quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Lacrou



Como anota o autor, a gíria tem por base –e acaba por reforçar– "a ideia de que debates, em princípio, admitem um fechamento irrevogável, e não são desprezíveis as consequências disso para as discussões concretas de que venhamos a tomar parte".
Fico tentado a chamar de lacradora essa ideia de que a epidemia de "lacrações" espelha e realimenta nosso ambiente de intolerância mútua, em que as cabeças parecem vedadas a tudo o que, contrariando certezas pré-moldadas, ameace obrigá-las a pensar.

Sérgio Rodrigues
Na revista "Piauí" deste mês, Antonio Engelke, doutor em ciências sociais pela PUC carioca, faz uma análise "progressista" –e por isso mais relevante– dos tiros no pé desferidos pelas políticas identitárias que caracterizam grande parte da esquerda atual, com sua ênfase nas ideias de pureza e essência manifestas em conceitos como "lugar de fala" e "apropriação cultural".
Trata-se de um debate que nada tem de simples, preto no branco. Não tentarei resumir aqui a argumentação nuançada do autor, que gasta seis páginas de letras miúdas para se distanciar tanto da condenação conservadora dos movimentos de afirmação de minorias quanto das armadilhas autoritárias e autossabotadoras que se apresentam em seu caminho.
O artigo é brilhante, e deixo aqui uma enfática recomendação de leitura. Vou comentar apenas o curioso caso línguístico pelo qual Engelke inicia seu argumento: o da gíria "lacrar", forte candidata a palavra mais eloquente e emblemática dos últimos anos no país.
 (...)




Sérgio Rodrigues – Jornalista e Escritor – 19.09.2017.
In Folha de S. Paulo.