobim como panaceia, sem sequer exigir como contrapartida o fim das reformas neoliberais. E fizeram isso contra a opinião da maioria da sua base social, que ocupa as ruas e as redes sociais defendendo o boicote às eleições indiretas, exatamente como o partido fizera em 1985. 
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Josué Medeiros – Cientista Político e Historiador – 12.01.2017.
IN Carta Maior.